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Em Pauta

A longa viagem da humanidade para aplaudir uma doente mental

Mário Sérgio Lorenzetto | 08/08/2021 09:51
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Assistimos a um momento raro nas Olimpíadas: o dia em que uma doente mental foi aplaudida e consagrada no planeta. Essa foi uma das últimas amarras da camisa de força que prendia a todos que tivessem algum tipo de doença do cérebro. Liberdade, enfim. Não é para menos. O cérebro levou milhares de anos para ser minimamente compreendido.


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Pedacinhos de cérebro dos faraós.

Os registros mais antigos de homens vendo o cérebro datam de 4.000 anos e vieram do Egito. Os sacerdotes que viram o cérebro inseriram um gancho pelo nariz dos faraós mortos e pescaram o cérebro, pedaço por pedaço, até esvaziar por completo o crânio, preenchendo em seguida o espaço vazio com panos. Não viram o cérebro, enxergaram pedaços dele.


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O assobio da câmara vazia.

Ali em frente, atravessando o Mediterrâneo, os gregos consideravam aquilo que estava dentro crânio sem importância. Outros, davam-lhe diminuto valor, entendiam que era uma concha de muco pulsante, abrigo de câmaras vazias que assobiavam com o movimento dos espíritos que por elas passavam. Muitos séculos se passaram. Durante muito tempo, entenderam que o cérebro era apenas uma central de fios elétricos, por vezes, dando choques por todos os lados.


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Da rede telefônica à um laboratório químico.

Foram necessários mais de dois milênios para os cientistas perceberem que o cérebro era menos uma central telefônica cheia de fios e mais um laboratório químico. O truque era manter as moléculas da mente bem equilibradas. As doenças mentais foram redefinidas como "desequilíbrios químicos" do cérebro, com escassez ou excesso de uma substância ou outra. As drogas mentais funcionavam restaurando o equilíbrio químico. E essa drástica mudança se deu com a invenção da clorpromazina (CPZ).


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A era da CPZ e dos tarja-pretas.

Em 1952, o foco do tratamento das doenças mentais era o eletrochoque. Dois franceses, Jean Delay e Laborit usaram drogas. Inventaram um medicamento que denominaram RP-4560, depois denominado clorpromazina. Ajudou a aliviar a coceira e a ansiedade num paciente com feridas. Conteve o enjoo de uma grávida. E parecia funcionar numa vasta gama de doentes mentais: foi testado em neuróticos, psicóticos, deprimidos e esquizofrênicos.


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A Nova Revolução Francesa.

Às vezes o remédio não causava efeito algum. Mas muitas outras vezes ajudava. E em alguns casos os efeitos pareciam milagrosos. Era o começo de um ano que um historiador batizou de "Revolução Francesa de 1952". Estava dada a largada para a era dos remédios para combater as doenças mentais.


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Um vaso de flores na cabeça.

Delay escolheu o Sainte-Anne, um hospital militar de Paris, para testar o RP-4560. O primeiro paciente foi Giovanni A., um trabalhador de 57 anos levado pela polícia em março de 1952, delirante e incoerente. Estava perturbando as ruas e os cafés de Paris, usando um vaso de flores na cabeça e gritando coisas sem sentido. Parecia ser esquizofrênico, ou seja, incurável. Depois de nove dias de tratamento, ele era capaz de ter uma conversa normal. Após três semanas, recebeu alta.

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