Suspeita de causar até morte, noz da Índia é vendida livremente na Capital
Familiares relacionam morte de mulher ao uso do produto, que também não é recomendado por médicos
A noz da Índia, que teve o uso condenado pela médica gastroenterologista e hepatologista – especialista em funções digestivas e no fígado – Luciana Araújo Bento, além de estar supostamente ligada à morte de uma mulher de 38 anos, é vendida livremente no centro de Campo Grande e também na internet – em grupos de venda privada nas redes sociais. A promessa, de quem comercializa o produto, é de emagrecimento rápido: até 12 quilos por mês.
O Campo Grande News flagrou a venda no Mercadão Municipal, local de grande circulação de pessoas e conhecido pelo comércio popular. Lá, os comerciantes ensinam também a usar o produto.
Uma cartela com 12 sementes é vendida por apenas R$ 20. O “tratamento” dura 52 dias, na primeira semana a semente é divida em 8 pedaços que devem ser consumidos como comprimidos, apenas com um copo d'água – o chá não foi indicado.
Mas, na embalagem, a informação é outra. Nas instruções fica claro a necessidade de fazer infusão do pedaço da semente em água. Já a partir da segunda semana, cada semente é dividida em quatro partes e apenas um quarto passa a ser ingerido diariamente.
Também nas informações é possível verificar algumas “contraindicações”. O uso não é recomendado para mulheres com menos de 15 e mais de 65 anos, grávidas, lactantes e pessoas com úlceras.
Um dos vendedores garantiu a eficácia do produto, disse que o emagrecimento é rápido e não alertou sobre os possíveis problemas que a noz pode causar. “Tem que dividir a semente para o corpo se acostumar, mas não tem nenhum problema. Pode consumir tranquilamente”, afirmou.
Em outra banca, o comerciante afirma vender “como água” a noz da Índia e diz que algumas clientes voltam para comprar mais, garantindo a eficácia do produto. Quando questionado pela reportagem sobre os riscos que pode causar a saúde, ele minimiza. “Tem muita saída. Principalmente as mulheres compram e gostam. Pode dar um ou outro efeito colateral, mas nada grave. A mulher que morreu foi por causa de outros problemas de saúde, não pelo noz da Índia”, afirmou.
Na internet o comércio da noz também acontece. A reportagem flagrou uma mulher, membro de um grupo privado de vendas no Facebook, oferecendo o produto. Por telefone ela afirmou que as 12 sementes custam R$ 25, e não cobra taxa de entrega dentro da Capital. Porém, para o envio fora de Mato Grosso do Sul o preço sobe para R$ 40.
“Eu também vendo o quilo, que dá em torno de mil sementes, por R$ 800, caso a pessoa queira revender. Ou embalado a partir de 10 pacotes faço a R$ 7, cada um. Trago de São Paulo”, disse. A vendedora também afirmou que a noz só é contraindicada para uso de pessoas com problemas de saúde.
O consumo da noz da Índia foi apontado pela família da cantora gospel e estudante de psicologia Ana Cláudia Alves da Silva – conhecida como Claudinha Félix –, como a causa da morte dela na segunda-feira (1°), em Campo Grande.
A médica Luciana Araújo Bento afirma que a “noz da Índia” (produto que Ana Cláudia fazia uso) não deve ser consumida, em nenhuma situação. “Nenhum médico vai dizer que pode ser consumido. Além do risco em si, essas ervas podem ter vários tipos de contaminação, pela forma que são armazenadas. Pode ter fungos, por exemplo”, explicou.
Sem regulamentação – A nutricionista Aline de Moraes explica que, além de todos os problemas que podem ser causados pelo consumo da semente, o produto não tem regulamentação. “Não tem estudo ou pesquisa que confirme o efeito emagrecedor. É uma especiaria da Índia usada como tempero e pode ser confundida com outra castanha chamada chapéu de Napoleão, que é tóxica. Não existe vigilância em relação as raízes vendidas em marcos e feiras, não tem nem como saber se é uma ou outra”.
Ela afirma que alguns pacientes relataram ter consumido a noz e apresentaram efeitos colaterais. “A promessa é de que vai emagrecer, diminuir as taxas de colesterol, glicose, mas não é verdade e nem saudável. O efeito colateral é a diarreia e desidratação, deixa a pessoa debilitada. É um perigo e não existe nem tratamento caso a pessoa se intoxique, por não ter estudos”, disse Aline.
Familiares afirmam que Claudinha ouviu falar da noz em uma academia que frequentou no ano passado. Ela tomou o chá do produto por cerca de 30 dias, mas passou a apresentar quadros frequentes de falta de ar, inchaço, cansaço, fraqueza no corpo, queda de pressão e até desmaios.
Marisângela Alves da Silva, 34, irmã da vítima, afirmou que há seis meses Claudinha sentiu um mal estar muito forte e procurou um médico. Na época ela foi diagnosticada com cirrose hepática. "Como ela já teve hepatite na adolescência, o uso do chá pode ter agravado a condição de saúde dela. Ela estava na fila do transplante de fígado. Não aguentou esperar", conta Marisângela.
No domingo (31), Claudinha reclamou de falta de ar e foi levada pela irmã ao CRS (Centro Regional de Saúde) do Nova Bahia, onde morreu. A família pediu um laudo especial ao IML (Instituto Médico Legal) para confirmar a suspeita e, também, um boletim de ocorrência foi registrado.