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Comportamento

“A coragem dela ninguém vai ter”, diz mãe de Alanys

Hoje (15), a quarta-feira amanheceu fria e a voz do movimento LGBTQI+ e da família embargadas pelo choro e a falta de Alanys

Thailla Torres e Lucas Mamédio | 15/04/2020 11:20
Alanys Matheusa, a primeira advogada transexual negra do MS (Foto: Deivison Pedrê)
Alanys Matheusa, a primeira advogada transexual negra do MS (Foto: Deivison Pedrê)

O ano 2020 começou feliz para Alanys Matheusa. Nascida em Campo Grande, no bairro Guanandi, a advogada planejou desfrutar de todas suas conquistas. Com sorriso rasgado e o diploma de Direito em mãos, as próximas semanas tinham tudo para ser ainda mais felizes para Alanys. Sua carteirinha da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) seria entregue em breve.

Em janeiro ela levou o prêmio Direitos Humanos e Cidadania concedido pela Mescla-MS (Movimento de Estudo de Sexualidade, Cultura, Liberdade e Ativismo de Mato Grosso do Sul). A comunidade LGBTQI+ sempre a reconheceu como altamente necessária na luta pelos direitos e visibilidade de travestis e transexuais.

Às 6h26 de ontem (14), Alanys havia compartilhado sua última postagem no Facebook, em tom de comédia, direcionada a um dos amigos, Diego Henrique, acompanhada de uma tranquilidade que ela sempre buscou. A família diz que ela estava bem. Minutos depois, ela começou a tremer. Foi socorrida por uma equipe do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência). A esperança da família fez pensar ser apenas um mal-estar. Mas uma parada cardiorrespiratória a levou. Alanys morreu dentro de uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento) do Jardim Leblon. Às 8h56 a notícia chegou como uma bomba em seu perfil da rede social. “A Alanys morreu hoje gente”, publicou uma sobrinha.

Cerca de 10 minutos depois a publicação tinha mais de 100 comentários. Todos buscando respostas. Muitos torciam, por mais absurdo que seja esse tipo de coisa, para ser apenas mais uma brincadeira de mau gosto. Não era. A sobrinha passou a dar detalhes do falecimento e logo a internet se encheu de mensagens emocionantes. Gente que sequer conheceu Alanys, mas ouviu seu nome por aí, demonstrou afeto e total admiração pela advogada. Quem teve o prazer de conversar e dizer a ela o quanto era incrível, chorou e passou a pensar como a luta dela continuaria daqui pra frente.

No velório, a tristeza de perder uma amiga e uma irmã. (Foto: Paulo Francis)
No velório, a tristeza de perder uma amiga e uma irmã. (Foto: Paulo Francis)

Hoje, 15 de abril, a quarta-feira amanheceu fria e a voz do movimento LGBTQI+ e da família embargadas pelo choro e pela falta de Alanys. As circunstâncias diante de uma pandemia por causa do novo coronavírus justificou o velório com apenas 10 pessoas do lado de dentro e 4 amigos do lado de fora. Em respeito às medidas decretadas para prevenir o contágio, não houve multidão na porta da funerária. Não fosse isso, é fácil imaginar uma despedida à altura de Alanys, com as cores da bandeira que ela tanto amava e carregava nas costas sem medo.

Do lado de fora encontramos a saudade de Gislaine Ferreira da Silva, 34 anos, amiga e vizinha que conheceu Alanys quando ela tinha 10 anos de idade. “Tudo isso é muito triste porque ela tinha uma causa muito justa. Ela lutava contra algo que acontece muito na sociedade. Pelo histórico de vida dela, como alguém que alcançou várias vitórias, esse era o momento de ela desfrutar de tudo, começar uma nova vida. Além disso eu perdi uma amiga que vi crescer e evoluir”, desabafou.

Em seguida, o semblante triste de dona Ruth Maria, mãe de Alanys, apareceu na calçada. Quem conheceu de perto a história da advogada sabe que a trajetória de Ruth também não foi fácil. Aliás, ser mãe não é fácil e o desafio fica bem mais complicado quando o coração tem motivo extra para apertar toda vez que uma filha ou filho sai de casa. O coração de Ruth é daqueles que já penou diante da rejeição e o preconceito em ambientes que a filha transexual, e negra, escolheu estar, como a sala de aula de uma universidade.

Ruth quer que a luta da filha continue. (Foto: Paulo Francis)
Ruth quer que a luta da filha continue. (Foto: Paulo Francis)

A indignação de Alanys, criada numa periferia onde mulheres negras tiveram poucas oportunidades, deu uma chance à esperança de dona Ruth. Quem um dia tentou diminuí-la teve de ver uma mãe e uma filha comemorando o diploma da “1ª advogada transexual negra de Mato Grosso do Sul”. E nem a morte diminui o orgulho da mãe que hoje, pela manhã, reviveu as lutas da filha para familiares e a reportagem.

“Ela era o orgulho da minha vida, a coragem que ela tinha ninguém vai ter”, diz a mãe.

A conversa foi rápida. Apesar do frio, o sol batia forte e iluminava o semblante de uma mãe que fez só um pedido. “Eu não sei como vai ser a minha vida sem a Alanys, mas quero que a luta dela continue”.

Alanys foi enterrada na manhã de hoje no Cemitério Santo Amaro, aos 22 anos e cheia de sonhos.

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