“Especiais, complexos e grandiosos”, os trigêmeos famosos de MS
Haroldo, Marcelo e Aécio fizeram propagandas e ganharam até partitura de presidente dos Estados Unidos
Nascidos em 1936, Haroldo Cristovam, Marcelo Renato e Aécio Flávio Miranda foram uma sensação nacional durante a infância, adolescência e início da vida adulta. De Campo Grande, os trigêmeos tocavam piano em trio, se apresentaram no Teatro Municipal de São Paulo e ganharam partitura até de presidente dos Estados Unidos da América.
“Eles eram muito especiais, complexos e grandiosos. Parece que é demais a gente falar assim, mas eles realmente eram tudo isso”, introduz uma das filhas de Haroldo, Janaína Lima de Miranda.
Filhos de libaneses, o trio já tinha onze irmãos quando nasceu e viveram em Campo Grande até seus 7 anos de idade, quando se mudaram para São Paulo. Depois, já na vida adulta, foram retornando para cá após se casarem, por coincidência, com mulheres de Mato Grosso do Sul.
Apesar de aparecerem em propagandas antigas como da empresa Eucalol e terem até mesmo sido convidados para tocar em Moscou, na Rússia, os registros sobre a história dos trigêmeos são escassos. É graças às memórias de quem conviveu com eles que o resgate pode se tornar realidade.
Ao lado de Janaína, a artista Natacha Figueiredo Miranda, filha de Aécio, explica que falar sobre o pai e os tios une sentimentos variados, inclusive o luto, já que todos faleceram.
“Nas fotos, eles estão seguindo a ordem de nascimento porque eles mesmos confundiam, então marcaram para saber quem era quem. E quando a gente fala também é na ordem, Haroldo, Marcelo e Aécio”, conta Natacha.
Assim que nasceram, os três começaram a ganhar uma atenção extra, justamente por serem trigêmeos em uma época em que nascimentos assim eram mais reduzidos. “Eles ficaram meio que famosos e isso era engraçado porque sempre gostaram dessa atenção”, diz a artista.
Por serem de uma família elitizada, os três foram introduzidos ao que era entendido como a melhor educação logo cedo. “Eles foram para a aula de piano porque era algo da aristocracia. Estudaram muito e se tornaram muito críticos, continuaram lendo até o fim da vida e escreviam poesia. Não era algo só vinculado ao piano”, relata Natacha.
Para situar a família e o cenário, Janaína conta que o pai e os tios eram familiares dos Espíndola e, inclusive, tocaram com Tetê durante um tempo em trio. O problema é que ao invés de seguirem a vida como artistas, precisaram encerrar o caminho profissional de forma traumática.
Durante 17 anos, o trio estudou em conservatório e puderam ter como professora uma das intérpretes mais famosas de Chopin no Brasil, Madalena Tagliaferro. Mas, quando chegaram na casa dos 20 anos, tiveram a carreira interrompida pela família, como contam Natacha e Janaína.
Foi nessa época que os três receberam um convite para tocarem em Moscou com uma bolsa de estudos. Durante sua trajetória, o trio ainda chegou a ganhar partitura do presidente dos Estados Unidos, Harry S. Truman e fazer apresentações nacionais.
“A arte era algo difícil para eles. Acho que o pensamento do meu pai era algo como ‘Por que fez isso com a gente? Por que me apresentou a doçura, abriu minha alma e agora não deixa eu ir?’. Foi muito pesado, meu pai viveu com essa marca. A arte era algo de tristeza e sofrimento”, diz Natacha.
Durante a vida, os três, em períodos diferentes, também descobriram que sofriam de transtorno de bipolaridade e iniciaram o tratamento. No caso de Aécio, pai de Natacha, esse momento veio mais tarde, já depois dos 50 anos.
A artista narra que conviver com o trio era um misto de contemplação e complexidade. “Eles nasceram para ser artistas, eu acho. Mas meu pai saiu definitivamente do piano, em partes, acho que por causa da gente. Foi depois dos 40. Ele largou tudo para viver um grande amor com minha mãe, a Lourdes”.
O piano e as apresentações seguiram enquanto Haroldo ainda tinha um piano e os três conseguiam se reunir para tocar. “Eles passavam sexta, sábado e domingo tocando o dia todo. Lembro que eu ficava embaixo do piano e dormia ali porque eles tocavam bem demais”, conta a artista.
Mas, com o passar do tempo, até mesmo esses momentos foram diminuindo e a dor foi aumentando.
“Meu pai falava que quando ele estava o piano, era como se estivesse fazendo amor com uma mulher. Era um momento genuíno. Ele fechava os olhos e tocava, na hora da fúria o sentimento acompanhava. Tudo isso faz parte do artista”, explica Janaína.
Pensando sobre essa relação, Janaína pontua que o piano sempre foi o espaço de lamento, paixão e doçura do trio, por isso, entender o motivo de não conseguirem seguir com a carreira foi um trauma.
Apesar da veia artística forte, as primas contam que os pais não tentaram passar os ensinamentos a elas e que os motivos podem ser variados.
Natacha conta que Aécio, assim como os irmãos, era muito rígido e dizia que não iria colocar os filhos para aprender a tocar piano se não fosse com excelência. Isso porque, ao seu ver, não existiam bons profissionais por aqui.
“Em uma época, minha mãe, que era artista, desenhou as teclas de piano na toalha da mesa e ensinou o básico para a gente. Ele vendo aquilo, acho que quis tentar também, mas logo parou até porque ele dizia que não tocava mais”, relata Natacha.
Janaína também não recebeu os ensinamentos do pai e explica que, ao seu ver, os traumas com a arte podem ser os responsáveis por isso.
“Eles eram muitas coisas, eram inteligentes demais, doces e até pode parecer, mas não eram arrogantes. O convívio não era fácil porque a forma com que eles viviam era difícil, mas foi um privilégio ter eles como família. Sempre foi um misto”, conta Janaína.
E, puxando todas essas memórias, as primas completam que, ainda hoje, pensar sobre os pais vem como uma herança de lembranças. Com o tempo, os pais passaram a ser amigos e sempre pareciam estar à frente do tempo, como se habitassem um mundo próprio deles.
Confira a galeria de imagens:
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