Em meio dominado por eles, errar em campo tem peso muito maior para Daiane
Árbitra há 7 anos, ela sabe que erro cometido por mulher não tem perdão no futebol
Em cenário dominado por homens, a menina fascinada por futebol, praticamente “desde que se entende por gente”, entrou na lista de árbitras credenciadas pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol). Daiane Muniz cresceu jogando futebol com a garotada na rua e está entre o grupo pequeno de mulheres que são cerca de 7% de toda a equipe nacional de arbitragem.
Nascida em Três Lagoas, a sul-mato-grossense foi convocada para a equipe de arbitragem dos Jogos Pan-Americanos, sediados este ano em Lima, no Peru. Uma conquista que envolveu 7 anos de dedicação à carreira, mas que principalmente, é mais um passo em direção ao sonho de entrar para o quadro de árbitros na série dos campeonatos Brasileiros.
Com uma rotina de treinos de atleta, que envolve alimentação, exercícios físicos e muita inteligência emocional, além do domínio da técnica, teoria e das regras do jogo, Daiane acredita que o segredo para encarar a profissão de frente e “estar nesse mundo e de suportar todas as situações é a paixão pelo futebol”.
Com a cabeça na conquista dos próximos objetivos, Daiane entende a responsabilidade da própria atuação em campo. “Quando tem uma mulher atuando e ela comete um erro, não foi ela como pessoa quem errou, foi a mulher. Um erro é ruim para toda mulher. Vai ser sempre o erro de uma mulher. Na nossa categoria, isso é meio generalizado”.
Bem humorada, Daiane deixa um pouco de lado a postura séria que assume em campo, a conversa por telefone tem tom mais informal, revelando um segundo segredo sobre ser uma mulher bem sucedida em um mundo de homens: Colocar comentários machistas e o assédio que vem da arquibancada em segundo plano e manter o foco dentro de campo.
“Eu procuro não dar muita importância para isso. O cara que está na arquibancada, é aquele cara que fala assim: ah, você não deveria estar aí, deveria estar lá em casa, lavando a minha louça”. Eu gosto de dizer que não sou eu quem sofro com esse preconceito, quem sofre é a família, é a esposa dele, é a filha, é o convívio dele. No meu caso, vai entrar por um ouvido e sair pelo outro”, relata.
Quando o assunto é o assédio, principalmente da parte dos jogadores, Daiane afirma estar inserida em um meio composto por profissionais e que em sua maioria se comportam como tal. “Isso depende muito do nível, se eu estou na série D, lá na quarta divisão, eu estou lidando com certo tipo de profissional. Se eu estou na série B, A, é outro tipo de profissional e é lá que eu estou buscando chegar”.
É claro que a maturidade para analisar as situaçōes só veio com o tempo, Daiane conta que no começo da carreira nem sempre foi assim e já chegou a se sentir mal com esse tipo de comentários, mas hoje relaciona a própria reação a inteligência emocional trabalhada ao longo dos anos.
Focada nos próprios objetivos, ela diz existirem coisas muito mais importantes com o que se preocupar. “Tem muitas outras coisas que eu tenho que enxergar, que vão ser muito melhor para mim e para a minha carreira do que ficar pensando nesse cara aí, que está atrás de mim, que está pagando para ver o jogo, mas prefere ficar atrás de mim falando asneira”.
Daiane acredita a persistência é uma das maiores necessidades de quem escolhe uma carreira no futebol que não inclui os holofotes recebidos pelos jogadores. Não apenas pelo esporte, para ela inclusive as situações impostas pela própria vida e que “são situações de ser forte, de treinar, de ter resiliência”. Para encarar o caminho escolhido, e não só pelo fato de gênero, ela diz que é preciso se manter em uma luta e ter muita paixão por aquilo que está buscando.
Formada em Educação Física, Daiane também precisou passar por um curso de arbitragem, que aqui no Estado, tem duração de 240 horas. Ainda assim, o curso não é garantia de sucesso. Para atuar nos grandes campeonatos e receber a certificação da CBF também é necessário passar por um teste físico feito em uma pista de atletismo. Ela conta que a prova exige resistência, são 40 tiros em uma pista de 75 metros, em que o candidato tem apenas 15 para completar o trajeto e outros 20 segundos para “descansar”.
Mesmo depois de certificada pela CBF, para se manter apta a atuar nos jogos, ainda é preciso realizar o teste novamente como forma de “manutenção”, que acontece três vezes ao ano. Contando com os Jogos Pan-Americanos, Daiane vai passar pelo processo pelo menos 5 vezes, só em 2019.
Quando o assunto é o time de coração, ela afirma ter abandonado a paixão por qualquer camisa em nome da imparcialidade, mas a ao contrário do que parece, a decisão não doeu. Foi o momento em que Daiane entendeu que o amor que carregou desde a infância não era por uma bandeira, e sim pelo próprio esporte. “Hoje a minha maneira de assistir ao futebol é totalmente diferente. Muito mais técnica, eu observo o árbitro, para onde ele corre, para onde ele vai, como é a tomada de decisão. Antes eu só torcia, eu tinha um time do coração e eu só torcia para esse time. Hoje eu entendo os dois lados. Até a empatia precisei que treinar. É uma profissão em que estou constantemente aprendendo e evoluindo”.
Para lidar com a pressão que cada decisão durante o jogo significa, Daiane passou a prestar mais atenção em si mesma, fazer exercícios de respiração e não tem vergonha de dizer que faz acompanhamento psicológico. No divã da terapeuta da CBF, ela aprendeu a lidar com erros, com a ansiedade, a fazer uma coisa de cada vez. E, principalmente que a tomada de decisão em campo é algo treinável e que pode ser aplicada à vida, não apenas para a carreira.