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Comportamento

Antes da batina, arcebispo era cientista e construía foguetes

Chefe da Igreja Católica em Campo Grande, Dom Dimas é engenheiro eletrônico e foi professor no ITA

Mylena Fraiha | 13/06/2023 07:29
Arcebispo de Campo Grande, dom Dimas Barbosa, explica relação entre fé e ciência (Foto: Marcos Maluf)
Arcebispo de Campo Grande, dom Dimas Barbosa, explica relação entre fé e ciência (Foto: Marcos Maluf)

“Se ele criou a vida neste planeta, também poderia ter criado em outro”, explica de forma humorada o Arcebispo de Campo Grande, dom Dimas de Lara Barbosa, questionado se acreditava em vida fora do planeta Terra, uma vez que já foi um estudioso de foguetes e do espaço. “Como seria a história da salvação para lá, é outra coisa”, reitera.

Antes de abraçar a vida religiosa, Dimas trilhou uma carreira promissora como engenheiro eletrônico formado pelo renomado ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), em São José dos Campos, no estado de São Paulo.

Em entrevista concedida ao Lado B, o arcebispo conta que até chegou a trabalhar na construção de foguetes no IAE (Instituto de Aeronáutica e Espaço) do DCTA (Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial). “Meu grupo trabalhava com materiais compostos. Nós trabalhávamos com fibra de vidro, de quartzo e de carbono. Nós fazíamos a ogiva, o corpo e o rabo do foguete. Era o projeto completo”, relembra.

Desde criança, o futuro arcebispo era estudioso e procurava ajudar os colegas em atividades de classe. “Com 11 anos eu comecei a dar aula de matemática para os meus colegas. Era um reforço que eu dava e até ganhava uns trocadinhos”.

Dom Dimas explica que já participou da construção de foguetes (Foto: Marcos Maluf)
Dom Dimas explica que já participou da construção de foguetes (Foto: Marcos Maluf)

Nascido em Boa Esperança, interior de Minas Gerais, Dimas cresceu em uma família católica e teve suas primeiras experiências religiosas por meio do trabalho voluntário de seu pai e de sua experiência de coroinha. “Quando eu tinha sete anos, a minha mãe me colocou para estudar música. Ela sempre teve o sonho de ter um filho que tocasse na igreja. Também fui coroinha por uns sete anos”.

Mesmo tendo experimentado o ambiente da igreja, o jovem Dimas nunca pensou em se tornar padre. Seu interesse estava voltado para a engenharia, especialmente após descobrir o ITA, onde se encantou pelo curso e decidiu prestar vestibular. “Dois amigos me mostraram o curso e foi amor à primeira vista. Eu só queria prestar vestibular para lá, não queria saber de outro”, conta.

Decisão - A reviravolta veio durante seu segundo ano de faculdade. Naquela época, o futuro bispo participava de um grupo de alunos que se reuniam regularmente para meditação bíblica e oração. “Foi uma época em que comecei a sentir Deus muito mais próximo, mesmo tendo sido coroinha durante sete anos e ter trabalhado no coral da igreja”.

Foto oficial da Turma de 1979 do ITA, tirada nos primeiros dias de aula de 1975 (Foto: Arquivo/ITA)
Foto oficial da Turma de 1979 do ITA, tirada nos primeiros dias de aula de 1975 (Foto: Arquivo/ITA)

Entretanto, ainda incerto de sua decisão, ele decidiu continuar no ITA, onde concluiu em 1979 seu curso de graduação. Em sequência, o jovem engenheiro trabalhou durante três anos no IAE (Instituto de Aeronáutica e Espaço), onde participava da construção de foguetes.

Paralelamente, ele também concluiu seu mestrado em eletrônica, mas relata que sentia um chamado cada vez mais forte para se dedicar à igreja. “Em comparação a graduação, a pós-graduação foi mais tranquila, porque eu tentava estudar dentro do expediente e não levar serviço para casa. Então nessa época eu tinha um tempo de dedicação à igreja maior. Foi quando voltou a vontade de servir novamente”.

Em 1983, Dimas trabalhou na Ericsson, empresa sueca de tecnologia com filial no Brasil. Entretanto, decidiu abdicar do trabalho para ingressar no curso de Teologia no Instituto Teológico Sagrado Coração de Jesus, em Taubaté. "Eu não tive coragem de assumir de cara. Eu demorei oito anos para tomar essa decisão e mesmo na época do seminário eu me perguntava se queria de fato seguir essa vida".

Nas viagens semanais que fazia Taubaté, era inevitável que Dom Dimas se deparasse com a fachada da Ericsson e do DCTA. Esses encontros serviam como um lembrete constante de outros caminhos que poderia ter escolhido.

"Uma série de questionamentos surgiam em minha mente: "Será que essa é realmente a minha escolha? Meus antigos colegas estão espalhados pela Suécia, NASA e Estados Unidos. Minha ex-namorada já se casou. Será que estou seguindo o caminho certo?", relembra. Entretanto, Dimas reitera que a decisão pelo sacerdócio sempre falava mais alto.

Ciência e fé - Em 1996, já formado em Teologia e ordenado padre, Dimas foi convidado por um ex-professor para lecionar uma disciplina de Filosofia da Ciência no ITA. Mesmo relutante em assumir o curso, devido à sua formação teológica, o futuro arcebispo aceitou o desafio.

"O curso reunia todos os alunos de todas as engenharias, de todas as pós-graduações, além de alguns professores que decidiram fazer o curso. Confesso que eu entrava naquela sala de aula com gastrite, com medo do que iria acontecer", comenta Dimas, que posteriormente, lecionou durante quatro anos no ITA.

Dom Dimas explica que a ciência é uma aliada da fé (Foto: Marcos Maluf)
Dom Dimas explica que a ciência é uma aliada da fé (Foto: Marcos Maluf)

Foi neste período que dom Dimas trouxe para sala de aula um diálogo entre ciência e fé. Para ele a ciência deve ser vista uma aliada na busca por uma compreensão mais profunda e fundamentada de sua crença.

Segundo ele, a própria Igreja Católica passou por momentos na história em que precisou repensar seus fundamentos teológicos. "A Teoria da Evolução trouxe uma dor de cabeça para a Igreja, mas Teilhard de Chardin e outros bons pensadores vieram e mostraram que não havia incompatibilidade entre a criação e a evolução", pontua Dimas.

"A evolução é a maneira pela qual Deus cria, só isso. Então eu não vejo tanto problema entre a ciência e a fé", explica dom Dimas.

Hoje em dia, já ocupando o cargo de Arcebispo de Campo Grande e com mais de 30 anos na carreira sacerdotal, ele reforça que a ciência desafia a fé de forma positiva, uma vez que a busca por argumentos mais sólidos. "A fé esclarecida deve questionar sim, mas questionar como amigo. Tenho direito de discutir com Deus como um amigo, que é diferente de alguém que critica por criticar".

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