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Comportamento

Em festa diferente, Júlia derruba “receitas” sobre viver como autista

Com espectro autista, filha emocionou os pais quando aceitou comemorar o aniversário de 15 anos

Thailla Torres | 28/10/2021 08:20
Júlia sendo abraçada pelas amigas em sua festa de 15 anos. (Foto: Vicente Barros)
Júlia sendo abraçada pelas amigas em sua festa de 15 anos. (Foto: Vicente Barros)

A fisioterapeuta Renata Cristina Mello Roriz ainda amamentava a filha Júlia, quando notou algumas diferenças no comportamento, reações e desenvolvimento cognitivo dela. Anos depois, o diagnóstico: transtorno do espectro autista. Nada mudou radicalmente na vida da mãe, exceto a importância de respeitar o tempo da filha mais velha em cada fase da vida.

Por isso, a tradicional festa de 15 anos nunca foi para Renata e o marido um sonho de consumo como é para alguns pais. Isso porque a filha sempre teve um jeito singular de se relacionar com as pessoas e, muitas vezes, preferiu ficar em casa, no seu quarto ou em ambientes sem muito tumulto. Logo, uma festa lotada nunca esteve nos planos.

Foi em 2019 que Júlia surpreendeu. Ela chegou até a mãe e disse que queria ter uma festa de 15 anos tradicional. Renata admite um susto nos primeiros segundos, mas o coração quase saltou de alegria em seguida.

Anime virou tema para baile de 15 anos da adolescente. (Foto: Vicente Barros)
Anime virou tema para baile de 15 anos da adolescente. (Foto: Vicente Barros)

Foi então que juntas, começaram a pensar no evento e alguns detalhes foram estrategicamente escolhidos para que Júlia ficasse 100% à vontade na própria festa. “Por exemplo, escolhemos um salão em que eu conheço a proprietária, justamente porque Júlia poderia voltar atrás, então, tudo ficaria mais fácil. A festa também teve apenas 15 amiguinhos dela convidados, pessoas que ela se sentia mais à vontade e o tema foi totalmente escolha dela”.

Apaixonada por animes, Júlia escolheu uma produção japonesa como tema. Decidiu junto à mãe usar um vestido brilhoso, coisa que Renata nem imaginava que ela fosse querer. Também decidiu passar sua festa do jeito mais confortável possível, de chinelo, sem que qualquer sapato de salto machucasse seu pé. Outro pedido da filha foi extinção da valsa. “Muito clichê, mãe”, justificou a adolescente à Renata. E tudo bem para os pais.

Com cada pedido da festa seguido à risca, o que mãe não imaginava mesmo era ver o brilho nos olhos de Júlia no último fim de semana, quando o cerimonialista Antonio Osmânio recebeu a aniversariante para mostrar todos os detalhes prontos.

“Foi uma surpresa maravilhosa para nós. Normalmente, ela não tem reações e emoções tão fortes às coisas. Quando ela chegou à festa e viu tudo, eu não esperava aquele momento, mas ela quase chorou de alegria e não teve como a gente conter a emoção. Ficamos radiantes”.

O que para alguns pode ser só mais uma festa de aniversário, para Renata e o marido foi prova de que a filha pode chegar muito além do que o que algumas pessoas “determinam” com palavras. “Não existe um limite para a Júlia”, diz a mãe.

Por diversas vezes, Renata ouviu das pessoas que o autismo a limitaria ou percebeu olhares de piedade quando falava abertamente do espectro da filha. “Infelizmente, existe uma negação sobre o autismo, ainda que o diálogo tenha mudado nos últimos anos. Por isso, algumas pessoas acham que a vida dela não pode ser normal. De fato, ela tem uma forma diferente de ver o mundo, mas nada a impede de evoluir”, descreve a mãe.

E a festa de aniversário aos 15 anos foi a maior prova disso. “Júlia nos mostrou e mostrou a muitas pessoas que não existe uma receita para seguir uma vida com a filha autista. É claro que a gente faz todo o possível e luta junto para o desenvolvimento dela, mas não dou a ela a chance de estagnar na vida. Sabemos que ela pode e consegue no tempo dela. E respeitamos isso”.

Hora do parabéns ao lado dos pais, que estavam radiantes com a filha. (Foto: Vicente Barros)
Hora do parabéns ao lado dos pais, que estavam radiantes com a filha. (Foto: Vicente Barros)

Júlia ficou tão feliz, que até quebrou os protocolos que ela mesma tem seguido nos últimos anos. “Geralmente, ela consegue ficar confortável até meia noite, por isso, ela tinha dúvidas se conseguiria ficar acordada para curtir a própria festa. Mas ela não só ficou até meia noite, como aguentou curtir até 1h30 da manhã e só depois disso, pediu para ir embora”.

A festa ainda teve muitas guloseimas, brinde com champanhe sem álcool, bolo temático, amigas fantasiadas e todas as músicas de animes que ela adora.

Como o salão era para atender 750 pessoas e Júlia tinha só 15 amigos como convidados, ela ainda topou cantar parabéns também para a mãe, que completou 46 anos quatro dias depois dela. “Ela faz no dia 20 de outubro e eu dia 24, então, perguntei a ela se tudo bem eu comemorar meu aniversário junto com o dela e ela topou, isso também foi inesquecível”.

Outro detalhe emocionante foi ideia dos pais. No lugar do presente, quem quisesse, poderia fazer uma doação em dinheiro para que o dinheiro fosse revertido à AMA (Associação de Pais e Amigos do Autista de Campo Grande).

“Na visão dela, o mais importante era a presença das pessoas que ela gosta, por isso, chegar com ou sem presente não faria diferença. Mesmo assim, quase todos resolveram presenteá-la, mas outros deram presente para a AMA e isso nos deixou muito feliz. Foi o jeitinho que a gente encontrou de ajudar em meio à alegria de ver a Júlia realizando um sonho”, diz a mãe.

Ao lembrar-se de cada detalhe da festa, Renata se emociona. “Foi incrível. Faltam palavras para descrever a alegria da Júlia e nossa emoção em vê-la feliz no próprio aniversário. Se alguém tivesse filmando a minha cara e a do pai dela quando ela viu tudo pela primeira vez, certamente já teríamos virado meme, de tão radiantes que ficamos”, finaliza a mãe, rindo de felicidade.

Lembrancinhas com anime predileto. (Foto: Vicente Barros)
Lembrancinhas com anime predileto. (Foto: Vicente Barros)

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