ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram
NOVEMBRO, QUARTA  20    CAMPO GRANDE 23º

Comportamento

Da morte ao recomeço, Babacar molda looks do Senegal ensinados pelo avô

Alfaiate há 14 anos, africano está no Brasil há 1 ano e 4 meses, mas só agora conseguiu retomar o ofício

Danielle Valentim | 28/10/2019 06:10
 Babacar não ingere bebida alcoólica, não fuma e com muito foco manteve vivo o desejo de continuar no ofício ensinado pelo avô.(Foto: Paulo Francis)
Babacar não ingere bebida alcoólica, não fuma e com muito foco manteve vivo o desejo de continuar no ofício ensinado pelo avô.(Foto: Paulo Francis)

A busca por emprego fez o alfaiate Babacar Gueye, de 31 anos, deixar a família e o Senegal há um ano e quatro meses. Da cidade de Fass, região de Dakar, o senegalês desembarcou no Brasil com a intenção de continuar costurando, mas, em princípio, só conseguiu empregos braçais e de ambulante nas ruas.

O avô faleceu em maio de 2018 e a empresa foi fechada. Como não conseguiu manter os contratos, no dia 7 de junho do mesmo ano, Babacar deixou o país rumo ao Brasil. O alfaiate vivia numa região de praia, bastante animada, mas também impossível de trabalhar com o turismo.

Em Fass ficaram a mãe Absatou Niang, de 51 anos, que é professora de inglês, a irmã Astou Gueye, de 33, e um filho, de 7. O pai mora na comuna de HLM também região da capital Dakar.

Avô ensinando a costurar. (Foto: Arquivo Pessoal)
Avô ensinando a costurar. (Foto: Arquivo Pessoal)
Avô e parte dos Caps. (Foto: Arquivo Pessoal)
Avô e parte dos Caps. (Foto: Arquivo Pessoal)

O ofício foi ensinado pelo avô, quando Babacar tinha 16 anos. Ao lado do familiar trabalhou de 2004 a 2018, para o Governo produzindo uniformes, boinas e caps de militares, generais, delegados, prefeitos e governadores das 14 regiões. O único problema era o pagamento.

“O Governo encomendava os uniformes para o dia da Independência, 4 de abril, mas só paga na próxima Independência. São ao menos quatro meses de trabalhos seguidos, sem dormir, só costurando, para receber no próximo ano. Lá não tem trabalho e os que tem não pagam o suficiente. No Senegal, aluguel e energia são muito caros”, explica.

Para se ter uma noção, R$ 1,00 equivale a Franco CFA 147,64. Babacar revelou que a produção de um CAP para um General custa CFA 400.000,00 cerca de R$ 2.500,00. Quando o pagamento caía na conta, a empresa do avô tinha de se organizar para o resto do ano. “Assim que recebíamos meu tio, irmão de minha mãe, já buscava mais tecido”, lembra.

A chegada - A primeira cidade foi Porto Alegre (RS), onde passou dez meses no serviço braçal de uma empresa de telefonia. “Eu achava muito arriscado, vi colegas caírem”, conta.

Além do serviço braçal, o senegalês sofreu o racismo que nunca tinha sofrido em seu país. Ele chegou a ouvir que o patrão contratava senegalês porque queria força e não cérebro. Babacar não ingere bebida alcoólica, não fuma e com muito foco manteve vivo o desejo de continuar no ofício ensinado pelo avô.

Depois de seis meses, já no Mato Grosso do Sul, Babacar conseguiu juntar umas economias na venda ambulante de relógios e investiu em duas máquinas de costura. Uma que fecha e a segunda que dá acabamento.

Escolha do tecido é muito importante. (Foto: Paulo Francis)
Escolha do tecido é muito importante. (Foto: Paulo Francis)
Atenção a cada detalhe. (Foto: Paulo Francis)
Atenção a cada detalhe. (Foto: Paulo Francis)
Peças expostas na loja/ateliê. (Foto: Paulo Francis)
Peças expostas na loja/ateliê. (Foto: Paulo Francis)

Teranga - Tímido, mas mantendo a “teranga”, palavra do dialeto Wolof utilizada pelos senegaleses para se referir à hospitalidade e ao senso de acolhimento, Babacar convidou a reportagem a entrar no pequeno espaço do ateliê/loja alugado na Feira Central.

Além da língua oficial, o francês, Babacar fala o Wolof – que reina absoluto em todo o país – e outras dezenas de dialetos específicos para cada tribo.

Aprendendo o português num projeto da UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul), a conversa não foi nada fácil. Com ajuda de um papel e muita paciência, Babacar repetiu suas respostas até a reportagem entender.

O Senegal é um país da África Ocidental e, apesar de grande parte da população mulçumana, o árabe não é muito falado. O país é multilíngue, o Ethnologue lista 36 línguas faladas no país, e a maioria dos habitantes falam na sua própria língua étnica.

Uma curiosidade é que apesar de língua oficial, o francês tem sofrido uma reação de movimento linguístico nacionalista senegalês, que apoia a integração do wolof, na constituição nacional. Enquanto o pai de Babacar fala o Wolof, a mãe o Toucouleur, também chamado de Tukulor, que se refere a sua tribo.

Preços variam entre R$ 40,00 e R$ 150,00. (Foto: Paulo Francis)
Preços variam entre R$ 40,00 e R$ 150,00. (Foto: Paulo Francis)
Batas senegalesas a R$ 70,00. (Foto: Paulo Francis)
Batas senegalesas a R$ 70,00. (Foto: Paulo Francis)

Além do alfaiate, em Campo Grande, outros 11 senegaleses estão divididos em três repúblicas, uma na Rua Marechal Rondon, uma na Rua 13 de Maio e uma na Vila Bandeirantes. Boa parte revende eletrônicos, óculos e relógios trazidos de São Paulo, assim como Babacar fazia antes das máquinas e primeiros tecidos.

Na mesma levada vieram soldadores, vendedores, mas o único alfaiate é Babacar. Entre os recortes, fechamento e acabamento, Babacar gasta cerca de 30 minutos para finalizar uma camiseta do tipo bata.

Investimento - Babacar tem muita fé e acredita em seu negócio. Com a cara e a coragem, ou melhor, com as máquinas e os primeiros tecidos, abriu sua loja que funciona das 17h às 22h.

Na loja, blusas do tipo cropped saem a R$ 40,00, tunicas do tipo vestido sai a R$ 100,00, as calças chamadas de salapet custam R$ 80,00 e as t-shirts do tipo bata saem a R$ 70. Um blazer, que no Senegal é chamado de absason, sai por R$ 150,00. Babacar utiliza o Wax, tecido que vem diretamente de Senegal.

Com a importância que o colorido tem na África, o único tecido difícil de achar seja o preto básico. O alfaiate produz das peças mais tradicionais às modernas, basta escolher.

A profissão de Babacar é bastante comum no país, já que diferentemente de outros países, a maioria prefere escolher o próprio pano e mandar fazer. Entre a lista de curiosidades citada na matéria, é que há mais homens e até meninos pilotando a máquina de costura.

O ateliê/loja de Babacar fica no Box 100, da Feira Central de Campo Grande, na Rua 14 de Julho, 3351. O senegalês recebe encomendas pelo (067) 9 8454-9009.

Sabe de alguma história inspiradora? Mande para o Lado B no Facebook ou Instagram.

Babacar acredita muito em seu negócio. (Foto: Paulo Francis)
Babacar acredita muito em seu negócio. (Foto: Paulo Francis)
Nos siga no Google Notícias