Leonardo espalha arte por "elefantes brancos" esquecidos pela cidade
Usando apenas sulfite, tinta e cola branca, o artista espalha ilustrações carregadas da poesia das ruas a cenários marcados pelo descaso das autoridades.
É em meio ao descaso que a arte de Leonardo Mareco, de 21 anos, floresce. Com desenhos de traços leves, o artista dá cor e vida aos cinzentos cenários urbanos, com mensagens críticas em forma de poesias. Usando sulfite, tinta e cola branca em contraste com o esquecimento das obras abandonadas pelo governo, as ilustrações se destacam até para quem está só de passagem a caminho dos compromissos de uma rotina corrida.
Descrevendo o próprio processo criativo, Leonardo destaca a influência das coisas que observa e que vive, sempre levando em conta o contexto político do País e as consequências trazidas para as minorias, fonte em que bebe ao longo das pesquisas que precedem cada trabalho. Ele acredita que neutralidade e omissão não fazem parte da essência dos artistas de rua, principalmente, neste momento, em que é dever de todos, lutar contra o sistema "opressor e conservador". "Expressar-se publicamente na rua já é um ato político, tentar sair da bolha social, da sua zona de conforto é tudo o que o sistema em que vivemos não deseja, e é através da arte de rua que busco fazer essa transgressão", afirma.
Com lambe-lambes, aqueles cartazes de "propaganda à moda antiga", Leonardo conta que a escolha dos "expositores" de sua arte não é aleatória. "Muitas vezes, estou passando por um local, observo uma parede, fotografo e penso uma composição naquele espaço, outras vezes produzo o desenho e depois disso vou atrás da melhor superfície para essa arte, mas o principal é essa relação da arte e mensagem com a arquitetura escolhida".
Na arte de Leonardo, elefantes brancos trazem a denúncia silenciosa de obras milionárias que um dia foram abrilhantadas por promessas de desenvolvimento cultural, econômico e turístico para Campo Grande, mas que hoje parecem simplesmente esquecidas pelo governo. Locais como o "Centro de Belas Artes", os vagões da Orla Ferroviária e o Aquário do Pantanal fazem parte do ir e vir da rotina de Leonardo e sempre chamaram a atenção do artista, trazendo a necessidade de dar voz abandono e à politicagem.
Os temas que ganham a estrutura abandonada são diversos, mas sempre sociais. "Costumo falar sobre questões que observo e convivo de alguma forma, tenho uma série de trabalhos chamada Invisíveis que fala sobre os moradores de rua e como a sociedade os tratam como se não os vissem ou não existissem. Para a produção dessa série fiz uma pesquisa de campo onde conversei com alguns moradores da região da rodoviária antiga, registrando imagens, coletando informações para que eu conseguisse de alguma forma me colocar no lugar daquela pessoa, o que não é nem um pouco simples, pois só quem passa na pele é que sente".
Quando questionado sobre a maneira como o campo-grandenses reage às intervenções feitas por ele, Leonardo trás com leveza o ponto de vista do artista de rua que é pouco valorizado, dizendo que por vezes é uma relação que chega a ser engraçada. Ele conta que as pessoas ficam curiosas e sem saber diferenciar se é vandalismo, arte ou propaganda, pois esse estilo de prática ainda não é pouco conhecida por aqui.
Como fato curioso, ele destaca como a publicidade é aceita mais facilmente pela sociedade do que a arte. O lambe-lambe é um trabalho que passa pelo mesmo processo dos outdoors, ou cartazes com anúncios comuns em postes e pontos de ônibus, a diferença é a mensagem que carregam, feitas muitas vezes como criticas, que incomodam muita gente. "Se você observar na grande maioria dos postes vão ter algum anúncio de papel colado, e essa pessoa que fez isso não pediu permissão, é o caso da minha arte, na grande parte das vezes não peço permissão para intervir, mas por conta da mensagem que incomoda gera uma repressão por uma parte da sociedade".
O lambe-lambe entrou na vida de Leonardo há cerca de dois anos, através de documentários e artistas seguidos por ele no Instagram. Aluno de Artes Visuais na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, ele conta de ter tido aulos sobre o assunto. Para ele, que entrou no universo da arte de rua ainda adolescência, é uma linguagem relativamente nova, mas que veio da percepção de que essa forma de mídia permite que o trabalho seja feito em casa com mais tranquilidade e depois colar as imagens de forma mais rápida e prática na rua, conseguindo levar a mensagem de maneira mais direta até o público e ocupar mais lugares da cidade diferente do graffiti, demanda muito mais tempo e até material para ser realizado.
Sem se considerar um "artista nato" desde criança, Leonardo diz que nessa época em que a maioria das pessoas começa a demonstrar afinidade com o mundo das tintas e pincéis ele, pelo contrário, não tinha muito interesse já que as técnicas de aquarela que faziam parte da disciplina no ensino regular eram uma reprodução tradicional do ensino das artes visuais, incapaz de despertar sua atenção. O primeiro contato com o desenho veio com réplicas de personagens dos desenhos animados que assistia, no começo, copiando os traços no papel até criar gosto por essa linguagem, que só se intensificou na adolescência depois de conhecer a cultura de rua, o hip hop, o skate e o graffiti com suas varias vertentes.
Ao longo do caminho a universidade aumentou a bagagem de Leonardo, não apenas na formação profissional, mas também humana. No curso de Artes Visuais ele diz que o aprendizado é voltado para técnicas diversas, e ajuda a elaborar mensagens de forma mais clara e transmiti-las sem ruídos, valorizando a expressão artística. Quando questionado sobre o elitismo que cerca alguns ambientes sociais e excluam a linguagem das ruas como arte, a crítica é clara. "Isso sempre existiu e sempre existirá enquanto houver gente lucrando com o mercado capitalista da arte, mas acredito que a arte contemporânea e principalmente a arte de rua da mais importância a população que não tem acesso a essas questões".
Leonardo relata que viver de arte no Brasil é muito difícil, principalmente no Mato Grosso do Sul, por isso ainda não consegue sobreviver fazendo o que ama, mas trabalha como freelancer desenvolvendo ilustrações, murais, pinturas e até adesivos, além de também já ter feito parte da criação artística de produções cinematográficas locais, explicando que apesar das dificuldades ainda existem oportunidades no campo.
É possível acompanhar os trabalhos do artista pelo instagram @marecoleo, onde com frequência ele posta as intervenções mais recentes.