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“Para não morrer”, eles abandonaram carro e ônibus e agora fazem tudo de bike

Com "ultimato" do médico, campo-grandenses escolheram pedalar para evitar insulina e vencer doenças graves

Caroline Maldonado | 07/11/2021 07:26
Martinha Macedo em rua de Campo Grande, no caminho do trabalho. (Foto: Marcos Maluf)
Martinha Macedo em rua de Campo Grande, no caminho do trabalho. (Foto: Marcos Maluf)

Muita gente acha impossível vender o carro ou abandonar o ônibus, mas, com o "ultimato" do médico, dois campo-grandenses que nem se conhecem tiveram que fazer a mesma escolha: pedalar todos os dias e fazer dieta “para não morrer”. Agora, eles motivam cada vez mais gente a criar coragem para ir, pelo menos, ao trabalho de bicicleta e deixar de ser "refém" dos veículos tradicionais.

Sabe aquela ida à padaria de carro? Ficar no ponto, esperando ônibus? A servidora pública municipal Martinha Macedo, de 54 anos, e o segurança Júlio Cardoso, de 48, nem se lembram mais como é isso.

Ultimato

Depois de ficar intubada por 12 dias, com covid-19, ela se recuperou, mas recebeu o diagnóstico de diabetes e esteatose hepática, que é excesso de gordura no fígado. Foi aí que vendeu o carro e agora vai de bike para todos os lugares, exceto quando chove muito ou a ocasião exige que vá para algum lugar diferente, em que o trajeto não parece seguro. Aí, ela recorre ao transporte de aplicativo.

“Eu já pedalava e, inclusive, participava de competições, então foi algo sem lógica estar nesse estado. Isso veio com a covid. Se eu não pedalasse mais e não entrasse numa dieta rigorosíssima, eu iria piorar, poderia morrer”, conta Martinha.

Martinha no caminho do trabalho, em avenida de Campo Grande. (Foto: Marcos Maluf)
Martinha no caminho do trabalho, em avenida de Campo Grande. (Foto: Marcos Maluf)

Júlio nem era atleta amador como a Martinha, mas tomou a decisão há mais tempo. Já são três anos sem entrar em um ônibus.

“Eu não estaria mais aqui, ia morrer se não pedalasse. O médico falou que eu não iria ver meus netos se não mudasse de hábitos. Comprei uma Monark por R$ 300 e nunca mais esperei ônibus”, lembra o segurança.

 Júlio Cardoso e sua bike, no estacionamento do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), em Campo Grande. (Foto: Henrique Kawaminami)
 Júlio Cardoso e sua bike, no estacionamento do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), em Campo Grande. (Foto: Henrique Kawaminami)

Ele pedala 20 quilômetros todos os dias do Bairro Aero Rancho ao prédio do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), na Rua Treze de Maio, no Centro, onde trabalha.

Os dois são categóricos: escolheram pedalar porque é maravilhoso para a saúde de qualquer pessoa. “Tudo mudou completamente, meus sistemas cardíaco e respiratório. Sou outra pessoa, desde então. Eu pesava 120 quilos. Hoje, peso 98 kg”, diz, com um sorriso que não tem preço, ao lado da bike, que já é a quarta na vida dele.

Mais rápido

Pode parecer uma grande aventura e, de fato, é. Martinha admite que o carro era “essencial” para ela no dia a dia.

“Eu ia ao mercado, a duas quadras, de carro. Era essencial, mas estava me prejudicando. Vendi para não ter a opção de usá-lo, porque se deixar na garagem, a gente acaba tendo preguiça e eu não posso mais”, comenta Martinha, que todos os dias sai de casa, no Bairro Ana Maria do Couto, e pedala 20 km até à Sejuv (Secretaria Municipal da Juventude de Campo Grande), na Rua 25 de Dezembro, no Centro, onde trabalha.

Em muitos trajetos, especialmente em horário de pico, é mais rápido ir de bike. Os dois garantem que o ciclista chega antes de quem vai de carro ou ônibus. O desempenho do ciclista ajuda muito. “Levou um mês para me adaptar, em algumas partes com um pouco de subida, mas depois disso, venho tranquilo”, diz Júlio.

Pouca subida

Imagem de mapa topográfico de regiões de Campo Grande. (Imagem: Reprodução/topographic-map.com)
Imagem de mapa topográfico de regiões de Campo Grande. (Imagem: Reprodução/topographic-map.com)

A primeira coisa que vem à cabeça de muita gente é que a cidade tem muita subida e nada disso vai dar certo. Se engana!

“Acho que Campo Grande não tem subida. Tem uma ou outra e as subidas são boas para melhorar o condicionamento. Acho ótimo, mas se quisermos fazer subidas temos que sair dos bairros, ir para área rural”, avalia Martinha.

Realmente, a Capital tem topografia plana. A altitude, que é a distância vertical de um ponto até o nível do mar, em Campo Grande varia de 490 a 701 metros, conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Isso dá uma variação de 211 metros. Em outras palavras, está longe de ser uma cidade com muitas subidas e tampouco impossíveis de serem superadas por quem pedala. Clique aqui para conferir a altimetria de cada região da cidade no mapa.

Para começar

Martinha pedalando em rua da Capital. (Foto: Marcos Maluf)
Martinha pedalando em rua da Capital. (Foto: Marcos Maluf)

Quem pensa em se aventurar na bike precisa de algumas noções básicas, como saber trocar pneu, por exemplo. Também é necessário usar equipamentos de segurança, como capacete, luvas e luzes de sinalização, além de respeitar a sinalização das ruas. É importante levar consigo um kit com espátulas, lubrificante de corrente, câmara reserva e bomba de ar.

Espátulas, lubrificante de corrente, câmara reserva e bomba de ar, que são itens necessários para o ciclista. (Foto: Henrique Kawaminami)
Espátulas, lubrificante de corrente, câmara reserva e bomba de ar, que são itens necessários para o ciclista. (Foto: Henrique Kawaminami)

A maioria das lojas de bicicleta oferece workshops para iniciantes. Pessoas como a Martinha e o Júlio, têm buscado cada vez mais as lojas em busca de orientações de qual bike comprar para usar no dia a dia, segundo o proprietário da loja Colmick Bike, Valter Colman.

Ali no Centro da cidade, ao lado do trabalho do Júlio, o dono da loja conta que todos os dias atende gente que quer deixar de lado o carro, só precisa criar coragem e aprender um pouco mais sobre o universo das bikes.

“Todo dia vem gente aqui procurando bicicleta para ir ao trabalho. As pessoas querem economizar com a gasolina e também estão a procura de mais saúde, porque pedalar proporciona isso, ajuda muito as pessoas com ansiedade e depressão também”, comenta.

Preços

Proprietário da loja Colmick Bike, Valter Colman. (Foto: Henrique Kawaminami)
Proprietário da loja Colmick Bike, Valter Colman. (Foto: Henrique Kawaminami)

Com a pandemia, os preços das bicicletas subiram porque a produção de bikes, assim como de diversos outros veículos, diminuiu. No entanto, o setor já vem se recuperando e, aparentemente, mais rápido do que o segmento de carros, que ainda sofre com falta de componentes eletrônicos.

A fabricação de bicicletas vinha crescendo antes da pandemia. Em 2019, mais de 919 mil bikes foram produzidas no PIM (Polo Industrial de Manaus), segundo a Abraciclo (Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares).

Após a queda em função da pandemia, a produção aumentou 13,1% em agosto, na comparação com o mesmo mês do ano passado,subindo de 63,9 mil para 72,2 mil. A Abraciclo espera que o Brasil encerre 2021 com fabricação de 850 mil bicicletas, o que representa alta de 27% em relação a 2020.

“Chegamos a ficar sem bike para comprar para a revenda, porque a fabricação caiu muito e foi justamente quando as pessoas começaram a procurar mais para comprar, porque passaram mais tempo em casa e buscavam formas de se exercitar", lembra Valter.

A tendência é os preços se manterem ou aumentarem,  na expectativa do empresário. "Os consumidores do mercado atual já experimentaram as bikes simples e o que sobra é o pessoal que quer uma coisa melhor. Então, a tendência é aumentar o preço.  A maioria das bikes simples vêm da China, tem pouca produção nacional", detalha.

Com os preços atuais, uma bicicleta simples para passeio sai entre R$ 1,7 mil e 2,5 mil, na Capital, segundo Valter. Para quem quer usar a bike para trabalhar, ele recomenda modelos com preço em torno de R$ 3,6 mil. "É possível parcelar em dez vezes e quem compra não se arrepende. Não tem desculpa para quem quer mudar a rotina", opina Valter.

Martinha, com sorriso largo de quem encontrou na bike uma aliada da saúde. (Foto: Marcos Maluf)
Martinha, com sorriso largo de quem encontrou na bike uma aliada da saúde. (Foto: Marcos Maluf)


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