Jurados responderão a 512 quesitos em júri sobre aborto
A 2ª Vara do Tribunal do Júri de Campo Grande vai ser palco, amanhã, de um dos júris mais rumorosos de Mato Grosso do Sul, o das quatro mulheres acusadas de praticar 25 abortos, quando atuavam na clínica da médica Neide Mota Machado, que morreu no ano passado.
Cada jurado deverá responder 512 quesitos sobre as acusações contra as enfermeiras Libertina de Jesus Centurion, Maria Nelma de Souza e Rosângela de Almeida e a psicóloga Simone Aparecida Cantaguessei de Souza, as rés no processo. O magistrado já requisitou que fosse providenciado hotel e alimentação para os jurados, em razão da demora prevista.
Na primeira data, marcada para 24 de fevereiro, o juri foi suspenso. Além de polêmico, o julgamento deve ser também um dos mais longos já ocorridos no Fórum de Campo Grande. A previsão do juiz titular da 2ª Vara, Aluízio Pereira dos Santos, é que sejam pelo menos 3 dias de duração.
"Esse é um júri com características muito específicas, pois além de serem quatro réus, são 25 crimes envolvidos", explicou. Santos afirmou que o acesso ao plenário vai ser liberado até o limite de lotação, de 120 pessoas, e que manifestações contrárias ou favoráveis só serão aceitas do lado de fora.
O caso chamou a atenção do País para as discussões sobre o alto número de abortos clandestinos e deve atrair representantes de entidades que defendem a descriminalização do aborto nacionalmente.
Dinâmica - O juiz explicou que os jurados vão ser indagados sobre cada um dos abortos que teriam sido praticados pelas rés, e a cada caso, são 5 perguntas. Por isso, serão 25 séries de perguntas para cada réu, somando 125 quesitos, e um total de 500.
Além disso, haverá uma 26ª série de perguntas, sobre a acusação de formação de quadrilha. Neste caso, serão 3 quesitos para cada ré, somando mais 12. Considerando que para cada pergunta a previsão de duração é de 3 minutos, só para os jurados responderem se consideram as acusadas culpadas ou inocentes devem ser mais de 25 horas.
O júri terá ainda a leitura de trechos dos autos, o sorteio dos 7 jurados entre os 25 convocados, as exposições da acusação e da defesa, a réplica e a tréplica, a reunião do conselho de sentença e por fim a manifestação do juiz. Em caso de condenação, ele arbitrará a sentença. Cada uma das acusadas pode receber penas entre de 26 a 104 anos de reclusão.
Quando começou - O julgamento ocorre quase 3 anos depois de a clínica da médica anestesista Neide Mota Machado ser fechada, como resposta à repercussão provocada por reportagem exibida na TV Globo, mostrando para o País uma realidade que muitos conheciam há vários anos no Estado. A clínica funcionou por mais de 20 anos.
Cerca de dez mil fichas foram encontradas no lugar. Em 1,2 mil foram encontrados indícios confirmando a realização do procedimento.
A dona da clínica, que também seria julgada, foi encontrada morta em dezembro do ano passado. O inquérito concluiu que ela cometeu suicídio.
O júri das quatro funcionárias estava marcado para o dia 24 de fevereiro, mas foi suspenso diante do pedido da defesa para o afastamento de dois promotores, acatado pela justiça.
Ao comentar as críticas vindas de organismos de defesa dos direitos da mulher sobre o caso, o juiz Aluízio Pereira dos Santos disse que apenas está cumprindo seu dever, uma vez que o aborto fora das exceções previstas em lei ainda é considerado crime no País. "Se não estaria prevaricando", declarou, em alusão ao crime de prevaricação, caracterizado quando uma autoridade deixa de desempenhar tarefas de sua função.
Ao mundo - Organizações não-governamentais prometem levar o caso aos organismos internacionais por suposta violação dos direitos humanos.
Mas não está programado protesto no fórum amanhã. As ONGs vão esperar a conclusão do júri para reforçar as denúncias aos órgãos internacionais de que o direito à privacidade das mulheres não está sendo respeitado, já que as fichas médicas foram apreendidas sem processo legal.
Também acusam da falta de proteção e garantias judiciais, já que centenas de mulheres foram chamadas à delegacia para prestar depoimento e serem indiciadas pelo crime de aborto.
As ONGs recorrem aos altos índices de mortalidade materna no Estado, de 70 por 100 mil, considerado o 7º maior percentual nacional. Também ficou em segundo lugar em 2005 em violência contra mulheres, considerando-se números do IBGE.
As organizações classificam o "júri popular" com o capítulo mais triste da história do desrespeito ao direito feminino em Mato Grosso do Sul. A denúncia já foi palco até de debate na Câmara dos Deputados.