Com pesqueiro só para elas, crianças autistas viveram dia de descobertas
Pesqueiro em Campo Grande foi fechado para ação que envolveu crianças e adolescentes autistas e famílias
Neste sábado (26), um pesqueiro em Campo Grande fechou as portas para um evento pra lá de especial, uma pescaria exclusiva para adolescentes autistas e suas famílias. A manhã de quebra de rotina foi dedicada à conexão, respeito e à descoberta de novas possibilidades.
A ação nasceu no grupo Amplitude ABA, especializado no atendimento de crianças e adolescentes com autismo. De acordo com o psicólogo Wagner Vilas Boas de Morais, um dos organizadores da pescaria, o encontro faz parte de um trabalho de habilidades sociais desenvolvido no grupo.
"De 15 em 15 dias, temos encontros e fazemos as chamadas 'saídas sociais', onde eles colocam em prática o que aprendem no grupo", explica. Segundo ele, nesse ano a ideia foi usar o hiperfoco de cada um dos adolescentes para organizar os encontros.
Desta vez, a inspiração para o ‘rolê’ foi João, de 15 anos. Autista nível 3, o adolescente tem hiperfoco em pesca.“O João ama pescar. Então pensamos: por que não uma pescaria e levar todos eles para conhecer esse universo?", detalha Wagner.
Com a ajuda da mãe do João, Naína Dibo, que também virou pescadora por causa do filho, o local foi reservado para a ação. "Tinha mãe chorando porque o filho estava interagindo e feliz com os outros. Infelizmente, essa interação social não é comum com muitas crianças autistas, que acabam ficando reclusas em casa. Muitas famílias enfrentam essa barreira, então, ter esse momento tem uma importância enorme”, relata.
Segundo ela, o diagnóstico do João veio com pouco mais de um ano de idade. "Ele parou de olhar pra gente. Eu até achei que ele estava surdo", relembra Naína. Naquela época, a falta de informação foi um duro obstáculo a ser enfrentado. "Tive que sair do Brasil para ter o diagnóstico, mas com certeza faria tudo de novo pelo meu filho", afirma.
A mesma dificuldade foi vivida pela professora Camila Miranda, que enfrentou um caminho demorado para entender o comportamento do filho mais velho, Samuel, hoje com 15 anos. Segundo ela, a jornada foi marcada pela falta de informação e o esforço para construir, do zero, uma nova rotina para a família.
Desde pequeno, Samuel já dava sinais de que era diferente. Gostava de empilhar latas e enfileirar carrinhos, mas, por ser verbal e crescer rodeado de adultos, os sinais de autismo passavam despercebidos. "Na minha percepção, autista era aquele que ficava no próprio mundo", conta Camila.
A primeira desconfiança veio na escola, quando uma professora alertou que Samuel se comportava de maneira diferente dos colegas. A partir daí, começou uma maratona de dois anos em busca de um diagnóstico correto.
Sem encontrar respostas em Campo Grande, Camila precisou ir até Curitiba para confirmar o diagnóstico. “Cada autista tem suas especificidades. Não existe receita de bolo. O que funciona para um, pode não funcionar para outro", pontua.
Em eventos inclusivos, como a pescaria, onde fez questão de levar o filho, Camila vê a importância de abrir espaços para que as crianças com autismo possam conviver, explorar a natureza e criar novas experiências.
"Isso ajuda eles a normalizarem situações que, para muitos, são estressantes, como contato com animais, cheiros e barulhos diferentes. Precisamos criar um ecossistema de inclusão envolvendo clínicas, escolas, universidades, empresas privadas... Eles têm capacidade, competências, habilidades. Só precisamos ajudar a encontrar o caminho certo para cada um", defende.
Ao todo, 25 pescadores voluntários e oito caiaqueiros participaram da ação para auxiliar a turma. ”É muito mais que uma pescaria, é uma chance para que eles experimentem algo novo e também se desenvolvam. Porque aqui eles fazem contato visual, perguntam como fazer para pescar, esperam o peixe morder a isca. Tudo isso é muito importante para eles porque desenvolve habilidades e autonomia, finaliza o psicólogo Wagner.
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