Da morte ao recomeço, Babacar molda looks do Senegal ensinados pelo avô
Alfaiate há 14 anos, africano está no Brasil há 1 ano e 4 meses, mas só agora conseguiu retomar o ofício
A busca por emprego fez o alfaiate Babacar Gueye, de 31 anos, deixar a família e o Senegal há um ano e quatro meses. Da cidade de Fass, região de Dakar, o senegalês desembarcou no Brasil com a intenção de continuar costurando, mas, em princípio, só conseguiu empregos braçais e de ambulante nas ruas.
O avô faleceu em maio de 2018 e a empresa foi fechada. Como não conseguiu manter os contratos, no dia 7 de junho do mesmo ano, Babacar deixou o país rumo ao Brasil. O alfaiate vivia numa região de praia, bastante animada, mas também impossível de trabalhar com o turismo.
Em Fass ficaram a mãe Absatou Niang, de 51 anos, que é professora de inglês, a irmã Astou Gueye, de 33, e um filho, de 7. O pai mora na comuna de HLM também região da capital Dakar.
O ofício foi ensinado pelo avô, quando Babacar tinha 16 anos. Ao lado do familiar trabalhou de 2004 a 2018, para o Governo produzindo uniformes, boinas e caps de militares, generais, delegados, prefeitos e governadores das 14 regiões. O único problema era o pagamento.
“O Governo encomendava os uniformes para o dia da Independência, 4 de abril, mas só paga na próxima Independência. São ao menos quatro meses de trabalhos seguidos, sem dormir, só costurando, para receber no próximo ano. Lá não tem trabalho e os que tem não pagam o suficiente. No Senegal, aluguel e energia são muito caros”, explica.
Para se ter uma noção, R$ 1,00 equivale a Franco CFA 147,64. Babacar revelou que a produção de um CAP para um General custa CFA 400.000,00 cerca de R$ 2.500,00. Quando o pagamento caía na conta, a empresa do avô tinha de se organizar para o resto do ano. “Assim que recebíamos meu tio, irmão de minha mãe, já buscava mais tecido”, lembra.
A chegada - A primeira cidade foi Porto Alegre (RS), onde passou dez meses no serviço braçal de uma empresa de telefonia. “Eu achava muito arriscado, vi colegas caírem”, conta.
Além do serviço braçal, o senegalês sofreu o racismo que nunca tinha sofrido em seu país. Ele chegou a ouvir que o patrão contratava senegalês porque queria força e não cérebro. Babacar não ingere bebida alcoólica, não fuma e com muito foco manteve vivo o desejo de continuar no ofício ensinado pelo avô.
Depois de seis meses, já no Mato Grosso do Sul, Babacar conseguiu juntar umas economias na venda ambulante de relógios e investiu em duas máquinas de costura. Uma que fecha e a segunda que dá acabamento.
Teranga - Tímido, mas mantendo a “teranga”, palavra do dialeto Wolof utilizada pelos senegaleses para se referir à hospitalidade e ao senso de acolhimento, Babacar convidou a reportagem a entrar no pequeno espaço do ateliê/loja alugado na Feira Central.
Além da língua oficial, o francês, Babacar fala o Wolof – que reina absoluto em todo o país – e outras dezenas de dialetos específicos para cada tribo.
Aprendendo o português num projeto da UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul), a conversa não foi nada fácil. Com ajuda de um papel e muita paciência, Babacar repetiu suas respostas até a reportagem entender.
O Senegal é um país da África Ocidental e, apesar de grande parte da população mulçumana, o árabe não é muito falado. O país é multilíngue, o Ethnologue lista 36 línguas faladas no país, e a maioria dos habitantes falam na sua própria língua étnica.
Uma curiosidade é que apesar de língua oficial, o francês tem sofrido uma reação de movimento linguístico nacionalista senegalês, que apoia a integração do wolof, na constituição nacional. Enquanto o pai de Babacar fala o Wolof, a mãe o Toucouleur, também chamado de Tukulor, que se refere a sua tribo.
Além do alfaiate, em Campo Grande, outros 11 senegaleses estão divididos em três repúblicas, uma na Rua Marechal Rondon, uma na Rua 13 de Maio e uma na Vila Bandeirantes. Boa parte revende eletrônicos, óculos e relógios trazidos de São Paulo, assim como Babacar fazia antes das máquinas e primeiros tecidos.
Na mesma levada vieram soldadores, vendedores, mas o único alfaiate é Babacar. Entre os recortes, fechamento e acabamento, Babacar gasta cerca de 30 minutos para finalizar uma camiseta do tipo bata.
Investimento - Babacar tem muita fé e acredita em seu negócio. Com a cara e a coragem, ou melhor, com as máquinas e os primeiros tecidos, abriu sua loja que funciona das 17h às 22h.
Na loja, blusas do tipo cropped saem a R$ 40,00, tunicas do tipo vestido sai a R$ 100,00, as calças chamadas de salapet custam R$ 80,00 e as t-shirts do tipo bata saem a R$ 70. Um blazer, que no Senegal é chamado de absason, sai por R$ 150,00. Babacar utiliza o Wax, tecido que vem diretamente de Senegal.
Com a importância que o colorido tem na África, o único tecido difícil de achar seja o preto básico. O alfaiate produz das peças mais tradicionais às modernas, basta escolher.
A profissão de Babacar é bastante comum no país, já que diferentemente de outros países, a maioria prefere escolher o próprio pano e mandar fazer. Entre a lista de curiosidades citada na matéria, é que há mais homens e até meninos pilotando a máquina de costura.
O ateliê/loja de Babacar fica no Box 100, da Feira Central de Campo Grande, na Rua 14 de Julho, 3351. O senegalês recebe encomendas pelo (067) 9 8454-9009.
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