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Interior

Índios ocupam distrito e medo de guerra tira 55 famílias de casas

Pessoas afirmam que não querem mais voltar para o distrito devido aos conflitos

Priscilla Peres e Filipe Prado, enviado especial a Antônio João | 28/08/2015 16:19
Famílias retiraram o que conseguiram e deixaram suas casas em distrito. (Foto: Marcos Ermínio)
Famílias retiraram o que conseguiram e deixaram suas casas em distrito. (Foto: Marcos Ermínio)
Indígenas ocuparam as casas e fazem seus rituais para (Foto: Marcos Ermínio)
Indígenas ocuparam as casas e fazem seus rituais para (Foto: Marcos Ermínio)

A ocupação de indígenas do distrito de Campestre em Antônio João - a 279 quilômetros de Campo Grande, fez com que 55 famílias deixassem suas casas nesta semana. O medo de um grande conflito entre índios e proprietários rurais motivou as pessoas a mudar para a cidade.

Hoje, apenas duas famílias permanecem no distrito tomado pelos índios. Ramão Gonçalves, 29, continua em sua casa e conta que já tirou a maioria de suas coisas e distribuiu em casa de parentes, mas não tem para onde ir, por isso continua no local. Seu tio Ramão Fernandes Roa, 46, foi hoje conversar com as lideranças indígenas.

"Os índios nos deram um prazo para sair, até encontram outro lugar. Está na hora do governo decidir alguma coisa. Estamos vivendo uma situação de medo e parte das famílias jé foi para a cidade", contou Ramão Fernandes. Já o professor Ronaldo Gonçalves, 20, conta que deixou sua casa na noite de ontem.

Ele e a família foram morar em uma casa nas margens da rodovia. "Minha avó que também foi expulsa de casa veio morar com a gente. Estamos em fogo cruzado, ao mesmo tempo que e os índios nos expulsam, nem sempre conseguem ir para a cidade por causa do bloqueio das rodovias feito pelos produtores", conta o professor Ronaldo.

Moradora do distrito mudou as pressas para a cidade e ainda não tem local para deixar toda a sua mudança. (Foto: Marcos Ermínio)
Moradora do distrito mudou as pressas para a cidade e ainda não tem local para deixar toda a sua mudança. (Foto: Marcos Ermínio)
Móveis, roupas e demais pertences das famílias ainda espalhada pelas varandas. (Foto: Marcos Ermínio)
Móveis, roupas e demais pertences das famílias ainda espalhada pelas varandas. (Foto: Marcos Ermínio)

Mudança - Enquanto umas ainda resistem, outras já decidiram deixar de vez o distrito para evitar outros problemas. A funcionária pública Marcelina Gonçalves, 39, nasceu e cresceu em Campestre, mas nessa semana pegou suas coisas, os cinco filhos e se mudou para a cidade. "A vida lá sempre vai ser desse jeito, não quero mais passar por isso".

Ela trabalha como agente comunitária de saúde no distrito, mas pediu transferência para a cidade. "Começamos a ver os índios lá e os produtores sempre por perto, além dos boatos que saem o tempo todo. Como eu tenho criança pequena, achei melhor sair de uma vez", conta Marcelina.

A cozinheira Sueli Pereira, 47, conta que não sofreu ameaça, mas que falaram para ela que iam ocupar o distrito. "Fiquei com medo, saí só com as roupas do corpo, às pressas". Entre as famílias que deixaram suas casas, o discurso é de incerteza sobre o futuro. "Ainda não sabemos o que vai acontecer. As famílias se mudam por medo, mas não temos certeza de nada", conta Jorge Ricardi, 29, que tem uma filha que deixou o distrito.

(Foto: Marcos Ermínio)
(Foto: Marcos Ermínio)

Índios - Os índios guarani-kaiowá lutam pela demarcação do território “Ñanderu Marangatu”, e segundo o Cimi (Conselho Indigenista Missionário) dos 9.700 hectares da área apontada como terra indígena, faltam apenas duas propriedades para serem “retomadas".

Inaye Gomes Lopes, 27, é uma das lideranças dos indígenas e está na fazenda Pio Silva. Ela conta que atualmente são 3 ml indígenas distribuídos em cinco fazendas de Antônio João e que a ocupação tem sido feita de forma pacífica. "Não estamos fazendo ninguém refém, liberamos os caseiros. Só queremos reaver o espaço que é nosso. Não estamos depredando nada, estamos cuidando dos animais e dos materiais", diz.

A líder indígena ainda afirma que ainda não foram procurados pelos fazendeiros para negociar. "Agora é a hora deles procurarem a Justiça para conseguir os direitos. Há 18 anos nós lutamos por essas terras e agora é hora dos proprietários rurais". A preocupação dela é em relação a comida, que tem pouca para alimentar todos e em breve será preciso buscar mais.

Outro indígena, Avelino da Silova, 26, pede que os proprietários retirem as coisas deles. "Tem indígenas paraguaios e até outras pessoas que podem entrar e até depredar as coisas. Demos prazos de 15 a 20 dias para eles retirarem as coisas, mas a entrada tem que ser feita junto com a Polícia Federal", afirma. "Não vamos aceitar dividir a terra. Vamos esperar a Justiça".

Sobre os boatos de que eles querem atear fogo na cidade e até nas fazendas, os indígenas dizem que é mentira, que ninguém expulsou os moradores e nem pegou gasolina. "Não estamos tirando ninguem das casas, as pessoas que saem porque estão com medo".

Em nota emitida hoje, o Cimi atribui os boatos de incêndio na cidade ao Sindicato Rural, órgão comandado pelos fazendeiros."A população chegou a ser informada de que os Guarani e Kaiowá poderiam atear fogo à cidade, boato sem registros históricos de um dia ter sido cometido pelos indígenas"

História - A reserva dos guarani-kaiowá em Antonio João foi homologada em 2005 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva depois de duas décadas de luta entre índios e fazendeiros. Naquele mesmo ano, no entanto, o STF (Supremo Tribunal Federal) suspendeu a homologação e o caso está parado há uma década. Conforme o Cimi, os índios já ergueram acampamentos nas fazendas Primavera, Pedro, Fronteira, Barra e Soberania.

“Restam apenas duas para ÑanderuMarangatu ser ocupada na íntegra pelos indígenas. Os guarani-kaiowá exigem do governo a presença da Força Nacional na região”, afirma o órgão. As fazendas pertencem ao ex-prefeito de Antonio João, Dácio Queiroz Silva e seus irmãos.

Crianças também estão entre os indígenas da ocupação. (Foto: Marcos Ermínio)
Crianças também estão entre os indígenas da ocupação. (Foto: Marcos Ermínio)
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