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Interior

"Chorava muito, histericamente", diz mãe que deixou filho 20 dias em creche

Polícia flagrou por meio de câmeras escondidas maus-tratos em creche de Naviraí; duas mulheres foram presas

Dayene Paz | 12/07/2023 13:00
Creche clandestina onde houve monitoramento e prisão de duas pessoas. (Foto: Divulgação/PCMS)  
Creche clandestina onde houve monitoramento e prisão de duas pessoas. (Foto: Divulgação/PCMS)

O choro intenso do filho foi um som de alerta para a mãe, advogada, de 29 anos, que desconfiou de maus-tratos na creche particular de Naviraí, a 366 km de Campo Grande, alvo de investigação policial. A dona da unidade, Caroline Florenciano dos Reis Rech, de 30 anos, e a funcionária, Mariane de Araújo Correia, 26, foram presas na segunda-feira (10) suspeitas de dopar e agredir as crianças. "Chorava muito, histericamente", descreve a mulher ao lembrar de quando deixava o filho na "escolinha".

Foram apenas 20 dias do mês de janeiro deste ano, mas as mudanças de comportamento na criança de 1 ano e 4 meses eram claras. "Chorava muito quando eu levava e também quando buscava. No começo, achei que era uma questão de adaptação, meu esposo também", conta. A mãe, então, esperou alguns dias, pois aguardava vaga em uma creche pública. "Eu não queria retornar na escola que ele estava porque era muito cara".

Entre as mudanças, o filho passou a não dormir direito. "Eu comecei a perceber que não estava dormindo bem, acordava durante a noite chorando bastante. Chegava em casa umas 19h30 já queria dormir, mesmo após uma semana na creche. Chorava quando via ela [Caroline]. Quando tinha ajudante, ele até ia, mas a Caroline mesmo, ele não queria nem saber", lembra.

A falta de agitação do filho por longo período começou a levantar desconfiança na mãe. "Comecei a reparar no corpinho dele, só que nunca vi algo estranho", comenta. Foi então que Caroline enviou um vídeo. "Ela sempre enviou foto, mas na última semana que ele estava lá, começou a me enviar alguns vídeos, que eu achei o semblante dele aéreo, sonolento. Em um, por exemplo, durante 20 segundos ele não piscou, ficou paralisado".

A advogada estranhou, mas levou o filho no outro dia. "Mesmo assim, no outro dia levei ele, meu esposo achou que era questão de adaptação e tudo mais. Nesse dia, era entre 9h30 e 10h, e ela [Coroline] mandou um vídeo no grupo de mães, que aparece meu filho deitado numa almofada no chão de barriguinha para baixo e com semblante sonolento, meio que virava o olho. Tinha outra criança no canto do sofá e do lado dela um bebê deitado bem sonolento", descreve.

A partir desse vídeo, a mãe optou por tirar o filho da escolinha. "Eu falei para o meu esposo que não ia levar mais porque percebi que não era normal aquilo, uma criança superativa, e realmente não levei. Como não tinha prova, não tinha indício, não procurei nada, mas salvei os vídeos, as conversas", conta.

Quando soube da prisão de Caroline e Mariana, a mãe entrou em desespero. "Na segunda-feira à noite, quando eu soube da prisão e relatos, fiquei muito mal, chorei bastante, meu esposo também. A gente teve certeza que ela praticou esses atos contra o meu filho", lamenta. A advogada prestou depoimento nesta terça-feira (11), assim como outras sete mães e uma tia.

Entenda - A dona da creche particular, Caroline Florenciano, e uma funcionária, Mariana de Araújo, foram presas na segunda-feira (10), após investigação apontar que as crianças eram dopadas e agredidas na unidade do Bairro Sol Nascente, o "Cantinho da Tia Carol".

Caroline Florenciano dos Reis Rech, de 30 anos, presa por agredir crianças em creche (Foto: Reprodução das redes sociais)
Caroline Florenciano dos Reis Rech, de 30 anos, presa por agredir crianças em creche (Foto: Reprodução das redes sociais)

Interrogada, Caroline contou que começou a cuidar de 22 crianças em casa, há quatro anos e, em janeiro, decidiu montar a creche em prédio alugado. Garantiu que nunca teve problemas, mas que tudo mudou na sexta-feira passada, dia 7, quando um dos garotinhos que cuida, de 2 anos, quebrou a televisão da creche.

Delegados e investigadores de Naviraí viram e ouviram, ao vivo, a bebê de 11 meses sofrendo agressões físicas e psicológicas na segunda-feira, dia 10, quando começaram monitoramento à distância usando equipamentos de filmagem escondidos instalados no estabelecimento com autorização judicial. Além disso, assistiram à menina ser dopada. “logo no início da operação, às 10h35, a investigada Caroline agrediu fisicamente uma bebê, posteriormente identificada como menina* de 11 meses”.

Segundo a descrição, foi possível ver que a criança estava em um colchão no chão, sozinha, e havia saído do local, momento que a cuidadora pega a pequena e joga de volta no acolchoado. “Foi perceptível a violência empregada por Caroline, bem como a intenção de castigar a pequena criança em virtude do choro”, anotou a delegada Sayara Baetz, que redigiu o documento.

Treze minutos depois, a garotinha voltou a chorar e, então, apanhou. Como o equipamento instalado no “Cantinho da Tia Carol” captava imagem e áudio, conforme registrado, a investigada xingou a criança de “sem vergonha” e comentou com a funcionária que quando a menina começasse a andar, “estavam lascadas”.

A bebê continuou chorando sozinha, mas logo parou. Neste momento, equipe da DAM foi enviada para ficar de prontidão próximo à creche caso fosse necessária intervenção rápida. Os policiais que permaneceram na delegacia perceberam que as imagens não estavam sendo gravadas e diante da necessidade da coleta de provas, técnicos foram chamados para resolver a questão.

Quem assistia à câmera começou a estranhar que a menininha estava há muito tempo parada, não tentava se levantar do colchão, engatinhar ou se arrastar, parecendo estar dopada. Às 12h45, a funcionária de Caroline foi vista dando remédio para a neném, que logo dormiu.

A equipe do monitoramento notou ainda que as duas mulheres ficavam o tempo todo sentadas, mexendo no celular, sem olhar para as outras crianças no ambiente. Mesmo constatando que boa parte das cenas não haviam sido gravadas, mas pelo risco que as crianças corriam, policiais decidiram invadir o local e prender a dupla.

Sobre os episódios de violência testemunhados por policiais, no depoimento, Caroline disse: “Só coloquei ela deitada à força e dei uns tapinhas na cabeça para ela dormir”. Disse que não viu Mariane dar remédio à criança e que logo cedo deu nove gotas de paracetamol para a bebê, a pedido da família. Por isso, a garotinha estava sonolenta.

Caroline admitiu que tinha Dramavit – remédio para enjoo, vômito e tontura, mas que tem efeito sedativo – na creche, mas alega que era de uso pessoal, porque sofre de labirintite. Afirmou ainda que tem as fichas de todas as crianças, contendo anotações dos medicamentos que devem ser ministrados a pedido dos pais, e que os registros serão entregues no momento oportuno por seu advogado.

Início - A investigação começou quando mãe de “ex-aluno” procurou a polícia denunciando agressões sofridas pelo filho na creche. Há relato de criança que teve a cabeça arremessada contra sofá e pano colocado na boca para “engolir” o choro. Caroline nega.

Caroline já respondeu processos por injúria, denunciação caluniosa, calúnia, difamação, ameaça, comunicação falsa de crime, furto, violência doméstica, vias de fato, maus-tratos e contravenções penais, conforme consta na certidão de antecedentes criminais expedida no dia 11 e anexada ao auto de prisão em flagrante.

Durante a prisão, ela confessa o crime, afirmando que tudo presenciado pelos policiais por meio das câmeras escondidas era verdade e que ela “errou”, mas que nunca havia dopado crianças ou mandado que a funcionária desse algum remédio para os meninos ou meninas de quem cuidava.

Mariane conseguiu liberdade provisória com pagamento de fiança. Já Caroline teve a prisão preventiva decretada pela Justiça e foi denunciada por tortura.

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