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Economia

Em MS, pescadores dizem que nunca viram rios tão secos e temem por piracema

Em meio à pior seca em mais de 40 anos e operações de usina, medo é espécies não conseguirem desovar

Por Cassia Modena | 30/08/2024 09:03


Muita areia no fundo e banco de areia à frente, no Rio Taquari (Foto: Jonas Santos)
Muita areia no fundo e banco de areia à frente, no Rio Taquari (Foto: Jonas Santos)

A pescadora profissional Francisca Batista, 54, nunca viu o Rio Taquari chegar a um nível tão baixo, em Coxim. além de trabalhar há sete anos capturando peixes para vender, ela acumula a experiência de conhecer aquelas águas desde a infância e o que aprendeu com as gerações passadas.

"Hoje, posso passar o dia inteiro no barco que não pego peixe", reclama. Ela culpa a falta de chuva, o desmatamento nas fazendas próximas e tratores que são usados nas propriedades e lançam terra para dentro do rio.

Jonas Santos, 38, tem uma chácara na região. Ele pesca no mesmo rio há mais de 20 anos. Diz que, hoje, até consegue sair de lá com pescado, mas bem menos do que antes. Captura de um a dois. Volta com mais peixes só se descer o Taquari de barco por uns 30 quilômetros.

Francisca e Jonas afirmam que os bancos de areia se multiplicaram no rio, este ano. O cenário é de aumento no assoreamento que o Taquari já enfrenta e é considerado um dos piores desastres ambientais do País.

A pescadora tem até saudade de ver pacu no rio, peixe vendido a um valor maior em comparação ao do piau, que ela anda pescando mais, embora raras vezes. Na renda de sua família, a pesca não tem mais tanta contribuição. Precisou começar a fazer "bicos" de faxina pela cidade para ajudar, mas parou por motivo de saúde. Agora, complementa os ganhos como revendedora de uma marca de cosméticos.

Jonas garante o sustento com o turismo na propriedade. Viver só da pesca, pelo menos ali, ele diz que está praticamente impossível. Defende que todos os pescadores se juntem para pedir ao poder público a remoção dos sedimentos das águas, a canalização do Taquari nos pontos em que o rio se alargou e o controle da derrubada de árvores nas fazendas próximas.

Rio Paraná e afluentes - O Rio Paraná e o seu afluente Sucuriú não estão para peixe até para quem pratica pescaria esportiva e devolve as espécies capturadas depois. Donizete Alves da Costa começou há 30 anos na atividade e se queixa do cenário triste em Três Lagoas.

"Seco desse jeito, eu nunca vi", diz o pescador esportivo.

No vídeo abaixo, ele mostra que os limites da água às margens de uma prainha se encurtaram. Em seguida, mostra o píer que o rio antes ultrapassava.

Ele associa o baixo nível dos rios da região não só à falta de chuvas, mas também à Usina Hidrelétrica Engenheiro Sérgio Motta, também conhecida como Porto Primavera e localizada em Batayporã.

A abertura das comportas do complexo somente no horário noturno foi assunto levado à Assembleia Legislativa nesta semana, inclusive. O Campo Grande News já falou sobre a baixa vazão e ouviu da companhia responsável que as medidas são tomadas por determinação do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) e do Ministério de Minas e Energia, com o intuito de reduzir o risco de esgotamento dos reservatórios da Bacia Hidrográfica do Paraná devido à estiagem, garantindo a geração de energia elétrica.

O presidente da Federação de Pesca de Mato Grosso do Sul, Pedro Jovem dos Santos Júnior, avalia que a Bacia do Paraná é a mais afetada este ano. Dos rios associados a ela, dependem cerca de 4 mil famílias, ele estima.

Diante dos impactos da seca e das atividades da usina, ele tem pedido um plano de manejo e que seja dado algum auxílio aos pescadores profissionais que fazem parte das colônias. "Devem estar envidados. O seguro defeso vai ser pago a eles no período da piracema. Mas e agora? Precisam de, pelo menos, cestas básicas", diz.

"O plano de manejo é para que possa se manter um nível mais alto no Rio Paraná para segurar a água e para que o peixe comece a subir e fazer sua reprodução. Assim, o pescador vai ter o que capturar", fala.

Maria Antônia Poliano é presidente da Colônia de Pescadores Z-10, formada por cerca de 300 pescadores de Fátima do Sul e municípios próximos, que dependem economicamente dos rios Dourado, Vacaria, Brilhante, Ivinhema e Paraná. Ela expôs a seca nunca vista nos cursos d'água à ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, durante a última visita da chefe da pasta à Campo Grande, em 14 de agosto.

Rio Ivinhema seco onde antes havia água (Foto: Divulgação/Colônia de Pescadores Z-10)
Rio Ivinhema seco onde antes havia água (Foto: Divulgação/Colônia de Pescadores Z-10)

A presidente da colônia disse que foi à Capital para denunciar a situação dramática diretamente à ministra e entregar um dossiê de arquivos que comprovam os impactos aos rios decorrentes da escassez de chuvas e da abertura mínima das comportas da usina.

Maria expõe que bancos de areia formam grandes ilhas em meio aos rios e que as redes de pesca lançadas nas águas estão voltando cheias de algas, seres que ameaçam a sobrevivência dos peixes e atrapalham a navegação.

"Para nós, se chover 100 milímetros não vai resolver. Sobe o nível do Rio Paraná e ele vai 'sugar' dos outros. Vai continuar do mesmo jeito", diz a presidente.

O "Paranazão", como é chamado o rio pelos pescadores, atualmente "está morto", lamenta a pescadora. Ela pede que as medidas tomadas na usina, hoje, sejam revistas para salvá-lo.

Ela destaca ainda que a renda dos pescadores da colônia está seriamente comprometida antes mesmo de chegar a Piracema, período reservado à reprodução dos peixes. Maria comenta que estão todos preocupados com isso.

"Temos encontrado peixes com ovas secas, o que significa que não conseguiram desovar na última piracema. Não sabemos o que vai ser dos peixes e o que vai ser do nosso sustento", finaliza.

Rios Aquidauana e Miranda - A reportagem também falou com o guia de pesca Jeferson Crespi, que conduz turistas pelo Rio Aquidauana, principal da bacia que atravessa municípios como Anastácio, Aquidauana, Bandeirantes e Camapuã. Triste, é como ele resume a situação por lá.

Jeferson explica que costuma trabalhar na parte do rio que fica na cidade de Rochedo e é próxima de nascentes, uma característica que favorece o grande fluxo de água. Porém, este ano, o trecho está diferente. "A gente percebe que muitas nascentes praticamente secaram e estão só gotejando água no Rio Aquidauana. Isso é consenso entre todo mundo aqui, o rio nunca atingiu essa marca tão baixa", falou.

Ele também se preocupa com a manutenção dos estoques de peixes no rio.

"Será que o peixe vai conseguir fazer o ciclo dele, de subir e desovar? Há alguns anos, a gente vem percebendo que a cada ano que passa acaba atrasando ou adiantando a reprodução dele. Este ano, é um mistério por causa dessa seca", relata.

O Rio Miranda é outro que sofre com a seca, como o Campo Grande News mostrou nesta matéria. Ela prejudica a pesca e o turismo. Só não a ponto de impactar o abastecimento, como já declarou Sanesul (Empresa de Saneamento de Mato Grosso do Sul).

Assoreamento também ameaça Rio Miranda e pode ser visto em ponte velha de Jardim (Foto: Arquivo/Paulo Francis)
Assoreamento também ameaça Rio Miranda e pode ser visto em ponte velha de Jardim (Foto: Arquivo/Paulo Francis)

O curso d'água fica nos limites dos municípios de Ponta Porã, Guia Lopes da Laguna e Jardim. Tem foz em Corumbá e desagua no Rio Paraguai, gigante do Pantanal que está em níveis extremamente baixos, se aproximando de recordes negativos de 1964 e 2021, como mostrou o último boletim do SGB (Serviço Geológico Brasileiro), divulgado no início deste mês de agosto.

Pior seca em 44 anos - Os últimos meses de 2023 e os primeiros de 2024 não trouxeram as chuvas volumosas esperadas para encher os rios de Mato Grosso do Sul. Até julho, não melhorou: o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) citou o Estado, além do Amazonas, Mato Grosso, Pará, Goiás, Minas Gerais e São Paulo na lista dos mais afetados pela intensificação da seca, no último boletim divulgado sobre o tema.

Ainda de acordo com o Cemaden, a estiagem em Mato Grosso do Sul é a pior dos últimos 44 anos. Índice ainda mais severo só foi visto em 1980. Ao todo, 56 dos 79 municípios sul-mato-grossenses enfrentam seca extrema desde a chegada do fenômeno El Niño, pela última vez.

Além disso, todas as estações que acompanham a variação dos níveis de água registram precipitação abaixo do normal em julho, de acordo com o boletim de secas divulgado pelo Cemtec (Centro de Monitoramento do Tempo e do Clima de Mato Grosso d Sul). As estações São José do Piquiri, Pousada Taiamã, São Francisco e Coxim não registraram chuva, enquanto as estações Ladário, Miranda e Cassilândia registraram menos de 1 milímetro de acumulado de chuva.

Auxílio - O Governo Federal instalou, em junho, uma sala de situação para tratar sobre a seca e o combate a incêndios no Brasil que, ao menos no Pantanal de Mato Grosso do Sul, já consumiram muito da vegetação que cobre as margens de rios e podem afetar os ecossistemas.

A reportagem questionou a assessoria de imprensa do Ministério da Pesca e Aquicultura se estuda conceder algum auxílio extraordinário aos pescadores de Mato Grosso do Sul afetados pela seca. Não houve retorno até a publicação desta matéria.

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