“Qual o CPF?”: Desconto em farmácias pode ser armadilha para captar dados
Farmácias pedem CPF, mas não esclarecem motivo do pedido e, muitas vezes, acabam apenas ficando com os dados
“Qual seu CPF?” Essa pergunta é feita com frequência pelo atendente da farmácia e, automaticamente, o pedido já aguça o consumidor a repassar a informação imaginando que terá desconto no medicamento. No entanto, nem todo estabelecimento deixa claro o motivo, se é para verificar o cadastro, para desconto ou qualquer outra coisa que seja.
Recentemente, reportagem do UOL mostrou que a RaiaDrogasil armazena dados de 48 milhões de pessoas e que a RD Ads, empresa de publicidade da mesma rede, libera essas informações para anunciantes com fins de publicidade. A equipe de reportagem do Campo Grande News entrou em contato com a Drogasil, mas ainda não obteve retorno.
Em comparação, quando o consumidor precisa comprar algo no supermercado ou em loja de roupa, não é pedido o CPF para oferecer desconto, muitas vezes o próprio sistema já puxa o valor.
A vendedora Larissa da Silva, de 19 anos, conta que sempre pedem seu CPF na farmácia e que percebe que depois aparecem propagandas em seu celular.
“Pedem, mas nunca questionei. Tem umas farmácias que falam que é para descontar, mas no final não tem desconto. E depois no celular aparece um monte de propaganda, mas não sei de onde vem, principalmente quando abro aplicativo de música, fica aparecendo”, comenta.
A dona de casa Beatriz Ximenes, de 43 anos, também passa pela mesma situação. “Sempre pedem, mas eu nunca passo, nem se for para desconto, porque muitas vezes quando chega no caixa é o mesmo preço”, lamentou.
Por outro lado, a responsável de uma farmácia no Centro de Campo Grande, que preferiu não se identificar, informou que essa é uma regra a ser seguida para dar sequência ao atendimento.
Já em relação ao desconto, para alguns remédios são bem poucos. Caso simples é o preço do Allegra, para alergia. Conforme tabela da CMED (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos), o preço máximo do medicamento é de R$ 37,18. Na São Leopoldo, passando o CPF fica em R$ 36,25, ou seja, desconto de R$ 0,93. Na Drogasil cai para R$ 32,99, desconto de R$ 4,19.
Já na Freire, foi pedido o contato de telefone, mas não foi oferecido desconto, sendo vendido pelo preço tabelado, conforme a CMED.
Outro exemplo é o dipirona, remédio para dor de cabeça, o preço máximo é de R$ 28,36. Neste caso, não foi oferecido desconto, sendo o valor fixo de R$ 20,37 na São Leopoldo.
Lei Geral de Proteção de Dados – O atendente da farmácia que pedir o CPF precisa deixar claro o motivo.
Segundo o assessor técnico do CRF/MS (Conselho Regional de Farmácia), Ronaldo de Jesus, solicitar os dados pode ser feito, mas é preciso informar ao paciente para que ele será utilizado. "Ou seja, divulgar os dados sem a ciência do paciente está em desacordo com a legislação."
Conforme explica a advogada Giuliana Gattass, que é presidente da CEALGPD (Comissão de Estudo e Acompanhamento da Lei Geral de Proteção dos Dados e Segurança da Informação) da OAB/MS (Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Mato Grosso do Sul), há 30 anos, quando entrou em vigor o Código de Defesa do Consumidor, não era permitido pedir o CPF para oferecer desconto.
“Pedem o CPF como uma condicionante para conceder o desconto, o que já não era correto desde a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor há 30 anos e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) só veio confirmar e reforçar que essa exigibilidade não está em conformidade com as normas vigentes no Brasil. Pode ser usada uma outra forma de confirmação, como o número do cartão daquela rede de farmácias, uma senha, um dado que foi criado especificamente para aquele tipo de compra”, explicou.
Ainda conforme a profissional explica, com a entrada em vigor da LGPD não se pode mais enviar e-mail marketing, WhatsApp com fins de marketing se os dados não foram fornecidos para essa finalidade específica. O dado pessoal pode ser pedido desde que o cliente tenha sido avisado sobre a finalidade.
“A não ser que tenha autorização e anuência do próprio cliente previamente informado para isso. Se concordou em fornecer o CPF para ter desconto, tudo bem, agora, não pode ser uma imposição sem que tenha previamente concordado. Tem que ficar claro para que estão pedindo o CPF, qual a finalidade de estar solicitando e coletando o nosso CPF. Não há uma informação clara para nós com quem eles compartilham, onde eles armazenam, como eles utilizam, eles não informam”, completou.
Giuliana também pontua que a prática fere o artigo 6° III do Código de Defesa do Consumidor e os princípios do artigo 6° da LGPD (necessidade, transparência, finalidade).
“Claramente uma prática abusiva que pode resultar em uso indevido de dados pessoais por terceiros que não foram expressamente autorizados. Além de a prática ser abusiva, é uma prática ilícita essa utilização para uma finalidade diferente da qual os dados foram fornecidos”, concluiu.
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