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Comportamento

Crime fez 50 anos e livro lembra que todo dia uma Araceli é violentada

Obra resgata caso da menina raptada, estuprada e assassinada que virou símbolo de combate à violência sexual

Jéssica Fernandes | 12/05/2023 07:36
Em 1973, Araceli foi estuprada e morta aos 8 anos de idade. (Foto: Reprodução)
Em 1973, Araceli foi estuprada e morta aos 8 anos de idade. (Foto: Reprodução)

Em 18 de maio de 1973, Araceli Cabrera Crespo saiu mais cedo da escola a pedido da mãe. A intenção da menina, de 8 anos, era pegar o ônibus que a levaria para casa dos pais em Vitória, Espírito Santo. Araceli não cumpriu o trajeto, foi raptada, drogada, violentada sexualmente e assassinada.

O caso da menina ganhou repercussão nacional sendo noticiado em jornais impressos e televisivos. A brutalidade do crime comoveu Vitória e o restante do País que acompanhou desde as investigações a última sentença que absolveu Paulo Helal, Dante Brito Michelini e Dante de Barros Michelini.

Os detalhes do crime, bastidores da investigação, entrevistas com familiares de Araceli e outras informações inéditas ganharam capítulos no livro-reportagem escrito pelos jornalistas Felipe Quintino e Katilaine Chagas.

Jornalistas Felipe Quintino e Katilaine Chagas são autores do livro-reportagem. (Foto: Divulgação)
Jornalistas Felipe Quintino e Katilaine Chagas são autores do livro-reportagem. (Foto: Divulgação)

Durante dois anos, eles se dedicaram ao trabalho que resultou na obra ‘O caso Araceli: Mistérios, abusos e impunidade', que será lançada oficialmente no dia 17 de maio, na Livraria Leitura, em Vitória. Publicado pela editora Alameda, o livro está em fase de pré-venda pelo site. 

Ao Lado B, o professor do curso de Jornalismo da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), fala sobre a história de Araceli, o impacto do caso e o intuito de o resgatar para que não caia no esquecimento.

Natural de Vitória, Felipe sequer tinha nascido quando a morte da menina parou a cidade. O contato do professor, de 41 anos, com Araceli começou através de relatos de jornalistas que acompanharam de perto a história.

Capa do livro construído a partir do processo e entrevistas com famíliares da vítima. (Foto: Divulgação)
Capa do livro construído a partir do processo e entrevistas com famíliares da vítima. (Foto: Divulgação)

“Ao mesmo tempo muitas pessoas se lembram desse caso em Vitória e várias comentavam. Eu nasci posteriormente, mas outros jornalistas já falavam comigo sobre o caso e eu escrevi um artigo sobre uma censura a um livro que chama ‘Araceli, meu amor’. Esse processo sempre me intrigou muito”, explica.

Para quem não conhece o caso Araceli, o jornalista evidencia que é um dos crimes de maior repercussão envolvendo uma criança e que ela se tornou símbolo no combate à exploração sexual contra menores.

“Em 2000, a lei federal atribui ao 18 de maio a lembrança desse crime, o  Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Então, toda a política feita no Brasil foi por conta do crime que envolveu a Araceli, uma criança que foi tida como desaparecida e que seis dias depois tem o corpo encontrado atrás de um hospital em Vitória”, afirma.

No dia 26 de maio, o corpo da criança foi achado em estado avançado de decomposição e desfigurado. A partir disso, a polícia iniciou a investigação que é detalhada no processo que pela primeira vez foi acessado por jornalistas.

O contato com esse documento com mais de 12 mil páginas é um dos diferenciais da obra, que também é a primeira sobre o caso no gênero literário. Felipe destaca a importância do material para a construção do livro.

“O processo tem as ascensões, as rivalidades entre autoridades, bastidores da investigação, falhas da investigação. Lendo o processo a gente encontra essas características. É a primeira vez que temos acesso a história a partir de dentro e não somente na imprensa”, ressalta.

Durante a pesquisa, Felipe comenta que precisou recuperar o fôlego diante de algumas informações. A crueldade contra a menina, segundo ele, foi uma das coisas que mais o impactaram.

“Lendo o processo eu até parava porque são situações de uma violência muito brutal. Ela foi encontrada sem roupas, num estado de decomposição do corpo muito adiantado. Não foi fácil ter que lidar com essas características, mas ao mesmo tempo a força do jornalismo é mais forte”, diz.

A repercussão do caso não influenciou na decisão final da Justiça. Os suspeitos, que nunca confessaram o crime, pertencem a famílias tradicionais e influentes do Espírito Santo. Após serem condenados, Paulo Helal, Dante Brito Michelini e Dante de Barros Michelini foram absolvidos por outro juiz.

Felipe fala a respeito da conclusão do caso que terminou sem punição. “É um processo que teve uma demora tanto na investigação, na punição e no julgamento. O crime aconteceu em 1973 e o arquivamento do processo em 1993. É um processo que terminou sem punição pros acusados e a Araceli se torna símbolo dessa discussão, mas infelizmente o processo terminou em impunidade e sem solução definitiva”, declara.

Escrito com base no processo, arquivos da imprensa, entrevistas exclusivas com familiares, promotores e jornalistas envolvidos no caso, o livro resgata o passado que não deve ser menosprezado.

“Essa é uma história que precisa ser contada. A gente não pode esquecer esse crime, nosso trabalho como jornalista é a luta contra esse esquecimento. A impunidade que reinou nesse processo é uma nova forma de violência contra a menina e esquecer o caso Araceli é outra forma de violência”, reforça.

50 anos depois da partida prematura da menina, Felipe e Katilaine se propõem a narrar a história de Araceli para aqueles que nunca a conheceram e para aqueles que já a esqueceram. A obra também é um lembrete de que diariamente outras meninas sofrem violência semelhante à vivenciada por Araceli.

“Infelizmente a violência contra as crianças continua de forma brutal, os dados são alarmantes, são quatro meninas de até 13 estupradas por hora no Brasil. É muita coisa. Estamos falando da década de 1970 e 50 anos depois os dados mostram que essa violência se perpetua de uma forma muito cruel”, conclui o jornalista.

Sobre os autores - Felipe Quintino nasceu em Vitória. É jornalista e professor do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Graduado em Letras e Jornalismo, fez mestrado e doutorado em Ciências da Comunicação na Universidade de São Paulo (USP). Atuou como repórter no jornal A Gazeta, onde participou de coberturas jornalísticas sobre Política e Justiça. Recebeu o Prêmio Capixaba de Jornalismo e o Prêmio de Jornalismo Cooperativista.

Katilaine Chagas nasceu no Rio de Janeiro. É jornalista, professora de inglês e tradutora. Formada em Jornalismo e Letras Inglês pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), foi repórter dos jornais A Gazeta e A Tribuna. Tem experiência na cobertura de Direitos Humanos, gênero e diversidade. Recebeu o Prêmio Findes de Jornalismo com uma série de reportagens sobre violência sexual e o Prêmio Adepes de Jornalismo com reportagem sobre pessoas trans.

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