A história do parto domiciliar e a importância de avaliar riscos de mãe e bebê
Esse tipo de parto deve ser processo de responsabilidade coletiva entre mães, profissionais, instituições e políticas públicas
Nos últimos anos cresceu no Brasil o número de mulheres que escolhem dar à luz em casa. Mas essa, na verdade, é a modalidade de parto mais antiga da humanidade. E por isso é importante fazer um mergulho na história.
No passado, os partos só ocorriam em ambiente doméstico. Os cuidados pós-parto domiciliar se estendiam na residência até a total recuperação da mãe. Mulheres ricas tinham bebês em casa e os nascimentos em hospitais eram dedicados aos pobres ou em casos de complicações na gestação.
No século 16 surgia o fórceps, um instrumento usado para retirar o bebê quando as contrações não são suficientes. O aparecimento desse equipamento dava início à chamada “medicalização” do parto e a figura do médico surgia no século 18. Mas, na época, os procedimentos em hospitais eram considerados mais perigosos do que os domiciliares. Uma em cada seis mulheres acabava morrendo.
Só que os conhecimentos científicos foram se aprimorando. No século 18 os médicos começavam a entender mais as infecções e a sepse (processo de infecção generalizada). A simples lavagem de mãos nos trabalhos de parto fez as mortes maternas caírem de 20% para 1%.
Os anos seguintes foram de aperfeiçoamento da cesariana e os desenvolvimentos das técnicas evoluíram bastante no período da Segunda Guerra Mundial. Gradativamente, o parto ia para o ambiente hospitalar. Criava-se aos poucos mais segurança. Para se ter uma ideia, nos Estados Unidos, no final do século 19, a mortalidade materna era de 850 casos para cada 100 mil nascimentos. Em 1997 esse número caía em 90%.
No Brasil e em outros países, mudanças expressivas no parto domiciliar ocorreram apenas no século 20. Com o passar dos anos, os partos ocorrem em sua grande maioria em hospitais públicos ou particulares. Das quase 3 milhões de crianças brasileiras, 98% nascem por ano em hospitais.
Mudança de mentalidade
Mais recentemente, uma série de fatores fez voltar o interesse pelos partos naturais. Entre eles, o domiciliar. No Reino Unido, por exemplo, as taxas de natalidade em domicílio aumentaram de 1%, em 1991, para 2,3% em 2012.
Algumas explicações para esse movimento são relatos traumáticos de partos em hospitais, possibilidades de escolher os acompanhantes no nascimento dos bebês, ambiente mais particular, autonomia nas decisões.
Os defensores do parto em casa também argumentam que o ambiente é mais seguro para a mãe, oferece menos intervenções, além de dar à paciente benefícios físicos e emocionais. Há ainda uma percepção de redução de custos para o sistema de saúde.
Avaliação dos riscos
Mas se por um lado há o crescimento da procura por essa modalidade, por outro, existem vários pontos que representam riscos para mães e bebês. E eles precisam ser avaliados. Dados recentes indicam que as taxas de mortalidade neonatal cresceram substancialmente em partos domiciliares planejados quando há os seguintes fatores de risco: apresentação pélvica (quando o feto está com a cabeça para cima), pacientes que terão filho pela primeira vez, gestações múltiplas, cesariana anterior e idade gestacional de 41 semanas ou mais.
A dificuldade para uma ágil solução de problemas no ambiente domiciliar é outro ponto a ser analisado. Em 2018, levantamento da Sociedade Brasileira de Pediatria revelou que, mesmo quando nenhum problema é identificado na gestação, um em cada 10 recém-nascidos precisam de ajuda para iniciar a respiração logo após o parto. Um cenário mais complicado de contornar fora de um hospital.
Cabe ressaltar que a necessidade de transferência da mãe ou do bebê, durante o trabalho de parto, é muitas vezes impossível de prever. Mesmo assim, existem algumas indicações: dor insuportável, anormalidades de apresentação do feto, aumento da temperatura materna, sangramento agudo, descolamento de placenta e sepse aguda. Lacerações na vagina, ou no colo uterino, são outros quadros que justificam o transporte urgente da mãe.
Em casos de hemorragia grave, ou problemas na placenta, a mulher pode chegar ao hospital em choque hipovolêmico (hemorrágico) e, nesses casos, sempre há risco de morte ou sequela grave.
Um estudo australiano, que comparou desfechos de partos domiciliares de 1991 a 2006, mostrou uma taxa de mortalidade perinatal (período de 22 semanas de gestação até 7 dias após o nascimento) oito vezes maior nos casos em que foi necessária a transferência da casa para o hospital.
Realidade
No Brasil, especialistas no assunto reclamam da falta de estudos precisos sobre o parto domiciliar. Contudo há uma percepção de que existem mais dificuldades por conta do transporte, da falta de vagas em maternidades e falta de acesso adequado ao sistema de saúde.
Nas diretrizes nacionais brasileiras há orientações expressas quando se trata de parto domiciliar: informar as gestantes de baixo risco sobre os perigos e benefícios, relatando estudos de outros países sobre o tema; informar também que a assistência ao parto no domicílio não faz parte das políticas de saúde do País.
Em agosto de 2012, o Conselho Federal de Medicina fez uma recomendação, após análise criteriosa de estudos científicos realizados no Brasil e no exterior, aos médicos e a sociedade, que os partos sejam feitos em ambiente hospitalar, de forma preferencial, por ser mais segura.
Em 2018, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) publicou um estudo intitulado “Local para o parto seguro: parto hospitalar versus parto domiciliar" em que também recomendou o parto hospitalar.
Também no ano passado a Sociedade Brasileira de Pediatria fez recomendação para a presença de pediatras nos nascimentos, levando em conta pesquisas que mostram que partos em ambiente hospitalar representam menores riscos de complicações, menores taxas de morbidade e mortalidade.
Indicação
Como o parto domiciliar é uma realidade e os profissionais de saúde precisam estar aptos para lidar com a demanda, algumas avaliações precisam ser feitas pela paciente. Tudo começa pela real análise de risco, tanto pelo médico, quanto pela própria mulher. É fundamental ter profissionais treinados para atendimento domiciliar. E imprescindível também que a paciente tenha disposição para ser levada a um hospital caso seja necessário.
Uma boa comunicação do profissional de saúde com a maternidade, facilidade de transporte, distância pequena entre residência e maternidade, bem como a condição hospitalar para atendimento de partos de risco, são outras variáveis que podem fazer a diferença e até salvar a vida de mãe e bebê.
Independentemente dos prós e contras, o parto é um processo que envolve valores culturais, sociais e econômicos. Podem existir intercorrências e elas exigem uma pronta solução. Por isso é um processo de responsabilidade coletiva entre mães, profissionais, instituições e políticas públicas. Há um longo caminho a ser percorrido. Até lá, especialistas defendem que a segurança da mãe e do bebê precisam ser garantidas.