Após fazer casa sozinho, Alzemiro não parou de inventar moda
No Bairro Caiçara, residência é só um dos feitos fascinantes do homem que até publicou livro
No Bairro Caiçara, os tons verde claro e azul da casa contrastam com pedras e revestimentos que imitam tijolinhos de barro. O lar transmite algo de diferente comparado aos demais da rua. A construção destoa, tem a beleza de outros tempos e parece que ali tudo vive em harmonia.
O imóvel foi o primeiro de alvenaria em que o casal Alzemiro Rufino de Matos, de 80 anos, e Zenilda Salles Rufino, de 75 anos, moraram. Antes disso viviam no mesmo bairro, porém numa casa de madeira.
“Se você soubesse a idade dessas pedras… menina você nem pensava em nascer”, declara Alzemiro no portão. A conversa começa assim com o morador evidenciando o quão antigo é tudo que existe da calçada para dentro.
Sozinho, o militar da reserva planejou e construiu a casa de 1968 a 1972. Tudo ali tem os materiais originais da época, com exceção do revestimento. Alzemiro conta como cobriu parte da fachada e muro com o revestimento.
“Aquilo ali é chamado de pedra mineira e pode ver que ela não escurece, não suja. Isso aí foi feito em 1968 e não mudou nada. A única coisa que fiz é que lá em cima era tijolinho à vista e aí eu revesti, porque ficava fosco, feio. Fui lá, comprei e eu mesmo fiz. Aí fiz o muro também pra combinar com a casa”, explica.
Nesse processo, Alzemiro recebeu ajuda do ‘Pai velho lá de cima’. Após a conversa sobre revestimento, ele comenta que aprendeu a construir com o pai carpinteiro e marceneiro e depois se propôs a fazer o mesmo só que com material diferente.
“Só sou curioso. É que meu pai construía e eu construí na época de casa de madeira e aprendi. Pra você ter uma ideia não tem uma coluna de concreto nos cantos e pode olhar em volta que não tem um rachadinho”, destaca.
O lado criativo e construtor de Alzemiro é revelado através de outros detalhes mostrados após ele fazer o convite para entrar na casa. Passeando pela área interna, os ambientes são espaçosos e conservam os ares de 1968 através de móveis de madeira, como os que estão na cozinha.
Naquele tempo, o morador usou tudo que era considerado moderno e da melhor qualidade. Aos fundos, na área que serve como varanda, ele mostra o banheiro que fez com os azulejos Eliane.
Na varanda surgem as memórias e Zenilda relembra as vezes em que o espaço era usado para dançar. “A gente fazia baile quando as meninas eram solteiras”, recorda. As meninas são as três filhas que agora estão casadas. Além delas, o casal também tem um filho.
Como um bom anfitrião, Alzemiro vai mostrando tudo, contando detalhes que desembocam em assuntos variados como a temporada que viveu em Corumbá e a falta de costume com o calor na cidade.
Ainda na varanda, ele aponta para uma porta do lado direito e anuncia: ‘Aqui é meu escritório’. O espaço, que é menor que os demais cômodos da casa, é o que revela os maiores gostos e feitos de Alzemiro.
A biblioteca particular do homem é composta por livros de capa dura que parecem ter mais de 400 páginas. As obras lembram enciclopédias e dividem espaço na estante com outros livros menores. Os títulos também são curiosos, por exemplo. ‘Manual da proéxis’, ‘Evolução em cadeia’, ‘O que é a conscienciologia’.
Saindo do assunto literário, Alzemiro mostra mais uma das coisas que fez com as próprias mãos. No canto direito do escritório, próximo a estante de livros, está o armário de madeira cheio de gavetas que saiu mais em conta fazer do que comprar.
"Isso aqui fui mandar fazer e o cara falou que era R$ 462. Fiz o desenho e levei na marcenaria e o cara falou que era R$ 462. Fui em outro e parece que os caras tinham combinado. Sabe quanto gastei com material? R$ 72. Aí peguei e fiz um pra mim, minha cunhada queria um pra ela, minha filha queria outro e acabei fazendo quatro”, relata.
No escritório, contudo, o armário parece a invenção menos criativa do morador quando comparado a cadeira de madeira. Quando o militar a pegou e fez menção que iria subir para pegar um livro no alto da estante, me preocupei.
Neste momento ocorreu mais uma das surpresas que Alzemiro proporcionou sem perceber. “O que você tá vendo aqui? Não é uma cadeira? Se eu falar que não é?”, indaga. Em seguida, ele abre a cadeira que se transformou numa escada. “Pode subir aqui e fazer uma festa”, afirma.
Ao descer da cadeira-escada, o militar mostra o livro que escreveu. “Esse demorei quatro anos. No primeiro livro a gente não tem assunto, começa com autobiografia, depois acabei colocando o contexto da consciência. Isso aí tem tudo”, ri. A obra em questão é ‘Vida: Oportunidade de aprender’.
Para quem procura uma história, Alzemiro garante mil e uma. Uma das últimas facetas que compartilha é o lado militar. Natural de Ponta Porã, ele cresceu na cidade, porém passava muito tempo na fazenda trabalhando com o pai carpinteiro.
Na zona rural vivia montando no cavalo e quando chegou a idade de servir o Exército, ele decidiu mudar o rumo de tudo. Eu falei: ‘Sabe de uma coisa? Eu não vou servir em Ponta Porã e nem Bela Vista. Já andei a cavalo uma vida inteira, desde guri, não vou mais andar a cavalo’. Ai vim pra Campo Grande”, comenta.
Na cidade conheceu a mulher com quem está casado há 56 anos. Aos 80 anos, Alzemiro não constrói mais por conta da idade que parece ser menos devido a tanta energia que demonstra.
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