Sapateiro há seis décadas, ele vive de fazer calçados dentro de hospital
João Fernandes Damascena tem 76 anos e há 6 décadas trabalha como sapateiro, boa parte desse tempo no Hospital São Julião, em Campo Grande. O senhor que, logo de cara, brinca com o próprio nome, dizendo que é “rodeado pelas brancas e desprezado pelas morenas”, é puro carisma e, na função que exerce, um profissional de excelência, daqueles que utiliza o talento não só para ganhar dinheiro, mas para fazer o bem.
No São Julião, a Sapataria do seu João, que existe desde 1974, é um dos locais mais conhecidos por funcionários, médicos e pacientes, isto porque o sapateiro, que completa 40 anos de empresa no dia 2 de agosto deste ano, fabrica calçados para pessoas acometidos pela hanseníase, doença infecciosa que atinge várias partes do corpo, entre elas, os pés.
“Tem muitos que ficam com os pés tortos, perdem a sensibilidade e tem que usar sapatos especiais para não machucar”, comenta.
No hospital, referência para tratamento desse tipo de enfermidade na América Latina, seu João trabalha de segunda a sábado, 8 horas por dia, moldando calçados especiais, fazendo palmilha sob medida e, com isso, aliviando, de certa forma, o sofrimento de muitos “clientes” que, no final, acabam virando amigos.
Ele não consegue estimar uma média de produção, porque isso, argumentou, varia de acordo com o movimento e as prescrições médicas, mas conta que o trabalho é totalmente manual, cansativo e, geralmente, leva dias.
O paciente que procura a sapataria, depois da recomendação médica, precisa ter paciência, mas o produto final, cujo custo fica por conta do hospital, é um alívio e tanto, garantiu.
O primeiro molde é feito com uma faixa embebida em gesso, enrolada nos pés do paciente, e que depois de seca gera o que ele chama de negativo.
Com essa base em mãos, fazendo uso do mesmo material, o sapateiro cria uma réplica do pé defeituoso e, a partir daí, vai construindo o novo calçado.
“Aí a gente começa a costurar o couro, fazer o forro... Demora, porque sapato ortopédico não é fácil, mas quando eu começo a fazer um, o doutor já manda outro. Eu vou anotando”, conta.
A sala onde João trabalha é lotada de “pés” de gesso, um cenário que ele, no início da carreira, nunca imaginou viver.
A “missão” veio por acaso, assim como a profissão, que começou a aprender aos 11 anos. “Ninguém da minha família é sapateiro”, disse.
Depois de passar pelas principais sapatarias de Campo Grande, na época em que esse tipo de negócio ainda era lucrativo e viável, seo João resolveu trabalhar em casa.
“Fiquei pegando consertos das irmãs que, na época, tomavam conta da Santa Casa, foi quando conheci a Irmã Silvia, diretora São Julião. Ela ouvir falar de mim e me chamou para tomar conta do espaço que era tocado por uma jovem alemã”, relembrou.
Hoje, seu João sente-se um homem realizado porque, nas palavras dele, “ajuda os outros a melhorar e caminhar”. “Só pretendo mudar de profissão quando entrar no caixão”, brinca, ao dizer que o retorno pelo que faz vem em forma de amizade e gratidão.