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Capital

Só drogas e violência fazem ver realidade de 'invisíveis' no Centro

Situação de moradores de rua incomoda comerciantes, mas pouco se faz para solucionar o problema

Luana Rodrigues e Marcus Moura | 14/03/2017 19:31
Só drogas e violência fazem ver realidade de 'invisíveis' no Centro
Calçada é cama de quem não tem sequer se encostar, na região da antiga rodoviária. (Foto: Marcos Ermínio)

Enrolados num cobertor no canto de uma calçada, a maioria dos moradores de rua vive como "invisível" em meio à sociedade. Quase ninguém parece disposto a dar atenção a esses seres humanos. Enquanto isso, uma pequena parcela da sociedade sofre com a marginalidade destes, que apesar do incômodo que causam, também são vítimas da indiferença do poder público.

Em Campo Grande, moradores de quatro pontos da região central da cidade convivem diariamente com o cheiro forte de urina, comércio e consumo de drogas, além da violência gratuita, na porta de casa. O Campo Grande News visitou estes locais e percebeu um consenso entre quem vive ali: o número de pessoas nesta situação é crescente, ao passo que nenhuma medida é tomada para resolver o problema.

Só drogas e violência fazem ver realidade de 'invisíveis' no Centro
Everaldo Slopobda, 43 anos, já presenciou desde briga entre moradores de rua, até fuga da polícia. (Foto: Marcos Ermínio)
Só drogas e violência fazem ver realidade de 'invisíveis' no Centro
Briga por urina na porta de comércio mostra que clima é violento entre andarilhos. (Foto: Marcos Ermínio)
Só drogas e violência fazem ver realidade de 'invisíveis' no Centro
Mas não é difícil encontrar quem repita a atitude, mesmo que alguns 'colegas' não aprovem. (Foto: Marcos Ermínio)

Comerciante na região da Rua 26 de agosto com a Calógeras há mais de 9 anos, Everaldo Slopobda, 43 anos, já presenciou desde briga entre moradores de rua, até fuga da polícia.

“Todos os dias tem uma situação como esta envolvendo moradores de rua e usuários de drogas por aqui. Teve um dia que consegui contar 30 moradores de rua aqui na porta do meu restaurante, fazendo baderna, e isso em horário comercial, às 11h da manhã. Já aconteceu deles começarem a brigar e correram para dentro do restaurante para se esconderem um do outro, ou jogarem faca, canivete e até droga aqui dentro, fugindo da polícia”, comenta.

No local existe uma praça, e não é preciso ficar muito tempo por ali para presenciar situações que confirmam o relato de Everaldo. Assim que a equipe de reportagem chegou, presenciou uma briga entre dois moradores. Socos, ponta-pés e violência no meio da rua, em meio aos carros por conta de uma discussão banal.

Um dos envolvidos urinou na parede do restaurante de Everaldo, o que irritou outro morador de rua e culminou na briga. Ao invés de se envolver na confusão, o comerciante, quem deveria se sentir ofendido, se reservou a lavar a faxada, missão que cumpre diariamente, simplemente por não aguentar cheiro forte de urina.

O restaurante fica próximo ao Cijus (Centro integrado de Justiça), inaugurado no dia 8 de janeiro, e onde há grande circulação de pessoas. “Depois que inaugurou isso ai pirou, porque as pessoas dão dinheiro para eles (moradores de rua), que se aglomeram por aqui”, conta.

Perto dali também está a loja de roupas de Ana Paula Rojas Ribeiro, 29 anos, inaugurada há apenas quatro meses e já furtada por andarilhos.

“Uma vez um morador de rua passou na frente da loja e furtou uma das camisetas que estavam numa arara promocional, meu marido tentou correr atrás dele, mas não conseguiu pegar, no mesmo dia esse menino tentou roubar uma loja no shopping e foi preso em flagrante pela polícia, mas no outro dia estava solto”, diz.

Só drogas e violência fazem ver realidade de 'invisíveis' no Centro
Ana Paula inaugurou a loja há quatro meses e já sente o 'peso' da vizinhança. (Foto: Marcos Ermínio)
Só drogas e violência fazem ver realidade de 'invisíveis' no Centro
'Tião da Garapa' diz que na praça Aquidauana o problema são as drogas. (Foto: Marcos Ermínio)
Só drogas e violência fazem ver realidade de 'invisíveis' no Centro
Morador Valdenir de Jesus Ferreira tem medo de sair de casa a noite por conta vizinhança problemática. (Foto: Marcos Ermínio)
Só drogas e violência fazem ver realidade de 'invisíveis' no Centro
Sandoval Miguel, 49 anos, acha que é preciso ter compaixão, pois há muita miséria e sofrimento entre quem vive na rua. (Foto: Marcos Ermínio)

A comerciante reclama que a situação é constrangedora também para os clientes, e que o medo de uma reação violenta por parte de alguns usuários é o pior da situação.

“Outro dia, uma cliente estava esperando o filho provar uma camiseta, enquanto comia um chocolate. Uma mulher entrou na loja e pediu um pedaço do doce, gritando. A mulher, por medo acabou dando o chocolate. Eu também tenho muito medo da reação deles, porque você nunca sabe se eles estão drogados, sob efeito de bebida alcoólica, tem que ter muita paciência”, revela.

Em outro ponto do Centro, na praça Aquidauana, é o comerciante Sebastião Soares, 54 anos, o Tião da Garapa, quem sofre com o problema. Há 17 anos ele vende a bebida a base de cana de açúcar a beira da praça, que é palco de eventos importantes, mas isso, segundo Tião, quando não está "cheia de drogados".

De dois anos para cá, o comerciante diz que viu o consumo de drogas e a marginalidade crescerem no local, principalmente no período noturno. “A noite o bicho pega aqui. Eles começam a juntar no fim da tarde e aí já vão abordando os clientes atrás de moeda. Tem muita droga, compra e venda a qualquer hora”, lembra.

O consumo de droga por parte dos moradores de rua também é o que incomoda quem mora nos arredores da Rua dos Ferroviários, no Centro, perto do bairro Cabreúva.

“Tem muito usuário por aqui, por isso, quando escurece já vai todo mundo para dentro de casa, com medo”, conta o morador Valdenir de Jesus Ferreira, 39 anos.

Conforme Valdenir, há anos o local é “ocupado” por usuários e nunca houve uma ação efetiva para o atendimento e retirada dessas pessoas da região. “Toda vez que tem campanha eleitoral, vem tudo quanto é político aqui gravar programa, mostrar a situação, mas em 20 anos que estou aqui, nunca vi nenhuma melhoria”, diz.

Para quem tem comércio na região da antiga rodoviária da Capital, também já é comum conviver com esta realidade, e a presença dos andarilhos não incomoda tanto. O que é difícil de se acostumar, na opinião do lojista Sandoval Miguel, 49 anos, é com a miséria e o sofrimento na porta do trabalho.

“As pessoas geralmente passam por aqui e torcem o nariz, mas a gente precisa ter um pouco mais de compaixão com o próximo. O nosso sistema é falho, esse povo está na rua por inúmeras razões e não cabe a gente ficar discutindo o porquê e sim como vamos ajudar eles a saírem da rua”, considera.

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Oficial de área da 5ª Companhia Independente da Polícia Militar, Andrio Nascimento, diz que a polícia bem que tenta acabar com os incômodos à população, mas viver na rua não é crime. (Foto: Marcos Ermínio)

Papel da polícia - O oficial de área da 5ª Companhia Independente da Polícia Militar, Andrio Nascimento, diz que a polícia bem que tenta acabar com os incômodos à população, mas que a presença de pessoas nas calçadas da cidade não é o crime e sim uma questão social.

"Estar nessa condição de ser morador de dura, não é delito. Quando esses moradores cometem algum delito, a polícia vai lá e faz o papel dela, mas do contrário, foge da alçada da polícia. O que falta é política pública de atuação junto a essas pessoas", explica.

Só drogas e violência fazem ver realidade de 'invisíveis' no Centro
Equipe da prefeitura oferecendo assistência médica à moradores de rua. (Foto: marcos Ermínio)

Assistência pública - Ao Campo Grande News, a prefeitura informou que faz este trabalho por meio do (Serviço Especializado de Abordagem Social (SEAS), disciplinado pela Resolução 109 do CNAS – Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais.

O serviço é responsável pela abordagem das pessoas em situação de rua, em logradouros públicos, e nele são disponibilizados atendimento relacionados ao Centro POP (Centro Especializado para Pessoas em Situação de Rua) e Cetremi (Centro de Apoio e Encaminhamento ao Migrante).

Conforme a prefeitura, nestas unidades, uma equipe técnica composta por psicólogos e assistentes sociais realiza um plano de atendimento individual, para atender a cada especificidade.

"É importante ressaltar que o Poder Público não pode obrigar a pessoa em situação de rua a ser acolhido ou a deslocar-se para local diverso de sua vontade, pois tal intervenção é inconstitucional, conforme o artigo 5º da Constituição Federal, que garante que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, e que é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens; além de ferir o principio da dignidade humana, também presente na política nacional das pessoas em situação de rua", explicou.

Ainda segundo o município, é comum pessoas que vivem nesta situação recusarem atendimento, principalmente as pessoas em situação de rua, que são usuárias de substâncias psicoativas. "Para esse público em geral, o acolhimento provisório em uma unidade estatal (CETREMI) representa uma série de regras, limites, horários e impedimentos o que torna a abordagem e o atendimento mais complexo", diz.

Segundo dados da SAS (Secretaria de Assistência Social), somente em 2017, 127 pessoas em situação de rua foram atendidas pelos serviços da prefeitura.

Só drogas e violência fazem ver realidade de 'invisíveis' no Centro
Guardas e policiais durante a abordagem a suspeitos na operação de quinta à noite (Foto: Divulgação/PM)

Operação - Na última quinta-feira (7), uma megaoperação promovida pelas polícias Militar e Civil, a Guarda Civil Municipal, a Agetran (Agência Municipal de Transportes e Trânsito) e secretarias da Prefeituras, como a de Assistência Social, apreendeu drogas e prendeu três pessoas na região da antiga rodoviária.

Segundo informações da corporação, a atividade foi planejada e executada com o objetivo de reforçar a segurança no local e coibir, principalmente, o tráfico de drogas.

A Antiga Rodoviária virou alvo das autoridades após casos de repercussão se sucederem no local. No último dia 8, um homem de 30 anos morreu após levar uma facada no peito durante uma briga no local.

No dia 23 de fevereiro, um guarda civil municipal que voltava do local de serviço, próximo, ainda fardado foi atacado por um grupo de cerca de seis pessoas e espancado.

Usuários identificados que aceitaram auxílio foram cadastrados para que possam receber ajuda assistencial da Prefeitura. As operações no local devem acontecer rotineiramente.

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