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Capital

Investigação da ‘máfia de shows’ vê farra milionária com verba da cultura

Acordos firmados pela Fundac em 2013 e 2014 estão na mira do MPE, sob suspeita de superfaturamento e outras irregularidades; parte da papelada simplesmente desapareceu

João Humberto | 07/07/2016 11:08
Fundação Municipal de Cultura de Campo Grande, alvo de investigação do MPE sobre contratos que favoreceram empresa Eco Vida (Foto: Marcelo Calazans)
Fundação Municipal de Cultura de Campo Grande, alvo de investigação do MPE sobre contratos que favoreceram empresa Eco Vida (Foto: Marcelo Calazans)

Suposto esquema de superfaturamento de shows pode ter corroído boa parte da escassa verba da cultura ao longo de 2013 e 2014, em Campo Grande. A investigação foi parar no MPE (Ministério Público Estadual), que aponta prejuízos superiores a R$ 1 milhão e um problema a mais: alguns contratos onde os preços de apresentações chegam ser 137% superiores ao custo real simplesmente desapareceram.

A Fundac (Fundação Municipal de Cultura) é investigada pelo MPE desde o início de 2013 por celebrar contratos sem autenticação de assinaturas em cartório com a microempresa Eco Vida Prestadora de Serviços Ltda, que fazia a subcontratação de artistas e realização de shows. 

O promotor Henrique Franco Cândia, da 31ª Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social, que comanda as investigações, aguarda pronunciamento do secretário Ricardo Trefzger Ballock, da Administração. Ele responde por sindicância aberta na Fundac com o intuito de averiguar onde foram parar os tais contratos.

Em agosto de 2013, na gestão do atual prefeito, Alcides Bernal (PP), a Fundac fechou contrato de R$ 47,5 mil, com a Eco Vida, para show do cantor Peninha no projeto Seresta Morena. Em abril de 2012, no entanto, o mesmo show foi contratado pelo valor de R$ 20 mil através de contrato celebrado com a empresa Sol Music Produções Artísticas. Ou seja, em menos de 12 meses o show valorizou 137,5%.

No caso do show do cantor David Quinlan no projeto Quinta Gospel, em agosto de 2013, a Eco Vida recebeu R$ 47,8 mil. Um ano antes, em contrato com a empresa Angel Music, a apresentação do artista valia R$ 27,5 mil, fator que configurou aumento de 73,81% nos valores.

No contrato firmado em fevereiro de 2014 entre a Prefeitura e a empresa Eco Vida, o grupo Terra Samba foi contratado por R$ 231.780,00 para animar festa de carnaval na Esplanada Ferroviária. A contratação do ator Nando Rodrigues por R$ 25 mil, para ser jurado no carnaval de 2014, também é investigada pelo MPE.

Estes e os outros contratos foram publicados em edições do Diogrande (Diário Oficial de Campo Grande), segundo o promotor, sem licitação. Na opinião de Cândia, há indícios de favorecimento à empresa Eco Vida e superfaturamento na contratação dos artistas, contratos sociais sem autenticação das assinaturas em cartório, sem justificativa de preço e contrato de prestação de serviços.

Show do cantor gospel David Quinlan foi contratado por R$ 47,8 mil, sendo que 12 meses antes o valor do contrato pago pela prefeitura totalizou R$ 27,5 mil (Foto: Site ToNoGospel)
Show do cantor gospel David Quinlan foi contratado por R$ 47,8 mil, sendo que 12 meses antes o valor do contrato pago pela prefeitura totalizou R$ 27,5 mil (Foto: Site ToNoGospel)

A explicação da Prefeitura no processo, em síntese, é que a lei prevê a contratação de artistas sem licitação, "em tributo à singularidade da expressão artística". A contratação foi firmada com representante legal e que o grupo era consagrado pela opinião pública.

No caso da contratação do ator Nando Rodrigues, a administração Bernal informou que não é exigida licitação quando há inviabilidade de competição, em especial para contratação de profissional de qualquer setor artístico. O parecer do prefeito foi encaminhado pelo procurador municipal Francisco Grisai Leite da Rosa.

Folia no Carnaval – No carnaval de 2014, a Fundac fechou com a Eco Vida no valor de R$ 623.340,00 para contratar artistas como Daniela Bellay, Banda Thim Bahia, Company, Chokito e Banda, Pixote, entre outros. Esse processo foi extraviado pelo então diretor-presidente da fundação, Julio Cesar Pereira Cabral, com pagamento liberado por Dyego Cavalari Ferreira Brandão.

No processo consta que houve divergência contratual devido a alterações. A soma real dos shows contratados pela Fundac com a empresa Eco Vida só nos primeiros 65 dias de 2014 era de R$ 889.120,00. Os valores evidenciam, segundo o promotor, enriquecimento ilícito.

Na gestão de Bernal, também foram firmados contratos de pagamentos feitos pela Secretaria Municipal de Planejamento, Finanças e Controle com a empresa Eco Vida para shows, aniversário de Campo Grande, projeto Quinta Gospel e Seresta Morena. Os valores atingiram R$ 616 mil.

Em junho de 2014, quando Bernal tinha sido cassado e em seu lugar assumido Gilmar Olarte (Pros), vereadores se articularam para abrir CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Folia a aprofundar o debate sobre o superfaturamento na contratação de artistas. Na época, Olarte disse ter entregue ao MPE e à PGM (Procurador Geral do Município) documentação a respeito disso.

Fundac fechou contrato de R$ 47,5 mil com a Eco Vida para show de Peninha; um ano antes o cantor fez show contratado pelo Executivo em R$ 20 mil (Foto: Divulgação)
Fundac fechou contrato de R$ 47,5 mil com a Eco Vida para show de Peninha; um ano antes o cantor fez show contratado pelo Executivo em R$ 20 mil (Foto: Divulgação)

Contratos para quê? – Entre maio de 2013 e março de 2014, foram firmados muitos contratos pela Fundac com a empresa Eco Vida. Em 22 deles, a falta de documentos foi contestada pelo então procurador-municipal Marcelino Pereira dos Santos em abril de 2014.

Conforme Marcelino, foi constatada ausência de processo licitatório, com parecer de inexigibilidade para correta contratação dos artistas, e também inexistência de contrato de prestação de serviços e empenho de valores. Em outras palavras: tudo teria sido feito a toque de caixa, ignorando trâmites legais.

Em complemento, é citado o segundo artigo da lei 8.666/93 (lei das licitações), que determina que as obras e serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da administração pública, quando contratadas com terceiros, sejam necessariamente precedidas de licitação.

No volume II do processo que apura supostas irregularidades relutadas em auditoria da Prefeitura de Campo Grande em conjunto com a Fundac, o então procurador-geral do Município, Fábio Castro Leandro, encaminhou ofício em abril de 2014 ao então procurador-geral de Justiça de Mato Grosso do Sul, Humberto de Matos Brittes, com informações de problemas administrativos na fundação em decorrência de má gestão.

O parecer de Leandro aponta indícios de favorecimento à Eco Vida e superfaturamento na contratação de artistas, reforçando aumento de mais de 137% num período de 12 meses. Ele afirma que os contratos irregulares indicam omissão e improbidade administrativa: contratos não teriam sido cumpridos por inércia dos agentes públicos investigados pelo MPE.

Leandro recomendou que fossem punidos o então ex-prefeito Alcides Bernal, na época afastado do cargo, o ex-secretário de Governo e o ex-diretor da Fundac. Segundo o procurador, o trio acarretou prejuízo ao erário público.

Prefeito Alcides Bernal disse que inexigível é a licitação pública em tributo à singularidade da expressão artística, de acordo com processo do MPE (Foto: Marcos Ermínio)
Prefeito Alcides Bernal disse que inexigível é a licitação pública em tributo à singularidade da expressão artística, de acordo com processo do MPE (Foto: Marcos Ermínio)

Sumiço – Durante o processo de investigação foram abertas diversas sindicâncias na Fundac para fiscalizar os contratos estabelecidos com a Eco Vida, porém no dia 19 de fevereiro de 2015 o advogado Albino Romero registrou boletim de ocorrência relacionado ao sumiço de contratos para os shows de Peninha, David Quinlan, Terra Samba, Nando Rodrigues e os que totalizaram R$ 632.340,00 referentes ao carnaval.

Em janeiro deste ano, o secretário Ricardo Ballock instaurou nova sindicância na Fundac para apurar os contratos celebrados com a Eco Vida. O atual diretor-presidente, Emerson dos Santos Borges, confirmou o extravio no dia 7 de junho e, no dia 10 de junho, o atual procurador-geral do Município, Denir de Souza Nantes, informou ao MPE que estaria tomando providências a respeito do sumiço dos contratos, prometendo abrir nova sindicância.

Eco Vida – A microempresa Eco Vida Prestadora de Serviços Ltda, fundada por Dib Jorge Abussafi Figueiró e Emiliano Tibcherani em 24 de agosto de 1999, possuía capital social de R$ 10 mil que foi alterado para R$ 50 mil. Os objetivos sociais da empresa até agosto de 2013, quando começou a ser contratada pela prefeitura para realizar shows, eram: serviços de plantio e colocação de grades protetoras para árvores; prestação de consultoria em serviços financeiros; prestação de serviços de marketing, publicidade e propaganda; incorporadora de serviços e negócios referentes à parceria, terceirização e administração em setores públicos e privados.

Depois dos contratos fechados com a prefeitura, os sócios da empresa inseriram outro objetivo social: produção e agenciamento de eventos e artistas. Outra curiosidade é que a empresa possuía filial em Natal (RN), com capital destacado de R$ 2 mil e capital social de R$ 50 mil.

Também em 2013 o empresário Emiliano Tibcherani saiu da sociedade, transferindo o capital para Dib Jorge. Este nomeou Luciano de Matos Nantes como procurador da Eco Vida. O endereço da empresa, que antes funcionava na rua Joaquim Murtinho, 360, Vila Cidade, mudou para a rua General Odorico Quadros, 253, bairro Jardim dos Estados. Ainda consta um terceiro endereço: rua Roney Paine Malheiros, 251, casa 412, bairro Coophamat.

A reportagem ligou para os números de telefone publicados pela Eco Vida na internet. As ligações caíram em uma empresa de contabilidade, localizada em outro endereço, onde a informação é de que não há qualquer relação do escritório com a investigada.

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