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Comportamento

A mais de 100 metros de altura, o trabalho é puxado, mas a vista de lá compensa

Do topo das obras de construção eles conseguem ver a cidade quase inteira. Quem são os profissionais que fazem trabalho meticuloso e precisam manter a calma nas alturas?

Gustavo Maia | 20/01/2019 10:08
Longe do chão, a vista de quem trabalha no topo da construção dos edifícios. (Foto: Gustavo Maia)
Longe do chão, a vista de quem trabalha no topo da construção dos edifícios. (Foto: Gustavo Maia)

Eles não são executivos de grandes empresas com escritório no último andar de um arranha-céu, nem moram em apartamentos luxuosos na cobertura de altos edifícios na Afonso Pena. Também não precisam escalar uma montanha para ver o mundo lá de cima, mas a vista que têm no dia a dia, é de dar inveja a qualquer um. O Lado B foi conhecer um pouco da rotina de quem trabalha nas alturas, operando guindaste no topo dos edifícios em construção, e tem uma vista da cidade que é para poucos.

Operando o equipamento desde 2013, Cícero Ferreira, de 54 anos, já ajudou a construir sete edifícios na cidade. Mas ele não iniciou sua carreira como operador de grua, como também é chamado. Em 1998 entrou para a construção civil na função de ajudante de pedreiro, mas agarrou as oportunidades que surgiram. “A gente precisa sempre ter boa vontade. Mas não é assim do dia para a noite, é com o tempo”, conta ele, que quando começou a trabalhar na obra nem dava moral para a grua.

Hoje é diferente. “A gente tem uma visão excelente da cidade lá de cima a qualquer hora - tanto de manhã, durante o dia ou no pôr do sol. Até de noite, quando começa a acender as luzes da cidade, é muito lindo. A gente vê Campo Grande quase toda”, conta ele, dizendo que dependendo da altura de algumas obras é possível enxergar até as decolagens e os pousos dos aviões no aeroporto. 

Cícero Ferreira opera grua desde 2013. (Foto: Gustavo Maia)
Cícero Ferreira opera grua desde 2013. (Foto: Gustavo Maia)

Atualmente ele trabalha numa obra que tem quase 100 metros de altura, mas a escalada foi longa. De servente de pedreiro, ele passou a exercer a função de almoxarife, depois de ferramenteiro, depois trabalhou com segurança, foi amarrador de cargas, até, finalmente, chegar ao cargo de operador de grua, ou “grueiro” como eles dizem. Ele ainda se lembra da sensação que teve na primeira vez que operou numa construção. “Foi sinistro. É uma operação muito delicada e exige uma atenção redobrada o tempo todo, pra não ter risco de acidente, tanto comigo quanto com meus companheiros de trabalho”, relata ele, lembrando que a palavra-chave de sua profissão é segurança.

Até hoje ele ainda se admira com a vista que tem do local de trabalho e fala com orgulho do papel que vem exercendo para o desenvolvimento da capital. “Não tem como enjoar. A cada dia eu vejo essa paisagem daqui de cima e parece que todo dia eu me renovo. Você vê o que você tá fazendo pra sua cidade. O que é Campo Grande? Todo mundo tá acostumado a ver Campo Grande lá de baixo, você tem que ver daqui do alto. A nossa cidade tá crescendo muito”.

Grua em que Cícero trabalha já está a mais de 100 metros do chão. (Foto: Gustavo Maia)
Grua em que Cícero trabalha já está a mais de 100 metros do chão. (Foto: Gustavo Maia)

Cícero já está acostumado com as perguntas dos curiosos sobre a profissão. “Muita gente pergunta ‘como é lá em cima? Como é trabalhar numa grua? Você não tem medo de cair?’ mas se for pra cair, em qualquer lugar você cai”, brinca ele, contando que também já passou por alguns apuros no topo dos prédios com falha no equipamento. Ele agradece a Deus por nunca ter acontecido nada grave, mas confessa que apesar de precisar manter a calma, o susto é grande: “quando desliza o freio, com uma carga que pode ser de 1000 quilos, de 800 quilos, eu tenho que estar tranquilo, mas dá um frio na barriga, né? É como se fosse um veículo, tenho que fazer uma manobra rápida ali pra evitar um acidente”, compara ele.

Quem também começou a vida na construção civil trabalhando como ajudante de pedreiro e hoje trabalha com a vista mais privilegiada da cidade é o grueiro Francisco Lima, de 38 anos. Ele conta que desde quando começou a trabalhar na obra, em 2007, a grua, que para ele é a alma do prédio, já lhe chamava a atenção. “Eu olhava aquele negócio lá em cima, ficava curioso e aí eu fui perguntar pro pessoal da empresa o que precisava para poder trabalhar lá. Eles me explicaram que precisava fazer o curso de operador de grua e esperar uma oportunidade, uma vaga. E foi o que eu fiz”.

Francisco Lima também é operador de grua. (Foto: Gustavo Maia)
Francisco Lima também é operador de grua. (Foto: Gustavo Maia)

Mas o processo de habilitação para o cargo não é nada simples. Segundo Francisco, para poder operar a grua o candidato precisa atender a várias exigências como ter, no mínimo, 16 horas de treinamento prático, conhecer as normas reguladoras da profissão, concluir o curso com aproveitamento, ser aprovado nas provas teóricas, entre outras coisas. “É como se fosse tirar uma habilitação para dirigir - você sobe a carga, vira ela, recolhe o carrinho, faz várias operações. Também é contado o tempo que você leva pra fazer isso tudo, então tem que ser rápido, tem que ser habilidoso. Mas a primeira coisa é a segurança”, detalha ele.

Francisco considera seu certificado de operador uma vitória, e ele não está brincando: dos 60 alunos que iniciaram o curso, apenas dois se formaram. “Pra mim foi uma conquista muito grande. Meu salário mudou como se fosse de cem para mil, pra você ter uma ideia. Mudou a minha vida. Mas não foi fácil não, foi uma guerra. No meio de 60, só eu e mais um conseguimos”, comemora.

A primeira vez que Francisco operou o guindaste foi em 2010. Trabalhando atualmente num prédio de 35 andares, ele ainda se lembra da sua primeira vez na grua: “fiquei muito tenso. Parecia que ia virar, cair tudo, mas é o jeito dela mesmo. Com o passar do tempo a gente vai pegando o jeito, pegando experiência”, relata ele, dizendo que no começo ficava maravilhado, mas hoje já está acostumado com a vista exuberante da paisagem campo-grandense, que pra ele já virou rotina.

Visão de grueiros é para poucos. (Foto: Gustavo Maia)
Visão de grueiros é para poucos. (Foto: Gustavo Maia)
Francisco opera grua acima do 35º andar. (Foto: Gustavo Maia)
Francisco opera grua acima do 35º andar. (Foto: Gustavo Maia)
Posição privilegiada do operador. (Foto: Gustavo Maia)
Posição privilegiada do operador. (Foto: Gustavo Maia)

Estar acima de tudo tem outros aspectos, além da bela paisagem, conta Francisco. Ele é o primeiro a ver a chuva se aproximando da região, por exemplo. “Já vi até acidentes lá de cima. Uma mulher sendo atropelada e no outro um casal numa moto. Lá de cima eu liguei pros bombeiros e já passei o endereço”, conta ele, lembrando que ainda ganhou lá de baixo um aceno de agradecimento da equipe que atendeu à ocorrência.

Assim como Cícero, Francisco também já sentiu o coração bater mais forte com alguns sustos que levou na grua. Ele conta que pouco tempo depois de começar a trabalhar na função, a grua em que estava foi atingida por um raio. “O susto é muito grande, né? O raio caiu na lança (parte mais longa da grua) e fez uma bola de fogo, passou pela grua inteira e queimou todos os cabos de energia”, lembra ele.

Mas quando perguntados se mudariam de profissão, a resposta negativa vem rápida. E no fim das contas, de um jeito ou de outro, parece mesmo que estar mais próximo do céu vale a pena. Mesmo que seja para trabalhar.

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