“Para não morrer”, eles abandonaram carro e ônibus e agora fazem tudo de bike
Com "ultimato" do médico, campo-grandenses escolheram pedalar para evitar insulina e vencer doenças graves
Muita gente acha impossível vender o carro ou abandonar o ônibus, mas, com o "ultimato" do médico, dois campo-grandenses que nem se conhecem tiveram que fazer a mesma escolha: pedalar todos os dias e fazer dieta “para não morrer”. Agora, eles motivam cada vez mais gente a criar coragem para ir, pelo menos, ao trabalho de bicicleta e deixar de ser "refém" dos veículos tradicionais.
Sabe aquela ida à padaria de carro? Ficar no ponto, esperando ônibus? A servidora pública municipal Martinha Macedo, de 54 anos, e o segurança Júlio Cardoso, de 48, nem se lembram mais como é isso.
Ultimato
Depois de ficar intubada por 12 dias, com covid-19, ela se recuperou, mas recebeu o diagnóstico de diabetes e esteatose hepática, que é excesso de gordura no fígado. Foi aí que vendeu o carro e agora vai de bike para todos os lugares, exceto quando chove muito ou a ocasião exige que vá para algum lugar diferente, em que o trajeto não parece seguro. Aí, ela recorre ao transporte de aplicativo.
“Eu já pedalava e, inclusive, participava de competições, então foi algo sem lógica estar nesse estado. Isso veio com a covid. Se eu não pedalasse mais e não entrasse numa dieta rigorosíssima, eu iria piorar, poderia morrer”, conta Martinha.
Júlio nem era atleta amador como a Martinha, mas tomou a decisão há mais tempo. Já são três anos sem entrar em um ônibus.
“Eu não estaria mais aqui, ia morrer se não pedalasse. O médico falou que eu não iria ver meus netos se não mudasse de hábitos. Comprei uma Monark por R$ 300 e nunca mais esperei ônibus”, lembra o segurança.
Ele pedala 20 quilômetros todos os dias do Bairro Aero Rancho ao prédio do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), na Rua Treze de Maio, no Centro, onde trabalha.
Os dois são categóricos: escolheram pedalar porque é maravilhoso para a saúde de qualquer pessoa. “Tudo mudou completamente, meus sistemas cardíaco e respiratório. Sou outra pessoa, desde então. Eu pesava 120 quilos. Hoje, peso 98 kg”, diz, com um sorriso que não tem preço, ao lado da bike, que já é a quarta na vida dele.
Mais rápido
Pode parecer uma grande aventura e, de fato, é. Martinha admite que o carro era “essencial” para ela no dia a dia.
“Eu ia ao mercado, a duas quadras, de carro. Era essencial, mas estava me prejudicando. Vendi para não ter a opção de usá-lo, porque se deixar na garagem, a gente acaba tendo preguiça e eu não posso mais”, comenta Martinha, que todos os dias sai de casa, no Bairro Ana Maria do Couto, e pedala 20 km até à Sejuv (Secretaria Municipal da Juventude de Campo Grande), na Rua 25 de Dezembro, no Centro, onde trabalha.
Em muitos trajetos, especialmente em horário de pico, é mais rápido ir de bike. Os dois garantem que o ciclista chega antes de quem vai de carro ou ônibus. O desempenho do ciclista ajuda muito. “Levou um mês para me adaptar, em algumas partes com um pouco de subida, mas depois disso, venho tranquilo”, diz Júlio.
Pouca subida
A primeira coisa que vem à cabeça de muita gente é que a cidade tem muita subida e nada disso vai dar certo. Se engana!
“Acho que Campo Grande não tem subida. Tem uma ou outra e as subidas são boas para melhorar o condicionamento. Acho ótimo, mas se quisermos fazer subidas temos que sair dos bairros, ir para área rural”, avalia Martinha.
Realmente, a Capital tem topografia plana. A altitude, que é a distância vertical de um ponto até o nível do mar, em Campo Grande varia de 490 a 701 metros, conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Isso dá uma variação de 211 metros. Em outras palavras, está longe de ser uma cidade com muitas subidas e tampouco impossíveis de serem superadas por quem pedala. Clique aqui para conferir a altimetria de cada região da cidade no mapa.
Para começar
Quem pensa em se aventurar na bike precisa de algumas noções básicas, como saber trocar pneu, por exemplo. Também é necessário usar equipamentos de segurança, como capacete, luvas e luzes de sinalização, além de respeitar a sinalização das ruas. É importante levar consigo um kit com espátulas, lubrificante de corrente, câmara reserva e bomba de ar.
A maioria das lojas de bicicleta oferece workshops para iniciantes. Pessoas como a Martinha e o Júlio, têm buscado cada vez mais as lojas em busca de orientações de qual bike comprar para usar no dia a dia, segundo o proprietário da loja Colmick Bike, Valter Colman.
Ali no Centro da cidade, ao lado do trabalho do Júlio, o dono da loja conta que todos os dias atende gente que quer deixar de lado o carro, só precisa criar coragem e aprender um pouco mais sobre o universo das bikes.
“Todo dia vem gente aqui procurando bicicleta para ir ao trabalho. As pessoas querem economizar com a gasolina e também estão a procura de mais saúde, porque pedalar proporciona isso, ajuda muito as pessoas com ansiedade e depressão também”, comenta.
Preços
Com a pandemia, os preços das bicicletas subiram porque a produção de bikes, assim como de diversos outros veículos, diminuiu. No entanto, o setor já vem se recuperando e, aparentemente, mais rápido do que o segmento de carros, que ainda sofre com falta de componentes eletrônicos.
A fabricação de bicicletas vinha crescendo antes da pandemia. Em 2019, mais de 919 mil bikes foram produzidas no PIM (Polo Industrial de Manaus), segundo a Abraciclo (Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares).
Após a queda em função da pandemia, a produção aumentou 13,1% em agosto, na comparação com o mesmo mês do ano passado,subindo de 63,9 mil para 72,2 mil. A Abraciclo espera que o Brasil encerre 2021 com fabricação de 850 mil bicicletas, o que representa alta de 27% em relação a 2020.
“Chegamos a ficar sem bike para comprar para a revenda, porque a fabricação caiu muito e foi justamente quando as pessoas começaram a procurar mais para comprar, porque passaram mais tempo em casa e buscavam formas de se exercitar", lembra Valter.
A tendência é os preços se manterem ou aumentarem, na expectativa do empresário. "Os consumidores do mercado atual já experimentaram as bikes simples e o que sobra é o pessoal que quer uma coisa melhor. Então, a tendência é aumentar o preço. A maioria das bikes simples vêm da China, tem pouca produção nacional", detalha.
Com os preços atuais, uma bicicleta simples para passeio sai entre R$ 1,7 mil e 2,5 mil, na Capital, segundo Valter. Para quem quer usar a bike para trabalhar, ele recomenda modelos com preço em torno de R$ 3,6 mil. "É possível parcelar em dez vezes e quem compra não se arrepende. Não tem desculpa para quem quer mudar a rotina", opina Valter.