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Capital

Uso de ambu retrata colapso na saúde, risco à vida e desrespeito ao isolamento

Equipamento emergencial de suporte é usado de forma permanente em pacientes graves, em tempo de lotação agravada pela pandemia

Silvia Frias | 30/07/2020 11:21
No início da semana, Santa Casa recorreu ao respirador manual para atender pacientes (Foto: Santa Casa/Divulgação)
No início da semana, Santa Casa recorreu ao respirador manual para atender pacientes (Foto: Santa Casa/Divulgação)

A lotação da UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) da Santa Casa, no início da semana, deu destaque ao aparelho que se tornou símbolo do colapso no sistema público de saúde. Criado há 64 anos como suporte emergencial à vida, o ambu ou respirador manual, é usado de forma permanente, quando não há outra alternativa, o que fatalmente deverá ocorrer novamente caso sejam mantidos os índices de acidentes de trânsito e de violência, indicativo da baixa adesão ao isolamento social.

O equipamento serve de ventilação de apoio, para estabilização emergencial de casos graves e tem utilização vedada aos pacientes com covid-19. Por isso, está sendo destinado a outros casos, muitos relacionados a vítimas de acidente de trânsito e de violência, o que tem crescido, mesmo em período de restrições de mobilidade social impostas para conter no novo coronavírus.

O iminente colapso no sistema público é acompanhado pelos ministérios públicos (Federal, Estado e do Trabalho) que divulgaram nota conjunta, apelando para que a população respeite os decretos municipais de isolamento social, sob pena de adoção de medidas restritivas mais drásticas. Historicamente, Campo Grande patina na taxa de isolamento, ficando sempre abaixo dos 50% considerado minimamente aceitável pelo Ministério da Saúde.

Exemplo do desrespeito às normas foi o ocorrido na Santa Casa no último fim de semana. Foram 229 pacientes internados, sendo 88 vítimas de violência, agressões e acidentes. Na avaliação do superintendente de gestão médico-hospitalar, Luiz Alberto Kanamura, um reflexo de que o isolamento não está sendo respeitado.

Ambu foi criado em 1956, sendo a marca da empresa, mas acabou sendo sinônimo do equipamento (Foto: Santa Casa/Divulgação)
Ambu foi criado em 1956, sendo a marca da empresa, mas acabou sendo sinônimo do equipamento (Foto: Santa Casa/Divulgação)

Todos os 100 leitos de UTIs foram ocupados, incluindo os 10 com pacientes de covid-19. De domingo para segunda, com vagas esgotadas, mais 11 pacientes foram recebidos e, destes, 6 ficaram em respiradores no pronto socorro e 5 mantidos em ambús, aguardando leito de UTI.

Na segunda e na terça-feira, 154 pacientes estavam internados no pronto-socorro da Santa Casa. Destes 58 são vítimas de violência em geral, como acidentes de trânsito, espancamento, esfaqueado e outras causas.

Ontem, 10 pacientes estavam na área vermelha do pronto-socorro e, do total, 4 em ventilação mecânica. Hoje, continuam com 10 na área vermelha, sendo 3 em ventilação, aguardando leitos de UTI. Segundo assessoria, o hospital pode colocar até 6 pacientes no respirador naquela área, mas, passando disso, recorre ao ambu, ou seja a ventilação manual.

“O uso do respirador manual é fruto da lotação da UTI, o sistema de saúde não está conseguindo absorver os pacientes de UTI em geral, em razão dos infectados pela covid”,

avalia a promotora de Defesa da Saúde Pública, Filomena Fluminhan. A expectativa é tentar minimizar a situação com abertura de novos leitos. A promotora cita mais 6 leitos na Cassems, discutido em reunião ontem, além da abertura de mais 18 leitos de UTI no Hospital Regional amanhã.

O clínico-geral Renato Figueiredo, que compõem a diretora do Sinmed-MS (Sindicato dos Médicos de Mato Grosso do Sul) disse que o uso do ambu faz parte da rotina de quem trabalha no SUS.

“Não é situação nova, toda vez é isso, é uma tristeza impensável que a gente tenha que colocar vidas em risco por falta de estrutura, mas é o que acontece normalmente”.

Na teoria, o ambu é ligado ao balão de oxigênio e deve ser usado por poucos minutos para estabilizar os pacientes em estado grave. Neste curto período, o respirador hospitalar é calibrado para fornecer oxigênio.

Hospital lotado com casos de trauma, situação que deve se repetir no fim de semana (Foto: Santa Casa/Divulgação)
Hospital lotado com casos de trauma, situação que deve se repetir no fim de semana (Foto: Santa Casa/Divulgação)

Já na realidade dos hospitais, a respiração manual é feita por horas e exige fôlego dos profissionais: são 60 bombeadas de ar por minuto. Na Santa Casa, foi adotado protocolo de revezamento de 30 minutos para cada profissional responsável pela ventilação.

Figueiredo diz que desde a estratégia de combate à covid-19 foi adotada no Hospital Regional, o ambu não foi utilizado. “Anteriormente à covid, era muito comum, praticamente todo plantão tinha paciente no ambu”, disse o médico, que trabalha na instituição.

O HR é referência no tratamento da doença em Mato Grosso do Sul. Várias enfermarias foram transformadas para atendimento da Terapia Intensiva, todos equipados, direcionados aos infectados. São casos também em que o uso da ventilação manual é altamente desaconselhável.

Manual com orientações de manejo do paciente, divulgado pelo Ministério da Saúde e Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), diz que o equipamento deve ser evitado pelo risco de produção de aerossol e contaminação do ambiente.

Renato Figueiredo reconhece que a dificuldade apenas se concentrou em outros hospitais, que estão recebendo os pacientes não covid, justamente para concentrar esforços contra covid no HR. “Esses outros paciente estão indo para Santa Casa, acaba superlotando com casos de trauma, pneumonia, por exemplo”. Em Campo Grande, a taxa de ocupação de leitos de UTI nesta quinta-feira é de 90,8% em todos os hospitais.

No pronto-socorro, ainda há pacientes que aguardam vaga para serem levados à UTI (Foto: Santa Casa/Divulgação)
No pronto-socorro, ainda há pacientes que aguardam vaga para serem levados à UTI (Foto: Santa Casa/Divulgação)

Mesmo com toda a estruturação, ontem, o HR chegou ao limite, situação que era prevista por conta do aumento do número de casos de infectados. O hospital estava com 161 pessoas internadas, sendo 89 em enfermaria, 71 em leitos de UTI e 1 em recuperação. A taxa de ocupação alcançou 100%.

O efeito cascata é o estrangulamento do atendimento em geral, com internação de pacientes nas outras unidades de saúde. “O HR está cheio e outros hospitais também”, disse o presidente do Coren-MS (Conselho Regional de Enfermagem em MS), Sebastião Duarte.

A reestruturação, hoje, não é suficiente para atender todas as demandas da saúde o uso do ambú pode se tornar cada vez mais recorrente. “Aconteceu há muito tempo e piorou agora”. O presidente do sindicato lembra, ainda, a falta de pessoal para esse revezamento exigido na ventilação manual.

 “A gente não tem número de enfermeiros para ficar no ambu, isso é risco muito grande”.

Suporte – em nota a Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) informou que a Santa Casa recebeu 20 respiradores do Ministério da Saúde, além de 10 fixos e 10 móveis e não há previsão de nova remessa, além dos licitados.

Para suprir a demanda, o número de leitos de terapia intensiva (UTI) foi ampliado em aproximadamente 132% no município de Campo Grande nos últimos quatro meses, passando de 116 para 270 leitos disponíveis. Segundo a Sesau, na segunda-feira (27) mais 10 leitos de UTI foram ativados no Humpa (Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian ) para atendimento   de pacientes com coronavírus (Covid-19).

A nota cita, ainda, a abertura de 87 novos leitos de UTI na Santa Casa, 87 no Hospital Regional Rosa Pedrossian (HRMS), 28 no Hospital de Câncer Alfredo Abrão (HCAA) e  26 leitos no HU.

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