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Capital

Voto ‘enigmático’ e diário revelador mostram trama contra prefeito, diz juiz

Ao aceitar ação de improbidade, magistrado destacou ‘relatos insuspeitos’

Anahi Zurutuza | 09/06/2017 15:35
João Amorim desembarcando do carro da PF em uma da diligências da Operação Lama Asfáltica no ano passado (Foto: Amanda Bogo/Arquivo)
João Amorim desembarcando do carro da PF em uma da diligências da Operação Lama Asfáltica no ano passado (Foto: Amanda Bogo/Arquivo)

O diário da esposa de João Amorim, uma das conversas que o empresário teve ao telefone e o pronunciamento de um dos vereadores de Campo Grande antes do voto “sim” pela cassação de Alcides Bernal (PP) são evidências que, para o juiz David de Oliveira Gomes Filho, estão acima de qualquer suspeita sobre a existência do complô contra o ex-prefeito.

Ao aceitar a ação de improbidade administrativa contra 28 acusados de fazerem parte da armação, o magistrado destacou que a Operação Coffee Break decifrou enigmas e conclui que há “forte possibilidade de que os motivos que levaram alguns dos requeridos a cassar o mandato do prefeito eleito estavam muito afastados do interesse maior da população”.

Confissões - No cumprimento de um dos mandados de busca e apreensão emitidos durante a Coffee Break, o Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado) encontrou na casa de João Amorim o diário mantido pela esposa dele. O caderno foi apreendido porque algumas frases chamaram a atenção dos investigadores e agora, do juiz do caso.

Em uma das páginas, conforme destacou o juiz David de Oliveira no texto da decisão, a mulher registrou, no dia 2 de outubro de 2013, que o marido estava "trabalhando com fúria" para mudar o rumo político da Capital e frisou que ele não tinha "hora e nem limite para conseguir seu intento".

"Já são 8:30 da noite e J.A. está no escritório de Giroto planejando a queda do Bernal e suas implicações em sua vida profissional", ela escreveu na página dedicada ao dia 18 de outubro daquele ano.

Grampo - Um dos diálogos mantidos por Amorim por telefone e que foi interceptado durante a investigação também faz parte da lista de "relatos insuspeitos", conforme elencou o magistrado.

No dia 15 de março de 2014, dois dias depois que a Câmara Municipal cassou Bernal, o empresário foi questionado sobre o que havia "mexido" para a queda do ex-prefeito. E ele responde: "fiz o que tinha de fazer".

Vereador Carlão durante sessão da Câmara Municipal (Foto: Arquivo)
Vereador Carlão durante sessão da Câmara Municipal (Foto: Arquivo)

Mais um enigma - Para o juiz, a "enigmática" declaração de voto do vereador Carlos Agusto Borges, o Carlão (PSB), também confirmaria a tese de conluio mantida pela acusação.

Antes de declarar que era a favor da saída de Bernal do cargo, Carlão disse que quando a Câmara votou a abertura da Comissão Processante contra o prefeito ele havia votado não "cumprindo o compromisso", mas termina dizendo que mudou de ideia.

"Infelizmente, meu amigo Alex [do PT, também vereador], homem tem que ter palavra. Vou dizer a vossa excelência que não vou cumprir a minha palavra; mas, você foi traído por um compromisso feito ontem. Consequentemente, avisei vocês que meu voto seria através do pedido de um amigo, se os companheiros não roessem a corda. Logo, 'roeram a corda'", dando a entender que havia um acordo anterior ao dia do julgamento de Bernal, mas que outras partes não cumpriram com o combinado.

Dias antes, uma das interceptações telefônicas flagrou conversa entre João Amorim e outro vereador em que os dois dão a entender que Carlão estava "leiloando seu voto", conforme destacou David de Oliveira na decisão.

Estátua que representa a Justiça, no Fórum de Campo Grande (Foto: Alcides Neto/Arquivo)
Estátua que representa a Justiça, no Fórum de Campo Grande (Foto: Alcides Neto/Arquivo)

Decisão – Nesta quarta-feira (7), quase dois anos depois que o Gaeco deflagrou a Operação Coffee Break, o juiz David de Oliveira Gomes Filho, da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos de Campo Grande, aceitou ação de impribidade administrativa contra 28 acusados “armar” a cassação do prefeito eleito em 2012.

Se condenados, vereadores e outros políticos, empresários e empresas, podem ter de dividir pagamento de indenização de R$ 25 milhões por danos morais coletivos - valor pedido pelo MPE (Ministério Público Estadual). Os réus também podem perder os direitos políticos e ficarem impedidos de firmar contratos com o poder público.

O magistrado frisou na decisão que a denúncia do MPE, com base em investigação que usou interceptações telefônicas e quebrou os sigilos bancário e fiscal dos suspeitos, relatou com detalhes toda a trama para derrubar o chefe do Executivo municipal.

“O Ministério Público descreve minudentemente as condutas de cada um, conforme os elementos de prova colhidos, na maioria, com base em interceptações telefônicas, e, pacientemente, vai interligando cada conduta, cada conversa interceptada, de modo que, no conjunto, apresenta todo o enredo da cassação do prefeito eleito, com detalhes miúdos”.

Coffee Break – Após investigação, o Gaeco concluiu que os empresários João Alberto Krampe Amorim do Santos e João Roberto Baird teriam encabeçado a conspiração contra Bernal e inclusive, segundo o Gaeco, comprando o voto de vereadores para cassar prefeito, em março de 2014.

Além deles, os vereadores e o ex-prefeito Gilmar Olarte – um total de 24 pessoas – são acusados de participar do conluio para tirar Bernal do cargo (veja quem são os réus na lista abaixo).
Pouco mais de um ano depois da cassação, em 25 de agosto de 2015, vésperas do aniversário de 116 anos Campo Grande, moradores viram a Capital ter três prefeitos em um só dia.

A cidade acordou com Gilmar Olarte no cargo, almoçou com a notícia de que o vereador Flávio César (PSDB) assumiria a administração municipal e dormiu com Alcides Bernal de volta ao comando do Poder Executivo.

Naquele dia, Olarte foi afastado e Bernal reassumiu, depois de ter voltado a ser prefeito por algumas horas. No dia 15 de abril de 2014, depois de reassumir o cargo pela manhã por força de liminar, uma decisão do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) determinou que o vice permanecesse como prefeito.

A denúncia criminal contra o grupo de 24 pessoas que teriam se associado para derrubar Bernal foi feita no dia 31 de maio deste ano e o processo sobre o grupo ainda tramita na Justiça. Ninguém foi condenado até agora por associação criminosa e corrupção.

Respondem a ação de improbidade:

- Os empresários João Alberto Krampe Amorim dos Santos, dono da Proteco; João Roberto Baird, proprietário de empresas de informática; Fábio Portela Machinsky; Luiz Pedro Guimarães; Raimundo Nonato de Carvalho; Carlos Naegele, dono do site Midiamax.

- Os ex-prefeitos Gilmar Antunes Olarte; André Puccinelli (PMDB), Nelsinho Trad (PTB).

- Os ex-vereadores Mario César Oliveira da Fonseca (PMDB); Flávio César Mendes de Oliveira (PtdoB); Airton Saraiva (DEM); Edil Albuquerque (PTB); Edson Shimabukuro (PTB); Jamal Salem (PR); Alceu Bueno (morto); Paulo Siufi (atual deputado estadual pelo PMDB); Waldecy Batista Nunes, o Chocolate (PP).

- O funcionário público André Luiz Scaff, procurador da Câmara Municipal de Campo Grande.

Outro lado - A reportagem tentou contato com o vereador Carlão, mas até o fechamento da matéria ele não havia atendido as ligações. A assessoria de imprensa do parlamentar informou que ele está fora da cidade. A defesa de João Amorim também não se manifestou.

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