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Comportamento

Advogado precisou pedir sua própria liberdade em papel higiênico

Procurando livros na biblioteca do pai, Fábio Trad encontrou livro com pedido de habeas corpus de Nelson

Por Aletheya Alves | 11/11/2024 07:58
Fábio encontrou livro que descreve pedido de habeas corpus durante a ditadura militar (Foto: Marcos Maluf)
Fábio encontrou livro que descreve pedido de habeas corpus durante a ditadura militar (Foto: Marcos Maluf)

Preso em uma das celas de Campo Grande, sem acesso a outros profissionais, o falecido Nelson Trad precisou escrever por si mesmo o pedido de liberdade em um rolo de papel higiênico. Essa história do período ditatorial militar brasileiro foi resgatada pelo político e advogado Fábio Trad nas últimas semanas, enquanto procurava por livros na biblioteca do pai e acabou sendo surpreendido.

“Eu fiquei emocionado, porque o que está relatado aqui é história e uma história que meu pai participou”, resume Fábio. Narrando sobre a obra, o advogado contextualiza que os pedidos por liberdade que constam ali foram escritos antes do AI-5 (1968), já que a partir dessa medida já não era possível nem mesmo pedir habeas corpus.

Nele, há o pedido feito por Nelson para si mesmo e também para outros nomes como o médico Willian Maksoud. “É um livro que é a história da luta pela democracia em um momento em que ela foi mutilada pela ditadura”, descreve.

Contando sobre a história de seu pai, ele detalha que Nelson foi identificado como um oposicionista e, por isso, entrou na lista de represálias. “Alguns eram reprimidos, outros exilados, tinham os direitos políticos suspensos e outros foram torturados e mortos”.

Permanecendo em Campo Grande, Trad ficou preso em duas celas, a primeira em um dos quartéis da Duque de Caxias e a segunda na Estação Ferroviária.

“Ali, eles jogavam água no colchão, não tinha luz e ele nos contava que não foi torturado fisicamente, mas psicologicamente. A tortura era que eles conversavam dizendo quem iria para Fernando de Noronha no dia seguinte e aí ficavam dizendo que iria o Nelson Trad, o dr. Willian Maksoud”.

Além de Nelson Trad, obra cita outros (até então) mato-grossenses (Foto: Marcos Maluf)
Além de Nelson Trad, obra cita outros (até então) mato-grossenses (Foto: Marcos Maluf)

Segundo Fábio, essa ameaça era clara e significava que os presos poderiam ser jogados ao mar durante o voo ou levados para serem torturados na ilha.

Retornando ao pedido de liberdade, a estratégia foi usar os conhecimentos guardados na memória para criar as justificativas e escrever tudo no papel higiênico. Graças às visitas da mãe, Margarida, aos domingos, é que conseguiu entregar o esboço e garantir tanto a sua saída quanto de outros colegas e amigos presos.

Após receber o esboço, dona Margarida enviou o documento para que outros profissionais conseguissem submeter ao Supremo Tribunal de Justiça, que ainda estava em funcionamento. “Na concessão da ordem, houve unanimidade e o ministro Vilas Boas é quem fez o relatório”.

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No documento, é descrita a petição feita durante prisão (Foto: Marcos Maluf)
No documento, é descrita a petição feita durante prisão (Foto: Marcos Maluf)

Nelson era acusado de participar de “atividades subversivas contra a segurança do Estado, uma vez que contribuiu financeiramente para o jornal O Democrata; integrou a Frente Única e a Frente de Mobilização Popular, tendo, ainda, ajudado com donativos ao Comando Geral dos Trabalhadores”.

Tanto ele quanto os outros (William Maksoud, Roger Assef Buainain, Abel Freire do Aragão, Nagib Acib Nacer, Antônio Teófilo da Cunha, Manoel de Oliveira, Ernesto Casaño, César Augusto Fernandes Telles, Antônio Soares Guimarães e Juarez Ferreira, todos de Campo Grande) foram denunciados por um promotor público de Maracaju.

No fim das contas, seu pedido de liberdade foi concedido por “falta de justa causa”, como consta no livro.

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