Bengala e boneca são bens preciosos dos vovôs que não desgrudam nem para foto
Não sobrou muito, mas o que restou tem valor imenso que eles carregam por todos os cantos e mostram que o importante é o amor
Para quem não sobrou muito, objetos simples se tornam valiosos. A bengala deixa de ser apenas um bastão de apoio, a boneca vira a melhor amiga para desabafar, o chapéu melhora a autoestima e faz sentir-se o mais lindo e elegante do mundo. Até mesmo aquela agendinha velha jogada pelos cantos se transforma num caderno de anotações precioso, que ajuda a lembrar dos compromissos.
Toda essa sensibilidade foi registrada pelas lentes da fotógrafa Fernanda Rossati e criou a exposição “Além do Olhar”, com os vovôs de 70 anos, que fica até o dia 13 deste mês no Shopping Campo Grande. Ela atua na área há dez anos e gosta de mostrar o lado mais profundo das coisas. Certa vez, conheceu os vovôs do Asilo São João Bosco e quis fazer um calendário para incentivar as pessoas visitarem o local.
“Quando falam em asilo pensam em abandono, mas não é assim. As pessoas deixam de dar atenção, mas lá é diferente. Fiz as fotos preta e branca para a pessoa ver e imaginar quem é que está na foto, incentivar a ir no asilo e conhecer quem são eles. Amo meu trabalho”, explica.
Aos 37 anos e após enfrentar a depressão, ela percebeu a importância de valorizar as pessoas e os momentos simples da vida. Para Fernanda, todos precisam de um pouquinho de atenção. “Muitos estão preocupados com os jovens, mas se esquecem do idoso, que sente a amargura”.
“O asilo não é lugar de abandono, lá eles são bem tratados. Se é pra ficar sozinha, me deixa no asilo, é onde existe muito amor. Conversam e interagem entre si, os profissionais cuidam com carinho”, afirma.
A ideia de fazer a sessão de fotos com os assistidos do local surgiu a partir de 2008, mas o projeto só foi sair do papel em fevereiro deste ano, após conseguir ajuda da amiga Regiane. Combinou com os responsáveis pelo asilo e passou um dia ao lado do filho, fotografando os vovôs. Percebeu a alegria no semblante de cada um e a carência no olhar de quem ainda precisa de muito amor.
“Eles gostam de ser ouvidos. Quando estava fazendo as fotos, eles pediam para ver se tinha ficado boa as imagens. Não deixaram os objetos porque fazem parte da história deles, teve uma senhorinha que está com a agenda na mão. Ela se acha muito importante, disse que tinha muitos compromissos, se acha rica”, lembra.
A boneca de pano na mão da cadeirante, hoje virou a filha. O retrato do senhor com as duas mãos no queixo foi batizado por Fernanda de “O pensador”. “Ele contou que estava esperando pela neta há três dias, mas ela não chegava. É comovente ver aquilo”.
Duas pessoas não desgrudaram das bengalas, que serviram para fazer pose. Duas vovós colocaram os acessórios, anéis, colares e pulseira para dar um “up” no visual. Uma senhora em especial, de cabelo cacheado curto e vestido longo, que sentada em uma cadeira mostrou o seu bem mais preciso, o sorriso. Dois senhores usaram o chapéu para parecerem elegantes, outros dois deixaram os relógios em destaque, mas apenas uma pessoa com vestido de botões, preferiu ficar mais séria.
“A foto impressa é a única lembrança que fica, mas está desvalorizada. Deixou de ser importante por causa do celular. Quando a pessoa pega o papel, recorda dos momentos vividos. Minha avó faleceu há anos, e não me lembro do rosto dela, a imagem ajuda. Quando pego o álbum da família, lembro da infância”.
A proposta do calendário ainda está em andamento. A ideia é vender para as empresas e doar a quantia para a casa de assistência. “O asilo vai fazer 120 anos, seria interessante comprar um lote com frase de incentivo, isso vai despertar a vontade das pessoas conhecerem o espaço”, relata Fernanda.
Além do trabalho com os vovôs do asilo, Fernanda deseja fotografar mulheres vítimas de agressão verbal. “Essa agressão desmotiva, a pessoa deixa de se cuidar, isso fere mais que um tapa. Quero mostrar o antes, produzir a modelo e fazer uma foto depois. Também quero fotografar as crianças da Apae [Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Campo Grande] com roupas de heróis”, conclui.