Linchada na internet, mãe sente culpa por ex quebrar perna do filho de 4 anos
Ela relata rotina de violências e se arrepende de não ter terminado relacionamento no “primeiro grito”
De estatura baixa e calça jeans larga, a jovem de 28 anos, mãe da criança que teve a perna quebrada pelo próprio pai, conta que após o ocorrido tem sido “linchada na internet”. Ela se defende dizendo que faz de tudo pelos filhos e se arrepende de não ter colocado fim ao relacionamento no “primeiro grito”.
Na casa da mãe, Maria* conta que se sente culpada pelo que aconteceu com o pequeno Theo*, de 4 anos. Ela também revela uma rotina de agressões e violência vivida com o ex-companheiro, de 29. Os nomes dos envolvidos são fictícios para preservar a imagem da vítima.
Além do garoto, Maria é mãe de mais duas crianças, um menino de dois anos e uma menina de seis meses, todos filhos de Júlio*. Segundo a mãe, as crianças estavam com o pai porque não tinha vaga nas creches e ela precisava trabalhar.
“Muita gente tá me julgando na internet falando que abandonei meus filhos. Isso é mentira. Estão falando que eu sou uma vagabunda, que eu deixei as crianças na mão de um criminoso, sendo que eu não abandonei meus filhos em nenhum momento. Falaram que as crianças estavam passando fome que só dava bolacha. Isso é mentira. Em nenhum momento elas passaram fome.”
Em depoimento, o vigilante noturno confessou ter chutado a perna do filho. O motivo, segundo ele, seria uma briga entre a vítima e o irmão por um celular. Júlio também empurrou a criança da cama. Conforme relatos de vizinhos, as agressões dentro da casa eram frequentes, tanto na vítima quanto nos filhos. Maria não nega isso.
“Eu acho que ele não deveria ter feito isso com o próprio filho. Eu fui cair minha ficha depois da violência, antes estava tudo normal. Eu nunca tinha visto homem assim. Não conhecia isso. Quando via ele bater neles, minha vontade era de esganar ele. Minha vontade era bater na cara dele. Eu me sinto culpada por ter deixado os meus filhos. Porque eu deveria ter levado mesmo assim, mesmo que não tivesse vaga na creche.”
Rotina - A história do casal é marcada por términos e recomeços, que embora parecidos, eram cada vez mais violentos. Maria revela que as agressões começaram em 2019, de forma sutil, quando decidiram morar juntos. “Ele começou a gritar, mas para mim foi algo normal. Aí o bebê nasceu em 2020 [Theo] e ficou pior”. Ela chegou a registrar dois boletins de ocorrência contra o ex-companheiro.
Maria não sabe explicar o porquê de tantos retornos ao agressor. Para ela, o ciclo de violência era mascarado pela ideia de que as coisas poderiam mudar. Ainda na época do primeiro filho, Júlio não registrou a criança e alegou que a medida protetiva, pedida pela então companheira, o impedia. “Não registrou o bebê, eu esperei 30 dias para ele registrar".
Em 2021, o casal voltou a ficar junto e as brigas voltaram. Um ano depois, em 2022, Maria teve o segundo filho. Os tapas não demoraram a aparecer. A jovem conta que 10 dias após o parto ela foi agredida pela primeira vez. “Fui na delegacia, daí a gente voltou e me agrediu de novo. Como não tinha pra onde ir continuei em casa. Em 2023, foi só piorando. Ele começou a gritar e batia nas crianças também”. A gota d'água para Maria foi o que aconteceu com Theo na terça-feira (12). Nesse meio tempo ela teve a última filha.
Caso Theo - Para pressionar a mulher a sair da casa onde moravam, Júlio teria tirado todos os móveis e utensílios básicos, como geladeira, da casa. Maria conta que precisou levar as crianças para a avó para que não passassem fome. Entretanto, como precisava trabalhar e os filhos mais novos estudavam próximo da casa onde o casal morava, a mulher decidiu deixá-los com Júlio até que conseguisse uma vaga para Theo. "Eu ganho uma salário mínimo, só a babá tinha ficado R$ 1.200,00".
Após o pai das crianças forçar a saída de Maria da casa, ela se mudou para a região norte da cidade. No dia do acidente, o ex-companheiro ligou para Maria contando que Theo estava mal e precisava ser levado ao hospital. Pega de surpresa, a mulher conta que se assustou com a informação e não acreditou no que Júlio alegou, de que o menino tinha caído da rede e batido a perna na quina da cama. "Ele me ligou às 6h30 dizendo 'atende esse celular, desgraçada'. Cheguei no hospital ele já estava com a perna imobilizada e super assustado”.
Maria foi comunicada pelo Conselho Tutelar que se não aparecesse na UPA onde a criança estava, Theo seria levado a uma casa de acolhimento. Segundo a mulher, o ex-companheiro teria dito que desejava ficar com o filho mais velho e que ela tinha que cuidar dos outros dois.
Theo quebrou o fêmur e precisou colocar dois pinos no local. Ele deve ficar sem andar por 120 dias. Sobre a agressão, a mãe ressalta que ele está abalado e tem consciência da agressão. “Às vezes ele acorda gritando falando ‘não me bate papai’. Aí ele acorda e fala assim, ‘mamãe, você vai me bater?’. Ele só quer ficar abraçado comigo. Me abraça, chora, aí logo passa. Ele sabe, fala ‘papai chutou e bateu na minha cabeça'”.
Devido a criança não poder se locomover, Maria pede ajuda com fraldas, leite e lenços umedecidos, para a higiene de Theo.
Entenda - A Polícia Militar e o Conselho Tutelar foram chamados pela equipe da UPA (Unidade de Pronto Atendimento) da Vila Almeida, depois que a criança deu entrada na manhã de terça-feira (12) com a perna quebrada. O pai disse inicialmente que o filho caiu de uma rede e se machucou.
Depois, a mãe do menino chegou ao posto de saúde e passou a discutir com o pai. Outras pessoas que conhecem a família revelaram que o homem, na verdade, havia agredido o filho. Pressionado, ele disse que “perdeu a cabeça” e deu um tapa no garoto que estava numa rede e caiu.
*Nomes fictícios foram usados para os pais como forma de evitar a identificação da criança
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