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Em Pauta

Israel me faz sentir um homem de esquerda

Mário Sérgio Lorenzetto | 02/04/2019 07:45
Israel me faz sentir um homem de esquerda

Centro. Sempre ao centro. Sempre ao lado do equilíbrio. Não só na ideologia, mas na alimentação, na bebida, na vida, em qualquer de suas instâncias. Israel me fez sentir um homem de esquerda. É um país sufocante. Amanhece e anoitece com armas em baixo do travesseiro. Israelenses e palestinos comem as carnes e bebem o sangue uns dos outros. Não há lugar onde você possa ir sem observar um canhão ou uma metralhadora escondida.
O responsável por sentir-me de esquerda é Amos Oz. O melhor escritor israelense viveu, desde os 14 anos, em um kibutz, uma fazenda idealista dos primórdios de Israel. Seu primeiro livro - "Talvez em outro lugar" - provocou uma grande controvérsia em seu país. Nele fazia uma minuciosa análise da vida nesses pequenos recintos idealistas que eram os kibutzs. Dizia, ironicamente, que o intuito dessas fazendas era "criar pessoas boas e saudáveis, sem sequer suspeitar que os seres humanos não são nem bons e nem saudáveis".

Israel me faz sentir um homem de esquerda
Israel me faz sentir um homem de esquerda

Um dos maiores escritores da humanidade vivia em uma casinha.

Oz vivia em uma pequena casinha de madeira no kibutz Hulda, que tive o desprazer de conhecer. Lá, há um grande canhão para defender uma creche. Oz, o mais importante intelectual de seu país, tinha de levantar-se cedo para trabalhar no campo com as mãos. Mas vivia feliz porque os dirigentes do Hulda lhe permitiam dedicar as tardes a escrever. Nada de muito estranho em um país onde 28% de seus homens não trabalha nem estuda, apenas lê a Torá - o livro sagrado do judaísmo - diariamente, devidamente sustentados pelo governo.
Oz, mesmo idoso, era um jovem otimista, para muitos aproximava-se, em demasia, da esquerda. Pelas coisas que ali fazia, escrevia e dizia aos jornais, me fazia sentir à esquerda. Não é possível viver compartilhando e aprovando atrocidades - tanto a de judeus na época do Holocausto quanto a dos palestinos atacados pelos ortodoxos extremistas judeus.

Israel me faz sentir um homem de esquerda
Israel me faz sentir um homem de esquerda

O Movimento Paz Agora que chegou a contar com milhões de seguidores.

Tudo que Oz escreveu tinha a ver com problemas reais e essa preocupação com a vida política e social, inevitável para um escritor israelense, o tornava um lutador encarniçado pela paz. Foi um dos principais fundadores do Movimento Paz Agora, que chegou a ter milhões de seguidores em Israel. Lutou toda a vida pela paz entre israelenses e palestinos. Conhecia os estragos terríveis que as guerras causam, já que havia participado de duas delas, a Guerra dos Seis Dias e a do Yom Kipur.
Era um sionista convicto e confesso. Acreditava que os israelenses tinham direito a ocupar uma terra à qual estavam ligados historicamente. Mas seu sionismo não o impedia de ver as injustiças que os judeus cometiam nos territórios ocupados. Por isso, defendeu até o fim de seus dias a ideia de dois Estados - um israelense e outro, palestino.
Oz faleceu desanimado e silencioso. Não foi só pelo câncer que o devorou, mas pela perda de esperança de ver a paz em seu país. Nos últimos tempos, Oz auxiliava a divulgação do grupo "Breaking the Silence", no qual os soldados de Israel denunciam os abusos cometidos por seu exército.

Israel me faz sentir um homem de esquerda
Israel me faz sentir um homem de esquerda

A sufocante vida em um bairro árabe.

É verdade que deve ser muito difícil ser um escritor laico em Israel, onde, em cada eleição, sempre voltam ao governo as mesmas pessoas e as mesmas políticas extremistas, graças a pequenos partidos de fanáticos religiosos, cujos votos garantem a maioria ao governo imperante.
Em Israel a democracia existe de fato. Mas só para os israelenses. Basta andar umas poucas quadras, ir a um bairro árabe, para sentir o sufoco. Todos estão submetidos a um rígido controle militar e policial, as ruas são bloqueadas. Não se pode nem mesmo falar em voz alta. Israel deve ser um dos poucos lugares do mundo onde o aroma da esquerda é o mesmo do melhor perfume francês. São eles que lutam pela paz.

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