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Comportamento

A visita do "comendador" à Cidade de Deus deu o que falar nas redes sociais

Mariana Lopes | 08/04/2015 08:27
E isso me fez chegar à conclusão de que seria um massacre à infância e à juventude de tantos brasileiros
E isso me fez chegar à conclusão de que seria um massacre à infância e à juventude de tantos brasileiros

Nesta semana, um vídeo que o ator Alexandre Nero postou nas redes sociais deu o que falar. Nas imagens, ele chegava à favela Cidade de Deus, em Campo Grande, e era recepcionado por um grupo de crianças eufóricas com a presença do famoso "comendador" no local, celebridade que, com certeza, elas jamais pensariam encontrar na vida. Mas a cena era mais real do que podiam imaginar, e o galã global ganhou de vez o coração não apenas dos moradores da comunidade.

Embora a atitude dele tenha sido nobre e de uma humildade linda, o que realmente provocou burburinho foi o comentário do ator sobre o vídeo:

( ) ele diz: "Vc é contra a redução da maioridade penal até um moleque colocar um ferro na tua cara ou matar alguém da tua família, seu filho da puta"

(X) eu digo: "E vc é a favor da redução da maioridade penal até um moleque desses abrir um sorriso iluminado e uma gargalhada gostosa, mesmo não tendo nenhuma perspectiva de melhorar a própria vida".

Assistindo ao vídeo, mergulhei em um mundo paralelo e cheio de lembranças, tentando organizar dentro de mim minhas próprias ideias, valores, ideais, junto com o tanto de comentários que lia na postagem do artista, muitos até com falta de coerência e sensibilidade.

Uma dessas lembranças foi a de um garoto de 17 anos que entrevistei, quando ainda trabalhava com o jornalismo diário. Aos 6 anos de idade, ele trocou os brinquedos pela pasta-base, que lhe foi dada pela própria mãe, dentro de casa. No início da adolescência, depois da morte da mãe por cirrose alcoólica, ele foi para as ruas e se afundou cada vez mais nas drogas.

Enquanto ele me contava a sua história de vida, eu só conseguia ter um pensamento: "qual oportunidade este garoto teve? Qual realidade ele conheceu que não fosse um mundo de vícios e crimes? Será que ele poderia ser diferente do que é?"

Eu o entrevistei em um abrigo que cuidava de dependentes químicos e ele estava baleado. Em certo momento da entrevista, eu perguntei se ele tinha algum sonho, apesar de ter consciência de que com a vida que levava não conseguirá chegar muito longe. Mas ele me respondeu com um brilho nos olhos: "Quero mexer com animais. Quero ser um laçador. Você me ajuda, tia?"

Quando ele disse isso, um nó me trancou a garganta e eu não consegui perguntar mais nada. Agradeci pela entrevista e carrego até hoje a história daquele garoto comigo. Um adolescente bem esperto e vivido, mas com um rosto de menino. Na época, ele tinha no histórico dois homicídios e uma tentativa...

"Quero mexer com animais. Quero ser um laçador. Você me ajuda, tia?" (Foto: Mariana Monge)
"Quero mexer com animais. Quero ser um laçador. Você me ajuda, tia?" (Foto: Mariana Monge)

Não sou expert em lei e me considero bastante leiga para escrever um texto cheio de fundamentos. Mas quero colocar aqui o que, certa vez, ouvi de um juiz. Ele disse que se a maioridade passasse para os 16 ou 14 anos, com o intuito de tentar diminuir a criminalidade entre adolescentes, pois, na teoria, estes passariam a ter medo da lei, os bandidos de verdade começariam a colocar crianças cada vez mais novas no mundo do crime. E isso me fez chegar à conclusão de que seria um massacre à infância e à juventude de tantos brasileiros.

Talvez seja bem cômodo pra mim (que tive pais extremamente presentes na minha vida, educação de qualidade, orientação religiosa, não sou alvo comum de preconceitos e tive boas oportunidades) apenas dizer que cada um é responsável pelo o que se torna. Será que eu realmente seria como sou se não tivesse tudo do que tive?

Veja bem que não estou falando em impunidade, em passar a mão na cabeça e tratar um adolescente que comete um crime como coitadinho, só não concordo em jogar esses menores de idade em um sistema penitenciário falido. Penso que o buraco é mais embaixo e que estrutura familiar ainda é a base (e solução) de tudo.

Que me desculpem as pessoas racionais e frias, mas eu ainda cultivo em mim a mania de defender o amor ao próximo, por mais utópico que isso pareça ser nos dias de hoje. E não me venha com o código penal brasileiro, pois, na minha opinião, não há lei no país em vigor que vá consertar quem não teve referência de valores humanos.

*Mariana Lopes é jornalista e colaboradora do Lado B. 

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