Vereador luta por home care após filho entrar andando e sair acamado de hospital
"A cirurgia seria de 20 minutos, era simples, só para tirar um pino”, relata Beto Avelar
Além da dor de ver o filho entrar no Hospital Adventista do Pênfigo andando e sair em estado neurovegetativo, o vereador Beto Avelar (PSD) ainda trava batalha na Justiça para que a unidade hospitalar e duas empresas arquem com o custo integral do home care, tipo de tratamento médico domiciliar. No último ano, a família viu o desembolso com o atendimento domiciliar exaurir as finanças (custo de R$ 40 mil por mês) e emoções.
O programa de atenção domiciliar é o conjunto de atividades desenvolvidas na casa do paciente em função da complexidade assistencial e avaliação socioambiental realizado por equipe multiprofissional de saúde. São ações de saúde, tratamento de doenças e reabilitação desenvolvidas fora do ambiente hospitalar e adequadas às necessidades do beneficiário.
“Fiquei mais de quatro meses afastado, fazendo sessões remotas, por telefone, para cuidar dele. Nessa época foi terrível, fiquei com depressão e eu preciso estar bem para cuidar dele. Hoje meu filho esta com 48 quilos. A cirurgia seria de 20 minutos, era simples, só para tirar o pino”, relata Beto Avelar. Para se ter ideia, o peso médio de um homem adulto saudável é perto de 70 quilos.
Roberto de Avelar Júnior, 31 anos, filho do vereador, deu entrada no Hospital Adventista do Pênfigo, unidade da Avenida Gunter Hans, em Campo Grande, no dia 25 de fevereiro de 2022. Acompanhado pela mãe, ele chegou dirigindo e se internou para fazer cirurgia ortopédica, no caso a remoção de uma placa no braço esquerdo. O pino foi colocado após acidente sofrido há uma década. Júnior sofreu várias fraturas e seu melhor amigo morreu.
No final de 2021, o paciente começou a sentir dores no braço por causa de tendinite e decidiu retirar a placa. Na sala de cirurgia, em fevereiro do ano passado, ele foi anestesiado e, dez minutos depois, sofreu parada cardíaca.
Segundo o vereador, apesar de estar na presença de médico, enfermeiras e técnica de enfermagem, o socorro demorou, levando ao quadro atual de seu filho. Baseado em relatório de sindicância interna do hospital, obtido após decisão judicial em ação de erro médico, o parlamentar sustenta que o anestesista não estava na sala e nenhum profissional agiu antes que uma enfermeira saísse do local e retornasse trazendo o anestesista.
Júnior foi reanimado após dois ciclos de manobras de ressuscitação, com duração total de sete minutos. O entendimento da família é de que a demora em prestar socorro, mesmo com a pessoa estando dentro da sala de um centro cirúrgico, custou minutos preciosos. Hoje, o jovem, que aparecia sorridente nas fotografias em passeios e confraternizações familiares, está preso a uma cama, sem qualquer autonomia.
De acordo com resolução do Conselho Federal de Medicina, “o médico anestesista deve permanecer dentro da sala do procedimento, mantendo vigilância permanente, assistindo o paciente até o término do ato anestésico”.
Na ausência dele, o médico cirurgião deveria ter iniciado as manobras de ressuscitação, mas ele, de acordo com o processo, preferiu aguardar que uma técnica de enfermagem deixasse a sala de cirurgia e percorresse as instalações do hospital em busca do anestesista.
“A enfermeira que estava para fazer o monitoramento não estava no local que deveria estar também. Quem foi verificar a parada foi a enfermeira circulante. O cirurgião responsável tinha que ter parado a cirurgia e iniciado a ressuscitação. Ele não o fez e houve uma série de situações. Está tudo judicializado”, relata o pai.
O paciente ficou 70 dias no CTI (Centro de Terapia Intensiva). Em agosto do ano passado, veio indicação médica de home care, diante de recorrentes infecções. Mas o hospital negou o atendimento e informou não dispor do serviço.
Via-crúcis – A jornada de Beto Avelar para o tratamento do filho é contada em processo de 1.646 páginas, que tramita desde 13 de junho de 2022 na 15ª Vara Cível de Campo Grande. O processo é contra a Instituição Adventista Centro Oeste de Promoção à Saúde (mantenedora do Hospital Adventista do Pênfigo), RC Gestão Empresarial Ltda (com sede no Rio de Janeiro) e IOCG (Instituto Ortopédico de Campo Grande).
Em 10 de agosto, o juiz Alessandro Carlo Melisso Rodrigues concedeu liminar para que os três réus arcassem com os custos de home care. O hospital pediu mais tempo para cumprir a medida, que foi deferido pela Justiça. Dias depois, a defesa da unidade hospitalar solicitou perícia no paciente e a inclusão da prefeitura de Campo Grande na ação porque a cirurgia foi pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
Na sequência, o hospital informou ao magistrado que chegou a contratar empresa de atendimento domiciliar, mas foi recusada pelo pai do paciente. O vereador disse que apenas ligaram para ele, que somente informou a presença de outra equipe, posto que está pagando desde 11 de agosto, quando o filho foi levado para a casa.
A Justiça negou pedido para que as rés fossem obrigadas a assumir contrato com a empresa que já atende Júnior.
“Para poder ajudar ele preciso seguir com tratamento de excelência, ele recebeu alta do hospital, mas segue em internação. O hospital negou tratamento, tive que contratar toda a equipe multidisciplinar. Eu até hoje pago medicação, dieta, terapeuta ocupacional, nunca cederam, Foram quase R$ 200 mil. Vendi terreno, eu não tenho muitas posses, tivemos que nos virar, juntar dinheiro”, afirma o vereador. De acordo com ele, os réus fornecem apenas enfermeiro.
No processo, o hospital nega a demora em prestar socorro. “Pelo relato do cirurgião, não há como afirmar que minutos preciosos foram perdidos ante a omissão do médico e das enfermeiras e técnica de enfermagem, e mesmo do anestesista, em realizar os procedimentos imediatos e corretos de reanimação. O anestesista estava ao lado da sala operatória, a poucos metros na parte separada por vidro, quando o alarme do monitor chamou a atenção de todos, inclusive do próprio anestesista que imediatamente adentrou o sítio operatório”, informa a defesa.
Em nota ao Campo Grande News, o Hospital Adventista do Pênfigo informa que cumpre integralmente a ordem judicial e que preza pelo bom cuidado de seus pacientes.
"Desde de junho de 2022, o HAP [Hospital Adventista do Pênfigo] em conjunto com outras duas empresas respondem a um processo movido pelo vereador Roberto de Avelar, em razão de uma intercorrência, de causa desconhecida, envolvendo seu filho Roberto de Avelar Júnior. Na ocasião, o filho do vereador Roberto de Avelar foi submetido a um procedimento cirúrgico via Sistema Único de Saúde - SUS, tendo o Hospital Adventista do Pênfigo se disponibilizado a auxiliar o paciente Roberto de Avelar Júnior da melhor forma possível. Em agosto de 2022, fora deferida a liminar, determinando a disponibilização de serviços de home care para o paciente em questão, o que vem sendo cumprido integralmente".
Recursos – As empresas recorreram ao TJ-MS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), que manteve as decisões para que elas arquem os custos do atendimento domiciliar de Roberto de Avelar Júnior.
Na tentativa de derrubar a liminar, a Instituição Adventista Centro Oeste de Promoção à Saúde alegou que o atendimento foi pelo SUS e a responsabilidade deveria ficar com a prefeitura, gestora dos recursos.
Noutro ponto, contestou a necessidade de um enfermeiro e três técnicos de enfermagem por 24 horas: “na verdade os serviços a serem prestados podem ser realizados por cuidador”. Também questionou a necessidade de fornecimento de cama hospitalar elétrica e apontou que o home care poderia ser oferecido pelo plano de saúde do paciente.
O desembargador Dorival Renato Pavan manteve a liminar. “Prudente, pois, a manutenção da tutela tal como proferida, inclusive pela sensível situação em que se encontra o agravado, restando obstaculizada qualquer inserção em matéria ainda não examinada pelo juízo de primeiro grau”.
Responsável pelo médico anestesiologista, a RC Gestão Empresarial Ltda recorreu em setembro do ano passado contra a liminar. A empresa aponta que foi confundido o procedimento de sedação (realizado no caso) com de anestesia. Além de dificuldade de cumprir a decisão porque já havia empresa de atendimento domiciliar contratada.
Na última quarta-feira (dia 8), a 3ª Câmara Cível negou o pedido da RC Gestão Empresarial e manteve a decisão liminar para custeio do home care.
O Instituto Ortopédico de Campo Grande também recorreu ao Tribunal de Justiça para reforma da decisão, mas ainda ao houve julgamento. A defesa informa que o cirurgião prestou socorro imediato e que as despesas do atendimento em casa devem ser divididas pelo hospital e pela empresa que forneceu médico anestesiologista.
Nesta ação, o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) deu parecer para que o instituto também custeie o home care.
“Desta forma, tendo em vista o eventual Contrato de Prestação de Serviços, firmado entre o agravante [Instituto Ortopédico] e o Hospital do Pênfigo, no qual é acordado que aquele assumirá as consequências decorrentes de eventuais erros, omissões, imprudências ou negligências realizadas pelo último, tem-se que o agravante deve ser compelido a fornecer ao agravado, juntamente com o Hospital do Pênfigo, todos os materiais e insumos necessários ao seu tratamento hospitalar home care”, aponta o procurador Mauri Valentim Riciotti.