Com ar de colégio interno, pensionato para mulheres tem meninas de 15 a 70 anos
Há 14 anos, o Pensionato São Francisco funciona na Rua São Paulo, de porta abertas para hospedar só mulheres. Ainda serve como solução para quem vem de fora estudar, trabalhar ou começar a vida longe da casa dos pais, mas ao longo do tempo muita coisa mudou, porque a mulherada também é outra.
O prédio é antigo e pertence à Missão Franciscana. Foi construído em 1985 e funcionou como seminário por 17 anos. Pela falta de seminaristas na época, e para que o lugar não ficasse às moscas, o frei que administrava o lugar decidiu criar o pensionato para as jovens maiores de idade que estavam estudando.
Inaugurado em janeiro de 2002, ficou dois meses sem nenhum hóspede. O jeito foi providenciar anúncios em jornais e panfletos de propaganda. “Aos poucos as famílias foram chegando, conhecendo e vendo que o lugar era confiável para deixar as filhas”, conta Raquel Green Freitas, de 53 anos, que hoje administra o local.
No início, para morar ali, as regras eram muito mais severas. Além da disciplina, havia sistema rigoroso para entrada e saída das meninas. “Era necessário que, ao sair, as meninas anotassem em uma ficha aonde iam, com quem, endereço, telefone e o horário para volta”, explica.
Caso chegassem atrasadas, o descumprimento da regra era um ponto negativo que, somado a outros problemas, poderia levar a expulsão.
Mas aos poucos, com a mudança das rotinas e, principalmente, das jovens, Raquel foi obrigada a modificar as regras. "Hoje não precisa mais avisar para sair. Não há mais tanta fiscalização", diz.
Adolescentes também já são aceitas. Quem é menor de idade, pode ir para onde quiser, desde que tenha um termo de responsabilidade assinado pelos pais.
Os horários de entrada e saída são das 5h da manhã até às 23h. Se alguém extrapolar o horário, só pode entrar no outro dia de manhã, por conta da tranquilidade e disponibilidade de funcionários na recepção.
Ao andar pelo prédio, o sentimento é de nostalgia. “Lembra muitos os antigos colégios internos. Muitos pais quando vem aqui conhecer, se identificam e lembram-se dos tempos de juventude”, diz Raquel.
Além da sala de visitas, há um refeitório, salas de estudo, varanda, jardim e uma capela, onde todos os domingos são realizadas missas, mas Raquel garante que ali todas as religiões são muito bem vindas. “A missa é aberta para a comunidade, as moradoras não são obrigadas a participar e nós respeitamos todas as religiões”.
A capacidade é para 40, mas só 35 mulheres vivem no pensionato. A maioria na faixa etária de 15 a 23 anos. Muitas vieram a Campo Grande para estudar, outras trabalham e preferem morar no pensionato para fugir da solidão.
Duas hóspedes destoam da maioria, uma tem 63 e outra de 70 anos.
Advogada aposentada, Rossana Satabile, de 63, é a moradora mais antiga do pensionato. Há 12 anos no lugar, ela veio de Presidente Prudente no interior de São Paulo e comenta que não pensa mais em sair dali. “Eu vim morar aqui porque tenho pânico de viver sozinha e aqui me sinto muito bem”.
A estudante de Medicina, Elizandra Martini, de 21 anos, veio de Sinop, no Mato Grosso, para fazer cursinho e já voltou ao pensionato pela segunda vez. “Vim para estudar e depois para cursar a faculdade. Gosto muito daqui e pretendo ficar até o fim do meu curso”.
Mesmo cada uma em seu quarto, é preciso seguir as normas de convivência, para que nada saia do eixo. “Não mandamos em ninguém, mas queremos que todas possam se sentir a vontade e que fiquem aqui com a gente”.
Os planos são variados. Tem o quarto simples, por R$ 549,00, em que a mulher usa o banheiro comunitário. Quem deseja um quarto com banheiro privativo, paga R$ 760,00 ao mês. As meninas podem optar somente pelo café da manhã, ou incluir almoço e jantar no pensionado. Nesses casos, os preços variam de R$ 760,00 a R$ 1.021,00 por mês.
“Mas a maioria prefere fazer o próprio almoço. Por isso temos uma cozinha equipada e cada uma tem o seu armário para manter utensílios e alimentos guardados”, esclarece. E como em qualquer casa, a regra é simples: sujou, lavou.
Para manter a organização em todo o ambiente, até na lavanderia há uma escala. Cada mulher tem o seu dia e horário para lavar roupa. Se usar a máquina, paga um valor de R$ 16,00 por dia.
Entre idas e vindas, Raquel calcula que já passaram pelo endereço mais de mil mulheres. “Muitas já se formaram, casaram ou estão vivendo a vida em outro lugar. Cada uma tem uma história e uma vivência. Quando a primeira moradora foi embora, eu até chorei, a gente se apega e cuida. Mas hoje já estou acostumada”, finaliza.