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Em Pauta

O Mágico e o Gay. Como Bolsonaro entra na periferia

Mário Sérgio Lorenzetto | 03/06/2017 07:38
O Mágico e o Gay. Como Bolsonaro entra na periferia

A melhor relação do mundo é a existente entre o avô e suas netas. Mas um avô deve se preparar para fazer sucesso com suas netinhas. Em dado momento, eles poderão ser convidados para apresentar suas profissões na escola das crianças.

O que dizer a crianças de 2 ou 3 anos sobre minhas atividades? Tarefa difícil. Difícil para o entendimento e para diferenciar dos outros avós. Todos são médicos, engenheiros, advogados... profissionais liberais. A saída imaginada para o sucesso entre a criançada, e alegria da neta, é a de aprender outra profissão: vou aprender as artes da magia.

Ninguém sabe informar onde há uma escola de mágicos em Curitiba. Recorro à internet. Muitos cursos, mas penso não dispor de habilidades manuais necessárias. Enfim, descubro um mágico em um distante bairro da capital paranaense.

Em meio às tratativas de horários e pagamento do curso, descubro um dos "insumos", um forte argumento de como Bolsonaro está entrando nas periferias.

O professor de magia questiona: "2018 já começou, o senhor vai de Lula ou Bolsonaro?". Nem me permite responder e continua: "Gosto do Lula, mas ele está velho e teve câncer, não aguentará governar um país em crise". E explica a opção por Bolsonaro: "É o único que impediu o Brasil de virar um país de gays. Foi ele que barrou ensinar homossexualismo nas escolas e não admite as paradas gays". Indago: "Mas com esse discurso vocês se aproximam da homofobia".

Ele rebate: "Aqui no bairro tem dois gays, um é um sujeito bem educado e bem quisto por todos, o outro, provoca as mães dizendo que vai "pegar" seus filhos e fica gritando na rua quando têm parada gay". O Magico garante que não é homofóbico, mas não tolera os excessos de comportamento e as paradas gays.

É nesse vão do comportamento humano, contra os excessos das políticas petistas, que Bolsonaro cresce. Nem pró-gay, nem homofóbico. Bolsonaro não diz a que veio no fundamental e decisivo campo da economia, mas combate a radicalidade petista. Não é contra índios, mas não aceita a invasão de terras. Assim, conquista fazendeiros.

Não é contra a péssima educação de nossas escolas, mas promete que todas serão colégios militares, um exemplo de boa educação no Brasil. Só radicaliza quando se trata de bandido (para ele, "bandido bom é bandido morto", um dos maiores sonhos das periferias).

Bolsonaro é o candidato dos desvãos da sociedade, entra, onde os políticos que nunca foram às periferias, nem imaginam o que seus moradores pensam. Aprendam com o Magico : o Brasil da periferia deseja os vãos, não quer exageros comportamentais, quer magia. Podem chamar de "salvador da pátria ". O resto é " espuma bolsonariana". Muito barulho para nada.

O Mágico e o Gay. Como Bolsonaro entra na periferia

Ovelhas brancas e ovelhas negras.

Há leitores com um só olho. Alguém contava a história de um parente que, ao dizer que havia lido "Guerra e Paz", a imponente novela de Tolstoi, confessava: "Só li os capítulos de paz".

E há leitores com dois olhos. Leram um lado e o outro da trama, fazem uma ideia global, não se satisfazem apenas com a "Guerra" ou com a "Paz". Veem os dois espectros dos acontecimentos.
Com os jornais acontece o mesmo fenômeno. Ler apenas um lado das notícias é a clara necessidade de ir ao oculista. É possível que estejam lendo com somente um olho.

Com a intromissão da internet no gosto, nas ideias e ideologias, agora, todos passaram a levantar o dedo muito rapidamente. Passamos a viver em um Coliseu Romano. Polegares para cima, aprovamos. Para baixo, matamos a ideia. Ler com uma ideia fixa e preconcebida é um prazer... para um olho.

Dizia Arhur Miller que um jornal é uma nação discutindo consigo mesmo. Para o autor de "Bruxas de Salem", um marco da perseguição desenfreada, um jornal, ou qualquer meio de comunicação, não poderia ser os olhos e ouvidos de uma nação com só um pensamento. Uma nação de caolhos.

Já não há mais debate. Ou lê e ouve o que deseja ou aperta o botão "off", desliga. Vivemos no mundo do aplauso fácil. Agora, as ovelhas negras são obrigadas a dormir... ou serão sacrificadas no templo do "Deus Caolho". Só as ovelhas brancas podem se expressar.

O Mágico e o Gay. Como Bolsonaro entra na periferia

Rock and roll e o racismo.

Em meados de 1956, o rock and roll já era um gênero musical reinante. Arrasava entre a juventude dos Estados Unidos e em outros países. Também tinha um "star system" recém estabelecido, mas vibrante - Elvis Presley, Bill Haley, Little Richard e Fats Domino - estavam despontando, a poucos meses de saltar para o estrelato.

Para os EUA mais conservador, isso trazia um problema de ordem moral, política e racial. O fato de que tantos jovens brancos estivessem começando a admirar o que esses setores mais conservadores chamavam de "negro music" os colocavam a cada dia mais nervosos.

O próprio Elvis sabia, por sua experiência no sul dos EUA, o que significava receber insultos por ser aficionado pela música negra. Nas cidades do sul, onde havia nascido o rock and roll, a segregação racial era norma das sociedades.

Os brancos viviam em alguns bairros e os negros em outros. Inclusive havia canções que mencionavam esse fato. A frase "the other side of the tracks" (o outro lado da via do trem) surgia em várias canções pelo fato de que os trilhos serviam de fronteira entre bairros brancos e negros (como se vê, fronteira para eles está em todo lugar, pois está na alma desse povo).

Para uma parte importante da juventude branca, todavia, isso não tinha muito efeito: o que lhes interessava era só a música que soava nas rádios e a cor da pele era uma questão secundária. Os músicos brancos de rock and roll haviam crescido ouvindo música negra - em alguns casos, escondidos de todos - e entre músicos profissionais a cor da pele era algo irreal, sem sentido.

Os ouvintes de rock tinham uma atitude semelhante e ignoravam as barreiras raciais. Queriam dançar e divertir e se esse entretenimento era proporcionado por negros, para eles estava bem, não era problema. Para a juventude negra também não havia problema de cor da pele. Pelo contrário, quase todos acreditavam que Elvis era negro quando ouviam suas musicas pelas rádios.

Um dos exemplos mais marcantes é a paixão de Jimi Hendrix, que tinha treze anos nessa época, por Elvis. Fazia desenhos de Elvis rodeado de letras de suas canções, alguns dos quais estão conservados até hoje.

Concorrendo com o racismo, havia a crença de que o rock conduzia para a depravação e delinquência. Essa ideia nem sequer era exclusiva dos brancos, em muitas famílias negras o rock era considerado pecaminoso e, inclusive, diabólico por causa de algumas letras tidas como indecentes e também devido a um ritmo entendido como sensual em demasia.

Os setores conservadores, felizmente, não foram capazes de deter a onda do rock and roll.

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