Morre 'seo' João, sapateiro de sorriso fácil que fez do São Julião o seu lar
Há 47 anos, João Fernandes Damascena produzia sapatos para os pacientes com hanseníase do hospital
O personagem mais querido. O sorriso mais ilustre do Hospital São Julião, em Campo Grande, se foi para sempre. Aos 83 anos de idade o sapateiro João Fernandes Damascena morreu nesta segunda-feira (22), no hospital onde ele trabalhou por 47 anos.
Lá no ano de 2014 o 'seo' João apareceu aqui no Lado B esbanjando o carisma e “sorrisão” que encantavam qualquer pessoa. Nos últimos meses, no entanto, o “brilho” do simpático sapateiro já não era mais o mesmo, conta sobrinha Isabel Cristina Vilhalva, de 56 anos. E um dos motivos para tamanha tristeza, segundo ela foi justamente o afastamento do ofício ao qual ele se dedicou a vida inteira.
Desde julho deste ano 'seo' João Fernandes não moldava nenhum par de calçados para os pacientes com hanseníase do hospital. “Quando ele precisou se afastar do trabalho para tratar da saúde ele foi parando. Ele foi desistindo de viver”, lamenta. Segundo Isabel, há cerca de dois meses, João Damascena ficou em torno de 15 dias internado, depois de ser diagnosticado com erisipela.
Isabel lembra que o quadro não era tão grave e nesta época o tio ainda dava umas escapadas do hospital de bicicleta. Mas o ânimo não era mais o mesmo. “Ele foi ficando triste, não sorria mais como antes. Nos falávamos por vídeo no WhatsApp com certa frequência, mas até isso ele parou. ‘Quando o tio estiver bom de novo a gente volta a se falar’ - ele dizia”, completa.
Uma sinusite e fortes dores na coluna, além do uso frequente de medicamentos para controlar o inchaço da próstata eram agravantes do quadro clínico do idoso. No último sábado (20) foi necessário o retorno ao hospital.
“Ele já não queria mais tomar a medicação em casa e nem se alimentar direito, por isso foi necessária a internação”, conta. 'Seo' João passou a noite na Upa da Coronel Antonino e no domingo (21) foi levado para o Hospital São Julião, onde continuou tomando soro e sendo alimentado por sonda. Hoje às 15h o seu coração parou.
Isabel conta que a família ainda aguarda o resultado dos exames para confirmar a causa da morte do sapateiro. Contudo, a certeza de que ele levou a vida que sonhava nos mínimos detalhes, até o último segundo de vida, servem de consolo nesse momento de tanta dor.
“A casa dele a vida dele era o Hospital São Julião. Tanto que ela terminou lá. Ele queria continuar indo direto no hospital, mesmo com esses problemas de saúde, porque a maior preocupação dele eram os doentes, seus familiares”, conta. Na memória, segundo Isabel vai continuar para sempre a lembrança de uma pessoa com o coração gigante.
“Não é só porque ele era meu tio, mas ele era uma daquelas pessoas que já nascm com uma aura diferente das outras. Que vem para cumprir a missão de fazer o bem às outras pessoas. Quem mesmo que alguém deseje algo de ruim, nada afeta porque ela não enxerga o mal”, se orgulha Isabel.
O velório do sapateiro João Fernandes começa às 08h desta terça-feira (23) na capela do Hospital São Julião, mesmo local onde ele fazia suas orações diárias. O sepultamento deve ocorrer às 10h no Cemitério do Cruzeiro.
Antes de morrer João Fernandes deixou bem claro à família, que queria ser enterrado junto dos pais, dona Amurici Fernandes e o João Damasceno. E assim será.
Em entrevista ao Campo Grande News, há seis anos ele também brincou que só pretendia mudar de profissão quando “entrasse no caixão”. E assim foi. Homem de palavra o seu João.