Cadela "Perovskita" pode transformar diagnóstico da leishmaniose
Grupo de pesquisadores da UFMS desenvolveu um exame que usa inteligência artificial
Perovskita foi adotada pela pessoa certa. Depois de dias no Centro de Zoonoses, foi levada para casa pelo professor Cícero Cena, do Instituto de Física da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul). O novo tutor começou então a suspeitar que Perovkita tinha leishmaniose canina, o que levou a uma pesquisa que pode transformar o diagnóstico da doença.
O nome da cachorra remete a algo aparentemente difícil para um leigo decifrar: segundo o Google "óxido de cálcio e titânio, CaTiO3, um mineral relativamente raro ocorrendo na forma de cristais ortorrômbicos (pseudocúbicos)".
Mas apesar do nome de batismo complicado, após Perovskita entrar na vida de Cícero o pesquisador resolveu simplificar, criando uma forma mais rápida e eficaz de diagnosticar a leishmaniose .
"O diagnóstico dela foi muito confuso no início, então comecei a pesquisar sobre [o assunto], procurei os colegas e saímos com a proposta de pesquisa que culminou em um novo método de diagnóstico”, explica em material divulgado pela UFMS.
Com apoio de outros colegas, desenvolveu o estudo que foi publicado pela revista científica Journal of Biophotonics, na capa.
Os testes foram aplicados em três grupos de cães: um infectado com leishmaniose, um sem infecções e um infectado com tripanossomíase, doença que pode levar à reação cruzada com a leishmaniose nos testes rápidos, gerando falso positivo.
Tentando resumir bem o processo, o método examina o soro sanguíneo dos animais, que é analisado via infravermelho. A luz capta as vibrações moleculares da amostra. Ai entra a Inteligência Artificial, que consegue cruzar padrões para diferenciar cada cão dentro de cada grupo e os classifica.
Segundo o estudo, o resultado foi um exame com exatidão "maior do que muitos dos que você tem no mercado, desses testes rápidos”, afirma Cena.
Além de detectar a leishmaniose dos cães saudáveis, o método conseguiu fazer melhor diferenciação entre Leishmania (protozoário da leishmaniose) e Trypanosoma cruzi (protozoário da tripanossomíase).
"Para saber se os resultados observados eram realmente decorrentes da infecção por Leishmania, resolvemos incluir um grupo de amostras oriundas de cães infectados naturalmente por outro patógeno (Trypanosoma), que é da mesma família da Leishmania. Se essas amostras apresentassem, na metodologia utilizada na pesquisa, um perfil semelhante às amostras positivas para Leishmania, então a diferenciação era genérica (doente versus sadio) e não específica para leishmaniose. No entanto, observamos que essas amostras apresentavam um perfil distinto das amostras positivas para Leishmania e isso nos possibilitou concluir que há compostos diferentes no soro dos animais, passíveis de detecção por espectroscopia e capazes de caracterizar uma infecção específica por Leishmania, e diferenciá-la de infecções por outros patógenos, mesmo aqueles muito próximos, evolutivamente”, explica o professor Carlos Ramos, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da UFMS.
Com o avanço da pesquisa, o objetivo é que, no futuro, equipamentos consigam detectar rapidamente e com mais efetividade os casos, graças aos algoritmos. "O operador adiciona uma pequena quantidade de amostra do animal suspeito ao aparelho, faz a leitura, os dados colhidos são analisados por meio de algoritmos de computador, e em alguns segundos estará disponível o resultado na tela do computador ou diretamente no aparelho. Isso com certeza vai reduzir os custos de testagem e aumentar a capacidade de processamento dos laboratórios públicos e privados”, diz Ramos.
O professor Cícero Cena chama atenção, inclusive, para o custo, muito diferente do sistema convencional. “Quando se usa reagentes para testes biológicos, além de ficar mais caro, tem também a validade, porque chega uma hora que expira o teste. O nosso teste é uma medida com luz e computador, então enquanto você tiver o aparelho funcionando, você tem o teste a custo zero, praticamente. O investimento inicial é a compra do aparelho, que é caro, mas na hora que você calcula o custo por amostra, fica muito em conta”, aponta. “O aparelho, depois que você o adquire, pode operar por até 10 mil horas sem precisar de manutenção. Isso que reduz os custos, porque uma amostra você mede em menos de cinco minutos”.
Além de Cícero Cena, participaram do estudo os pesquisadores Gustavo Larios, Matheus Ribeiro, Samuel L. Oliveira, Thalita Canassa e Bruno Marangoni, do Grupo de Óptica e Fotônica da UFMS, vinculado ao Instituto de Física; Carla Arruda, do Laboratório de Parasitologia Humana da UFMS, vinculado ao Instituto de Biociências; Carlos Ramos, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da UFMS; e Matthew J. Baker, do Centro de Tecnologia e Inovação da Universidade de Strathclyde, no Reino Unido. Juntos, eles desenvolveram uma nova maneira para diagnosticar a doença e o