Na Calógeras, nem pandemia coloca comércio nas redes sociais ou delivery
Perfil do público é uma das razões para receio: na maioria idosos, clientes fiéis de anos e moradores da zona rural

Algumas das lojas mais tradicionais de Campo Grande estão localizadas na Avenida Calógeras, no centro. Umas com 30 anos de existência, outras com 50... e se adaptar as novas formas de venda não é nada fácil. Incluir sistemas de delivery, vendas pela internet e perfis em redes sociais parece inimaginável para muitos ali.
Roupas, sapatos e produtos naturais a granel são itens ao longo da Calógeras, entre a Barão do Rio Branco e a Mato Grosso. Quem compra, na maioria das vezes, é gente tão tradicional quanto a maioria do comércio por ali.
Na loja de sapatos aberta há 27 anos, Radi Jaber vê “colegas de quadra” temendo fechar as portas, e não esconde os boatos que passam de um para o outro sobre alguém "falir". Após a reabertura autorizada pela prefeitura, a única novidade é ter que utilizar máscara. “Por enquanto não mudamos nada. Até temos página no Facebook, mas o movimento é baixo. A gente está ainda naquele sistema tradicional”, conta.
Tempo parecido tem a loja de roupas da esquina, entre Calógeras e Marechal Rondon. Quem atende, provisoriamente, é Paula Amorim, 30. Ela é nora do proprietário, Samir Namour.
Após decidir visitar a filha em Cuiabá (MT), ele não retornou por conta da quarentena e Paula ficou responsável pelo empreendimento. Mas ela confessa que o libanês não costuma fazer isso. “Meu sogro é muito velhinho, ele que fica aqui e não deixa ninguém mais, mas foi viajar”.
Outra filha de Samir, que mora no Líbano, até tentou criar uma conta no Instagram para o pai, mas a família não acessa e nem publica mais. “Até tem, mas era uma das filhas dele que cuidava, mas ela está no Líbano, não consegue voltar, então ninguém mais usa”.
Descontos - As vendas diminuíram, a família precisou demitir uma das funcionárias e agora Paula etiqueta as peças de inverno com preços menores, na tentativa de recuperar os lucros. “Já já a estação chega. As vendas abaixaram muito. Estou colocando desconto de R$ 5 em cada uma”.
Ela também explica que o público da loja não costuma acessar redes sociais e nem usar serviços de entrega. “Quem compra aqui são mais senhores idosos e gente de fazenda que ainda acha que é loja de atacada. Acho que pelo nome e porque antes vendíamos atacado também, mas hoje não, são peças compradas em São Paulo. Quando vem, trazem a família inteira e compram muita calça jeans”, explica.
Geraldo Lino, 61, tem comércio em um dos prédios tombados pela Prefeitura Municipal como patrimônio histórico da cidade. Divido em dois espaços, ele vende produtos naturais a granel em um e aluga o outro para a mesma inquilina há 60 anos.
A sogra, de 98 anos, é a proprietária dos imóveis, mas é Geraldo que vê as mudanças do comércio ao longo dos anos. “O ramo de produtos naturais e fitness está em expansão. Agora com esse coronavírus que a gente não sabe como vai ficar, não da para ter uma previsão”.
Segundo ele, já teve outra loja do mesmo segmento, ainda maior, hoje não pensa em expandir a atual e é essa a justificativa para não fazer entrega ou atrair clientes nas redes sociais. “Eu já tive armazém maior, mas parei. Não tenho intenção de expandir, tenho outros objetivos na vida agora”.
As "novidades" do comércio moderno ele deixa para outras gerações. "Isso é mais da minha filha, que faz bolos, biscoitos e pães e até entrega no iFood", conta.
A cavalo - Na selaria de Odimar Siqueira, herdada do pai, os clientes têm "dias de compra". Como também são avessos à internet, a tecnologia não tem importância, muito menos as redes sociais.
Pedidos são feitos apenas por telefone, e o mais longe que modernidade chegou foi com o sistema de entregas. "O coronavírus atrapalhou as vendas porque deixamos de ter o contato com as pessoas no dia a dia. Os clientes estão vindo menos, atendo mais por telefone. As vezes ligam e encomendam, se não tenho pronto, a gente fabrica".
A loja é uma das mais antigas da Avenida Calógeras. Em pé há 60 anos, num prédio tombado como patrimônio histórico da cidade, é a única que ainda resiste no lado direito da calçada, na quadra entre as ruas Maracaju e Antônio Maria Coelho.
Primeiro o lugar perdeu a ferrovia, depois tiraram o estacionamento da Calógeras. Agora, é a vez de superar o coronavírus. "Nessa quadra só não tivemos um banco, mas já tiveram vários comércios, de posto de gasolina à farmácia, inclusive aqui na selaria era um ponto de parada de comitivas que vinham do Pantanal", lembra com saudade.