Escrita: vilã ou mocinha? Depende do ponto de vista
Um dos fatos que marcaram muito a minha existência enquanto professor aconteceu fora da sala de aula, mais precisamente em uma praia. Estava curtindo as minhas merecidas férias quando um garoto se aproximou e pediu para mostrar a sua arte; concordei e ele começou a pintar com os dedos um pequeno azulejo. Fiquei impressionado com a habilidade artística daquela criança, pois em instantes o azulejo branco e sem graça havia se transformado em um quadrinho digno de exibição em qualquer parede do mundo. Decidi comprar a obra de arte e pedi para o menino assinar a sua criação, ele enrolou, enrolou e acabou indo embora sem assinar. Um casal ao meu lado também tinha comprado a pintura e eu perguntei se ele havia assinado e eles disseram que não. Então a minha desconfiança se concretizou: ele não sabia escrever.
É notório que existe um abismo imensurável entre um analfabeto e alguém que escreve mal, mas estamos assistindo de camarote a curiosa geração com deficiência de escrita, tanto na escrita à mão quanto na digitação. E isso não é exclusivo de alunos que estudam em escolas com baixa qualidade de ensino, pois até os estudantes de escolas de alto padrão sofrem com esse mal.
A escrita é uma habilidade fundamental que desempenha um papel crucial em diversos aspectos da vida. Escrever mal na infância pode ser um motivo de preocupação para os pais, mas não, necessariamente, indica limitações cognitivas. É verdade que, com o advento da tecnologia e o uso crescente de dispositivos eletrônicos, muitas escolas têm dado menos ênfase à caligrafia tradicional nas aulas. No entanto, a caligrafia ainda tem seu valor, pois pode melhorar a motricidade fina, a concentração e a capacidade de memorização. Algumas escolas e educadores reconhecem essa importância e buscam encontrar um equilíbrio, integrando exercícios de caligrafia em suas práticas de ensino. Isso pode ajudar os alunos a desenvolverem uma escrita legível e oferece benefícios adicionais ao aprendizado. Além disso, a caligrafia pode promover a estética e a criatividade, permitindo que os alunos se expressem de maneira única.
A diminuição do ensino da caligrafia nas escolas pode levar a algumas consequências, tanto em termos de habilidades práticas quanto no desenvolvimento cognitivo e emocional dos alunos. Portanto, reintroduzir essa prática nas escolas pode ser uma maneira de resgatar habilidades importantes que parecem estar se perdendo na era digital. Existem várias razões pelas quais uma criança pode ter dificuldades na escrita, tais como:
1. A habilidade de escrever é um processo motor fino que pode levar tempo para se desenvolver;
2. Algumas crianças podem ter dislexia ou disgrafia, que são tipos específicos de dificuldades de aprendizagem;
3. Problemas não diagnosticados no campo da visão podem afetar a capacidade de uma criança de escrever corretamente;
4. Estresse, ansiedade ou problemas no ambiente escolar ou familiar podem impactar o desempenho escolar;
5. Cada criança se desenvolve em seu próprio ritmo, e isso pode incluir o desenvolvimento da escrita.
Encorajar a criança a continuar explorando sua criatividade na arte, enquanto se introduzem gradualmente atividades relacionadas à escrita, podem resultar em um desenvolvimento mais abrangente e harmonioso. Portanto, investir no desenvolvimento de habilidades de escrita pode ter um impacto significativo em uma trajetória profissional, contribuindo para o sucesso em diversos setores.
Vale ressaltar o quanto a criatividade e a expressão artística são agregadoras nesse processo, pois elas podem se manifestar de várias formas, mesmo sem a habilidade de escrita; a habilidade de produzir artes visuais é uma forma valiosa de expressão. Isso pode indicar que a criança possui um talento natural que pode ser cultivado e desenvolvido com suporte e incentivo. Algumas podem ter dificuldades com a escrita, mas se destacam em outras áreas, como a arte. É importante reconhecer e valorizar essas habilidades.
A arte pode ser uma ferramenta poderosa para ensinar escrita. Por exemplo: a criança pode contar histórias por meio dos seus desenhos, e essa narrativa visual pode ser o ponto de partida para aprender a escrever. Incentivar a combinação de arte e escrita pode ajudar no desenvolvimento de ambas as habilidades.
É essencial que o ambiente educacional seja inclusivo e ofereça suporte a crianças com diferentes habilidades. A presença de programas que incentivem a expressão artística pode ajudar nesse sentido. Além de auxiliar na expressão emocional, a arte pode contribuir para o desenvolvimento de várias habilidades, como pensamento crítico, resolução de problemas e trabalho em equipe. Embora a caligrafia possa não ser tão enfatizada atualmente, é importante considerar maneiras de integrar seu ensino, buscando um equilíbrio que reconheça a relevância da escrita à mão dentro do contexto moderno.
A falta de tarefas escritas nas escolas pode, de fato, ter várias consequências significativas para o processo educativo dos estudantes, pois para retenção do conhecimento as tarefas escritas são importantes, já que contribuem para a consolidação do aprendizado dos estudantes. Sem estas tarefas, os alunos podem ter mais dificuldade em reter e compreender plenamente o material ensinado em sala de aula.
A prática regular da escrita é essencial para que os alunos desenvolvam habilidades importantes, como gramática, coesão textual e capacidade de argumentação; a ausência de tais atividades pode resultar em um déficit nessas áreas. Sem a prática de tarefas escritas, os discentes podem não estar adequadamente preparados para exames que requerem respostas dissertativas ou ensaios, muitas vezes necessários para avaliação de competência acadêmica.
Tarefas escritas ajudam os alunos a desenvolverem habilidades de organização e gestão de tempo; sem essas tarefas eles correm o risco de perderem oportunidades valiosas de aprimoramento. Quando professores revisam tarefas escritas, oferecem feedback essencial que pode ajudar os alunos a identificarem e corrigir áreas de fraqueza, promovendo assim um crescimento contínuo na aprendizagem.
(*) Carlos Alberto Rezende é conhecido como Professor Carlão. Siga no Instagram @oprofcarlao.