Juiz avalia intervenção em Unei que teve motim e denúncia de tortura
A Justiça avalia pedido da Defensoria Pública para interdição total da Unei Dom Bosco, localizada a 20 quilômetros de Campo Grande, na saída para Três Lagoas. “É uma decisão pesada. Quando é absolutamente necessário”, afirma o juiz da Vara da Infância e Juventude, Roberto Ferreira Filho.
Considerada como uma das mais problemáticas do Estado, a unidade de internação Dom Bosco foi alvo de vistoria da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MS (Ordem dos Advogados do Brasil). O resultado da visita foi divulgado nesta quarta-feira, na sede da entidade.
A avaliação sobre a Unei foi solicitada pelo Poder Judiciário. Segundo o juiz, assessores da Vara receberam relatos dos adolescentes em conflito com lei denunciando tortura após rebelião no mês passado. Eles acusam policiais militares. “Relataram que depois da situação já resolvida, controlada, foram agredidos com golpes nas costas, pernas, típico de agressão covarde. Além de spray de pimenta”, afirma o magistrado.
As denúncias foram repassadas à OAB, comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, ao comando da PM (Polícia Militar), Superintendência de Assistência Socioeducativa e MP (Ministério Público).
No dia 15 de março, os adolescentes fizeram rebelião e incendiaram alojamentos no bloco B. A Tropa de Choque atuou na repressão ao motim. Após o motim, o juiz determinou que a PM só entrar nas unidades após notificar a Justiça, MPE (Ministério Público Estadual) e Defensoria Pública.
De acordo com a promotora Vera Aparecida Cardoso Vieira, que atua na Infância e Juventude, o acompanhamento é fundamental para individualizar a denúncia em caso de tortura. Pois, sem a definição de quem é o autor a Justiça se vale do “in dubio pro reu”, que em caso de dúvida, seja a favor do réu.
Para a promotora, faltam condições de infraestrutura e funcionários na Unei Dom Bosco. “Por turno, são necessários 25 agentes de medida socioeducativa”, afirma. No entanto, segundo Vera Vieira, são de 8 a 10 funcionários por plantão. De acordo com ela, o déficit compromete as aulas e atividades recreativas.
Autor do pedido de interdição total da unidade, o defensor público Eugênio Luiz Damião relata que pediu o fechamento da Unei em 11 de março, portanto, antes da rebelião. Antes, a Defensoria obteve decisão judicial para interdição parcial, limitando ao número de 70 adolescentes.
“Por falta de investimento do governo do Estado, o sistema socioeducativo encontra-se precário e falido”, salienta. Segundo o defensor, somente a unidade de Ponta Porã atende ao Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo).
Ambulatório fechado e excesso de ócio – Conforme relatório da OAB, elaborado a partir de visita realizada em 26 de março, a unidade tem um ambulatório fechado. A obra, entregue em 2009, recebeu recursos de R$ 273.850.
De acordo com Caio Magno Duncan Couto, que participou da comissão da OAB, a direção informou que falta a autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). O relatório aponta que os internos não utilizam o refeitório, que as aulas não têm regularidade e que os cursos profissionalizantes são insuficientes.
“A estrutura precária, com excesso de ociosidade dentro das unidades, é um dos motivos mais evidentes para as constantes turbulências, como foi o caso da última ocorrida, quando a Ala B foi parcialmente destruída”, informa o relatório.
O documento também aponta que na rebelião foram usadas armas artesanais, fabricadas com barras de ferro arrancadas da estrutura de concreto dos alojamentos. Peças de ventiladores, de aparelho de DVD, agulhas de costura e cabo de escova de dente também viram armas artesanais. Os adolescentes também repassaram nomes de agentes apontados como agressores. A informação segue para apuração do MPE.
De acordo com o presidente da Comissão de Direitos Humanos, Joatan Loureiro Pinheiro, o governo não foi convidado para a divulgação de hoje, mas será procurado para discutir a situação.
Silêncio – Para quem lida diariamente com a questão, falta discussão, participação da sociedade e recursos. Enquanto cresce o clamor para reduzir a maioridade penal, eles defendem que é possível recuperar a maioria dos adolescentes.
O juiz Roberto Ferreira Filho afirma que predomina o silêncio da imprensa sobre denúncias de tortura e falta de recursos. “Acham que o ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente] passa a mão na cabeça do adolescente”, afirma.