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Interior

Sem juntar os “parentes”, adeus à Iveth teve salva de palmas na aldeia

Iveth Pereira Moreira se foi aos 51, uma das cinco vítimas da covid-19 entre os terena de Aquidauana

Izabela Sanchez | 24/07/2020 08:48
Campo Grande News - Conteúdo de Verdade

Os terena não tem apenas uma maneira de despedida dos entes queridos. As religiões cristãs, trazidas por colonizadores, disputam espaço com os rituais das práticas originárias da etnia.

Na quarta-feira, dia 22, nenhum ritual de despedida ocorreu na aldeia de Lagoinha, em Aquidauana – distante 133 km de Campo Grande. Foi à distância, com salva de palmas, que a comunidade fez sua homenagem à Iveth, "parente" que foi levada pela covid-19.

As poucas palmas se fazem ouvir na rua de terra vazia, conforme o vídeo, consequência de uma doença que ordena ficar dentro de casa. Iveth Pereira Moreira foi levadas pela covid aos 51, uma das cinco mortes do novo coronavírus em apenas oito dias nas aldeias da Terra Indígena Taunay Ipegue, em Aquidauana.


Jonatas Moreira, primo de Iveth, conta que ela deixa três filhas e oito netos. “Batalhadora”, define ele sobre a prima que tinha comércio, uma vendinha, na comunidade de Taunay Ipegue onde o conceito de família é muito mais do que mãe, pai, avó. Nessa região, é possível dizer que uma família de “milhares” não pode dizer adeus da forma como queria.

São os “parentes”, palavra doce que simboliza exatamente o carinho que os povos indígenas costumam ter entre si, pelos laços que vão muito além do sangue. É comum ouvir entre os terena esse cumprimento camarada.

Sem alarde, enquanto o carro funerário foi levando Iveth, rosto escondido pela regra dura da contaminação, as palmas foram surgindo nas portas das casas. Pareciam querer acordar os “encantados”, nome por vezes dado pelos povos indígenas ao que consideram espíritos da natureza, mas também aos ancestrais.

Iveth, morta aos 51 pelo agravamento da covid-19 (Foto: Divulgação)
Iveth, morta aos 51 pelo agravamento da covid-19 (Foto: Divulgação)

A parente Iveth tratava os rins com hemodiálise na cidade, relata Jonatas. “Tinha diabete e fazia Hemodiálise na cidade de Aquidauana. A contaminação se deu nessas idas e voltas no hospital, sendo que um dos moradores que  também fazia Hemodiálise no hospital, se contaminou e hoje ele está em isolamento total”, conta ele.

Cinco vidas se foram rapidamente entre os terena, confirmadas para a covid-19, conforme apurou o Campo Grande News com a equipe médica local. Até agora o Dsei (Distrito Sanitário Especial Indígena) confirma quatro óbitos. Outros dois ainda são investigados, segundo equipe médica e boletim do distrito.

“Queria vê-la pela última vez só, dizer e agradecer imensamente por tudo o que foi para mim durante todos esses anos. Foi uma mulher forte, maravilhosa pra mim e família! E a saudade tá enorme”, publicou uma sobrinha da parente comerciante.

Jonatas disse lembrar da prima como alguém “sempre sorridente”. Enquanto as incertezas tomam conta, pela doença ainda desconhecida, e outras invadem pela dificuldade com as necessidades básicas de proteção, os terena batem palmas dizendo adeus à “parente” que agora, quem sabe, virou “encantada” em Lagoinha.

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