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Comportamento

Em praça, cadeirante e mulher mirradinha tocam na ferida dos outros com humor

Espetáculo “Dores do Mundo” traz a história de dois moradores de rua que revelam as crueldades do mundo.

Thailla Torres | 17/07/2019 08:45
Ator Jorge de Barros e atriz Tauanne Gazoso interpretam moradores de rua no espetáculo (Foto: Sátiro Art Fotografia)
Ator Jorge de Barros e atriz Tauanne Gazoso interpretam moradores de rua no espetáculo (Foto: Sátiro Art Fotografia)

Ser cadeirante num mundo ainda tomado pelo preconceito e falta de acessibilidade é difícil, ser mulher numa sociedade machista mais ainda. Mas esse conjunto dentro da realidade de moradores de rua é, para muitos, a imagem mais grosseira da civilização. Eles estão sempre sozinhos, mesmo assim o mundo não os deixa em paz, seguem marginalizados, agredidos, taxados como a “merda social”. Adjetivos que parecem grosseiros no primeiro instante, mas falam muito de quem está do outro lado da história olhando com crueldade a pobreza, fazendo o possível só para uma minoria, enquanto o restante vira a escória do mundo.

A descrição acima é um pequeno traço do que os 60 minutos do espetáculo “Dores do Mundo” trouxe ao público na última segunda-feira, na Praça dos Imigrantes. A peça que surgiu da pesquisa da atriz Tauanne Gazoso sobre o bufão, linguagem teatral que trabalha o riso em suas múltiplas facetas, como a ironia e o sarcasmo, trazem para o espetáculo um texto que, em alguns momentos, é um pouco cruel, a ponto de tocar na ferida da sociedade sem dó e conseguir mostrar o que temos feito com o mundo intencionalmente ou sem perceber.

Tauanne entrou em cena ao lado de Jorge de Barros Oliveira, ator cadeirante que pela primeira vez encarou o teatro de rua. Juntos fizeram críticas brincando sobre como o mundo olha para as minorias. “Conseguimos falar de coisas muito sérias e apontar as feridas da sociedade com uma linguagem teatral que desperta carinho e empatia, traz um carnaval para o corpo”, explica Tauanne.

A peça que surgiu da pesquisa da atriz Tauanne Gazoso sobre o bufão, linguagem teatral que trabalha o riso em suas múltiplas facetas. (Foto: Sátiro Art Fotografia)
A peça que surgiu da pesquisa da atriz Tauanne Gazoso sobre o bufão, linguagem teatral que trabalha o riso em suas múltiplas facetas. (Foto: Sátiro Art Fotografia)

O espetáculo trata-se de uma arte inclusiva, que questiona sobre o que se vê dos desagregados como moradores de rua e pessoas com deficiência. Mas também expõe com ironias a maneira como é mulher é julgada e silenciada, em casos de abuso e estupro.

Um tapete escuro, pouco mais de 20 latinhas amassadas e um saco preto são o cenário onde Jorge e Taunne narram a realidade de dois moradores de rua. Ele, um homem gordo, deficiente, negro. Ela uma mulher mirradinha, fragilizada, sem família. Juntos revelam uma força que alguns não enxergam, porque simplesmente as pessoas não param para pensar nas minorias.

As cenas falam da ascensão da fome, onde um jantar com pão seco divido para dois é a única fartura. O preconceito, falta de acessibilidade e falta de inclusão social também são narrados da perspectiva do cadeirante que perdeu duas rodas nos buracos que dominam ruas e calçadas, e ainda precisa lidar com as risadas de quem trata o deficiente com indiferença.

Para o ator Jorge contracenar com a própria realidade é um alento. “Não é comum atores e portadores de deficiência no contexto geral da sociedade. Eu fui ator convidado e não pensei duas vezes, é uma oportunidade, um desafio e uma provocação. Esse processo é físico e psicológico, mas acho que é superimportante e necessário”, comenta Jorge.
Na pele da moradora de rua, mirradinha, e suja pelo tempo nas ruas, Taunne narra as dificuldades de uma mulher marginalizada e abandonada pela vida, taxada de louca quando o agressor surge. “Não é fácil ser mulher vivendo nas ruas. Não posso dormir e acordar sem medo. Medo de ficar sozinha em outros homens. Eu contei tudo, mas ninguém me ouvia”, diz em cena ao contar o abuso sofrido nas ruas.

Público acompanhou destreza de dupla em cena. E riu (Foto: Thailla Torres)
Público acompanhou destreza de dupla em cena. E riu (Foto: Thailla Torres)
Público também riu com diálogos que trazem a realidade com humor. (Foto: Thailla Torres)
Público também riu com diálogos que trazem a realidade com humor. (Foto: Thailla Torres)

Dali em diante, olhares de adultos e crianças cruzaram com diálogos que narraram em tom bem-humorado a vida de senhores que matam por terra, destroem para fazer riqueza e geram pobreza. A crítica surge também contra a mídia que diz ser “um desastre natural” a avassaladora destruição da natureza. Apontam ainda as pessoas que colocam a culpa em Deus ou usam a fé como pretexto para desigualdade.

“Não somos grandes personagens das histórias, mas temos muitas histórias para sobreviver”, diz a mulher mirradinha.

Após uma série de ironias sobre realidades do mundo e a destreza da dupla em cena, o público ouviu manchetes que estampam jornais todos os dias, como “Cresce violência contra moradores de rua”, “Morador de rua é incendiado”, “Morador de rua é encontrado esfaqueado”.

Para Jorge, a peça mostra o quanto é necessário falar da realidade com alegria. “É uma provocação necessária, porque a arte também tem que ser questionadora e mostrar os problemas da vida”.

O espetáculo ainda não tem data prevista para ser apresentado novamente, mas os atores garantem que, em breve, estarão nas ruas novamente.

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