Judas, o maldito dos malditos, muito mais que um traidor
Hitler?Nero? Átila?... não há figura histórica mais odiada que Judas Iscariotes. Traidor, delator, dedo-duro são termos que não tem o mesmo peso de ser chamado de Judas. Há algumas décadas, havia um dia dedicado a surrá-lo. As crianças se aglomeravam em volta de um boneco de pano, pendurado no poste, para sová-lo com pedaços de pau. Nas penitenciárias só os pedófilos ocupam escalão inferior aos Judas, são os mais execráveis. É o nome mais identificado com o mal. Traiu Jesus com um beijo e o entregou à morte. Porém, nos últimos anos, graças à arqueologia e a novos estudos históricos, esse discípulo maldito do Novo Testamento está sendo colocado em um terreno mais ambíguo.
Repulsa nas artes.
Nem o demônio é tão vilipendiado pelas artes quanto Judas. Caravaggio e Carraci são considerados os pintores que construíram as piores imagens de Judas. Borges, Saramago, Anthony Burgess e Amos Oz, enfrentaram nas letras esse apóstolo com tintas que não deixam o menor espaço para alguma dúvida: a personificação do mal.
Os motivos da traição e a morte.
As famosas 30 moedas ou a influência do diabo? Pouco importa, o que todos querem ler é como foi sua morte. Enforcado? Suicídio? Destripado, com os intestinos pendendo da barriga? Quanto mais pavoroso, melhor. Mateus, Lucas, João ou Marcos contam histórias diferentes sobre o momento da morte de Judas. A Bíblia inclui também uma ideia poderosa: a de que Jesus sabia que seria traído porque formava parte do plano divino para sua morte e ressurreição. Daí a famosa frase: "O que vai fazer, faça-o logo". Os demais apóstolos também não se comportaram bem nos momentos finais de Jesus, mas quem se lembra disso? Pedro, por exemplo, o nega três vezes.
Um guerreiro radical, a última versão de Judas.
A mais recente imagem construída pelos estudiosos da vida de Judas diz que ele foi um guerreiro radical. Provavelmente, afirmam esses estudiosos, era um discípulo desencantado com a linha messiânica que Jesus havia adotado. A ideia de amar o próximo não era o que ele tinha em mente, era mais voltado à guerra, à violência, uma linha mais davídica.
Evangelho de Judas, o achado.
O mais importante achado relacionado com essa figura foi o chamado Evangelho de Judas, descoberto nos anos 70 no Egito e restaurado em 2006, em um projeto encabeçado pela National Geographic. Esse texto gnóstico, seguramente do século II, oferece uma visão totalmente diferente de Judas. Conforme esse evangelho, Jesus havia pedido a Judas que o delatasse para provocar sua crucificação e ressurreição, e propiciar assim, a salvação da humanidade. Com certeza, haviam grupos cristãos nessa época - século II d.C. - que defendiam Judas. Ele teria se sacrificado para cumprir a dura missão de trair. Até o final da Antiguidade, existiam grupos cristãos que liam textos com um Judas amenizado. O velho e novo Judas é difícil de catalogar, um homem ambíguo, nem inocente, nem tão perverso, metido em uma trama que acabou por destruí-lo. Talvez já não seja tão odiado, mas nunca será admirado. Esse é o melhor fim que um Judas pode almejar.