Pensões viram 2º lar para quem precisa tratar a saúde longe de casa
Falta de médicos, equipamentos e estrutura precária em hospitais e postos de saúde de cidades do interior de Mato Grosso do Sul obrigam moradores que precisam de atendimento a viajar até Campo Grande. No entanto, a vinda para a Capital não é feita por conta dos pacientes, toda uma estrutura é criada e bancada há anos pelas prefeituras das cidades que chegam a pagar diárias e alimentação em pensões para pacientes e parentes que passam dias, semanas e até meses fora de casa.
O que mais revolta muitos moradores que passam vários dias na Capital e são obrigados a fazer das pensões e dos hospitais uma segunda casa é que o dinheiro investido no transporte e nas diárias poderia ser usado para sanar problemas antigos vividos na rede de saúde de cidades do interior.
Álvaro Campos, 63 anos, é um deles. Morador de Guia Lopes da Laguna, distante 227 quilômetros da Capital, ele tem de vir à Capital toda vez que precisa de uma consulta com especialista em próstata. Na época que passou por cirurgia, há três meses, ele chegou a ficar mais de 15 dias fora de casa, tudo bancado pela prefeitura da cidade.
“Seria melhor se investissem esse dinheiro na saúde da nossa cidade, mas não tem como e eles encontram essa saída pra que a gente não morra sem atendimento”, explica. Para continuar as consultas e o tratamento, Álvaro deve fazer várias horas de viagem de Guia Lopes para Campo Grande até o fim do ano.
Para não deixar o pai idoso sozinho, Alvanei Camargo, 33 anos, deixa o trabalho e acompanha o pai durante as viagens, tudo é feito em vans ou carros da prefeitura. “Nós fazemos uma viagem de 3 horas, saímos de madrugada da nossa cidade e chegamos aqui lá pelas 6 horas, hoje vamos esperar até às 11 horas para a consulta e depois voltamos pra casa”, conta o filho de Álvaro.
Pensões ou dormitórios, como são mais conhecidos entre os pacientes, fazem parte do cenário do entorno de hospitais de Campo Grande. Santa Casa, Hospital Universitário e Hospital Regional, todos essas unidades convivem com espaços destinados a pacientes do interior do Estado.
Na região do HU, das quatro pensões que existem, três delas têm convênio com prefeituras de quase todas as cidades para atender os pacientes. E a situação, contam os donos dos estabelecimentos, é comum por toda a cidade.
Há três anos, Aldimira Lescano da Silva, 52 anos, abriu uma pensão na Avenida Manoel da Costa Lima, distante cerca de dois quilômetros do Hospital Universitário. Natural de Porto Murtinho e acostumada a ver a dificuldade de pacientes que passavam dias na Capital com pouco conforto, ela decidiu abrir a Pensão da Boneca.
Com documentos da vigilância sanitária e contratos de convênio com as prefeituras em mãos, Aldimira conta que a pensão possui capacidade para mais de 50 pessoas e vive lotada. Ela explica que todo o procedimento é feito por meio de processos licitatórios abertos pelas prefeituras.
“Eu atendo algumas cidades como Porto Murtinho, Jardim, Nioaque, Bodoquena, Sonora, Coxim e outros. É claro que é um trabalho, mas nós ajudamos essas pessoas que muitas vezes passam longos períodos em Campo Grande. Aqui é como se fosse a segunda casa deles”, explica a dona da pensão.
Quem passa em frente ao estabelecimento logo percebe que o público predominante é de pacientes. Ambulâncias, vans, carros e até ônibus adesivados com a logomarca de inúmeras prefeituras ficam estacionadas ao redor da pensão.
Aldimira explica que a maioria dos pacientes passa de três dias a uma semana na pensão. Mas há casos de doentes e parentes que ficam até três meses fora de casa. Na pensão, o cenário é parecido com o de uma grande casa. Há o refeitório, a sala de televisão, os quartos e a varanda, onde vários pacientes ficam enquanto esperam o horário das consultas. Para levá-los até os hospitais, a pensão conta com uma van que transporta os hóspedes.
“A gente acaba virando uma família para eles. Tem gente que eu trato como minha mãe e outros são amigos de verdade. Eu me sinto bem de fazer esse trabalho, mesmo sabendo que é difícil para eles viajar tanto assim para conseguir atendimento”, completa.
Outro local destinado ao atendimento de pacientes do interior é o Dormitório Mato Grosso, situado no bairro Universitário. Walter Pereira, 49 anos, é dono do estabelecimento que funciona há 10 anos e possui vários convênios com prefeituras.
“Nós participamos dessas licitações há muito tempo. A maioria delas é do menor preço, nosso valor da diária é cerca de R$ 40 por pessoa e em média eles ficam hospedados de três a quatro dias”, conta Walter que explica ainda que no valor pago pelas prefeituras está incluso o café da manhã, almoço e jantar.
No papel - Muitas cidades do interior não disponibilizam ou especificam os valores gastos com transporte e as pensões no Portal da Transparência. No entanto, em um levantamento, a reportagem encontrou valores que vão de R$ 5,7 mil a R$ 15 mil gastos nos primeiros seis meses deste ano em cidades como Pedro Gomes, Nova Alvorada do Sul e Nioaque. Os valores incluem transporte e diárias em pensões.
No dia 18 de julho, a prefeitura de Corumbá, que inclusive possui o setor de oncologia para atender pacientes com câncer, abriu processo licitatório para contratar empresa para trasportar pacientes da cidade branca até Campo Grande.
Organizada pela Secretaria Municipal de Saúde, a licitação foi prorrogada e a abertura presencial das propostas está marcada para o dia 11 de agosto. Conforme o edital, a prefeitura busca empresa especializada com ônibus leito e semi-leito para transporte de doentes e parentes.
No início de julho, o Governo do Estado repassou para a administração de 58 cidades do interior R$ 8,6 milhões para serem investidos na Saúde dos municípios. Na época, a maioria dos prefeitos e secretários afirmou que a maior parte dos valores seria investido na compra de ambulâncias, carros e vans.
O prefeito de Rio Verde, Mario Kruger (PT), por exemplo, disse que investe R$ 250 mil por mês em viaturas e ambulâncias. “A situação é insuportável, precisamos de ajuda porque temos só 14 médicos na cidade”.