Lei do Rateio e falhas na gestão mantêm dor e caos na saúde
Cada sul-mato-grossense custa em média R$ 205,37 ao ano para os cofres públicos. Por dia, são meras moedinhas: R$ 0,70
Há um ano e meio a vida de Antônio de Oliveira, 58 anos, é viajar. Por mês, percorre quase três mil quilômetros nas viagens semanais entre Nova Alvorada do Sul, cidade onde mora, e Campo Grande, cidade onde mora a máquina que lhe permite viver.
“O mais difícil é a volta para a casa. Saio muito debilitado e precisa pegar a estrada”, conta o paciente renal crônico, que vem à Santa Casa da Capital para fazer hemodiálise todas as terças, quintas e sábados.
Os percalços de Antônio estão na ponta de um processo que envolve leis, burocracia, distribuição de recursos e cifras milionárias do SUS (Sistema Único de Saúde), criado há 26 anos. Em Mato Grosso do Sul, uma lei permite há 13 anos que dinheiro da saúde seja transferido para outros fins.
Trata-se da Lei 2.261, de 16 de julho de 2001, que “disciplina sistema de rateio de despesas e apropriação de custos entre órgãos da administração direta, autarquias e fundações”.
“O Estado de Mato Grosso do Sul tem a Lei do Rateio, que tira o dinheiro da saúde desde a época do Zeca [do PT]. Tira R$ 200 milhões da saúde. Pode usar para pagar servidor inativo, várias coisas”, afirma o presidente do Cosem/MS (Conselho de Secretários Municipais de Saúde), Frederico Marcondes Neto.
De acordo com ele, a entidade vai questionar os postulantes ao cargo de governador sobre a possibilidade de revisão deste dispositivo legal.
Conforme relatório do TCE/MS (Tribunal de Contas do Estado), que analisa a prestação de contas do governo do Estado, apesar de Mato Grosso do Sul ter contabilizado o gasto de 12,5% do produto da arrecadação dos impostos, a conselheira Marisa Serrano apontou que os gastos efetivos com ações e serviços de saúde pública alcançaram apenas 8,44% (R$ 538 milhões) em 2013.
A razão é o expurgo de R$ 224.234.705,10 decorrentes da Lei 2.261, não atingindo o mínimo constitucional de 12%. No entanto, a diferença deverá ser compensada neste ano. Por sua vez, o Ministério da Saúde informa que o Estado investe 12,5% do orçamento na área.
O preço - Para o presidente do CRM/MS (Conselho Regional de Medicina), Alberto Cubel Brull Junior, o governo federal também falha no financiamento do SUS. “Eu tenho a grana e vou soltando como eu quero”, afirma, ao explicar a postura da União.
Segundo ele, as entidades médicas defendem o projeto “Saúde mais dez”, que obriga a investir 10% de toda a arrecadação na saúde.
“Investem muito mal. O Brasil gasta 520 dólares em saúde por pessoa. A Argentina, um país que está quebrado, com moratória, gasta 576 dólares”, diz.
Os dados divulgados pelo CFM (Conselho Federal de Medicina) colocam Mato Grosso do Sul em 23º lugar no ranking nacional de gasto público per capita em saúde. Cada sul-mato-grossense custa em média R$ 205,37 ao ano para os cofres públicos. Por dia, são meras moedinhas: R$ 0,70.
A análise considerou as despesas apresentadas pelos gestores à Secretaria do Tesouro Nacional, do Ministério da Fazenda, por meio de Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária.
Cobertor curto - Enquanto o acesso à saúde pública aumenta na atenção básica, se afunila nas etapas subsequentes: exames e consulta com especialistas. Desta forma, o cobertor é curto, cobre de um lado e descobre do outro.
Para o presidente do CRM, Alberto Cubel, o desafio é melhorar a média complexidade, oferecendo os procedimentos em cidades polos do interior: Três Lagoas, Dourados e Corumbá. No rol da média complexidade, estão, por exemplo, cirurgias de vesícula, hérnia, tratamento da pneumonia.
“Os polos regionais mandam para cá [Campo Grande] porque não têm o mínimo suficiente para o atendimento”, salienta Cubel.
Contudo, ele avalia que o problema não se resume aos parcos recursos. “Tem que ter gestão profissionalizada. Se for para o interior, tem secretário de saúde que é o motorista da ambulância. Tem que ter gestão qualificada. Olhar para a saúde com o novo olhar”, afirma.
O CRM sugere a criação da carreira de médico, a exemplo dos juízes. “Com plano de cargas e carreira, segurança”, defende.
Sangue e imagem – Presidente do Cosem/MS, Frederico Marcondes Neto avalia que Mato Grosso do Sul poderia adotar medidas tomadas por Mato Grosso, São Paulo e Rio de Janeiro.
De acordo com ele, exames de sangue e imagem foram repassados para fundações, que cobram a tabela SUS em troca de redução de impostos. Ano passado, chegou a ser discutida a possibilidade de 34 prefeituras assumirem a contratação direta dos serviços, desvinculando os exames de Campo Grande.
Num cenário de problemas, os elogios vão para a atuação do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) nas cidades dos interior. “É o atendimento muito qualificado. Antes, o motorista da ambulância acudia e levava para o hospital. O atendimento qualificado ajuda na sobrevivência do paciente”, diz.
No primeiro semestre deste ano, a atenção básica, que são os postos de saúde, recebeu do SUS R$ 113 milhões no Estado. Enquanto a a média e alta complexidade, R$ 360 milhões.