Exclusiva para maiores de 75 anos, “Keiroukai” é festa para honrar a velhice
Igreja criada por japoneses realizou a 24ª edição da festa que homenageia idosos
Um templo evangélico estruturalmente semelhante a qualquer outro. Um palco largo com púlpito, instrumentos musicais e caixas de som. Mas, na plateia, os rostos são antigos e o culto vira evento. Entre homens e mulheres, a maioria dos fieis tem mais de 75 anos. E o sorriso de cada um deles é o que alegra.
No fim de semana, quem foi à Igreja Holiness, no Bairro Amambaí, em Campo Grande, se deparou com um cenário assim. Era dia de “Keiroukai”, festa tradicional japonesa que há 24 anos é celebrada por aqui, com objetivo de honrar os idosos.
Cerca de 100 pessoas comparecem. A maioria japonesa e descendente era da igreja. Outros foram convidados por seguirem à risca as tradições da cultura oriental. Alguns vieram da colônia japonesa de Terenos.
A homenagem ocorreu para oferecer carinho e também ensinar aos mais jovens o segredo para viver uma vida longa e saudável, que vai muito além de manter os exames médicos e alimentação em dia. “Eles necessitam de amor”, diz o corretor e integrante da diretoria da igreja, Américo Yamamoto, de 60 anos. Segundo ele, essa é a maior lição do evento. “Esse evento é exclusivamente para os idosos, para honrá-los com respeito, carinho e amor. Isso faz parte da nossa cultura há muitos anos e, com isso, além de homenageá-los, mostramos as gerações mais novas que os idosos merecem respeito”, explica.
Além de lições, a programação incluiu apresentações de danças, cantos e orações dentro da igreja. Após cerca de 40 minutos, um jantar preparado pelos mais jovens foi servido no salão de eventos do templo. No cardápio, muita comida típica, como karaague (frango frito), sushi e nishime (vegetais cozidos).
A diversão ficou por conta de uma gincana organizada por um dos fieis, o engenheiro civil Maikel Hiroki Ando, de 29 anos, que preparou perguntas sobre a história do Japão para que os convidados exercessem a memória e usassem da sabedoria para dar respostas. Tradicionalmente, a gincana é feita por outra integrante que inclui brincadeiras e cantigas japonesas cantadas na infância, no entanto, ela adoeceu e não pode organizar a atividade. Coube a Maikel a missão. “Eu fiquei muito feliz. Para mim isso tem um significado muito forte. Muitos deles me ensinaram o amor de Deus e o respeito que devo ter pelos meus pais e meus avós, que hoje estão no Japão, mas serão sempre homenageados”, explica.
Aos 90 anos, Mitsue Mitike, nascida no Japão, não se comunica. Com o avanço da idade ela já deu sinais de esquecimento. Mas ao receber das crianças um bilhetinho feito à mão, com ajuda da filha, ela segurou com carinho. “Eles sentem quando recebem amor e a nossa dedicação, mesmo com os avanços e os esquecimentos”, explica a filha Elizabete Itiki Akamine, de 55 anos.
Ao falar do significado da festa Elizabete chora. Ela se lembra da luta dos pais para criar os cinco filhos e fazer a vida da família ser mais bonita. “Eu me emociono porque meus tiveram que lutar muito. Meu pai sempre na roça, minha mãe empregada doméstica. Foi assim a vida toda para conseguir criar os filhos. Hoje a gente faz tudo para retribuir”.
Elizabete diz ficar emocionada ao ver que os filhos, mesmo jovens, compreenderam o valor que há na velhice. Não há um dia que eles deixem de ligar para saber de Mitsue e, toda semana, levam os filhos para visita-la. “Mesmo que ela não fale muito, eles estão sempre perto dela”.
Fundador da igreja em 1971, Hiroshi Yananoto, de 92 anos, não ouve muito bem, mas é totalmente lúcido nas lembranças. Emocionado com mais uma edição do “Keiroukai”, ele resume a importância da festa. “Respeito aos velhos. É isso. Só isso”.
Alice Shizuko Uehara, de 83 anos, não faz parte da igreja, mas há alguns anos frequenta a festa para garantir bênçãos e rever os amigos. “É maravilhosa saber que nós somos amados. Aos ouvir palavras e homenagens, minha alma parece que se expande”. Além disso, uma comidinha japonesa feita por quem entende da gastronomia tradicional faz toda diferença. “Está tudo delicioso e feito com muito carinho”, completa.
Para a pastora, Rosana de Paula, que há 24 anos faz parte da congregação, o evento reacende uma discussão antiga e necessária, a valorização da velhice. “Nós temos cada vez mais um número maior de idosos que muitas vezes são deixados de lado. Não são todos os casos de abandono, mas, mesmo assim, por falta de tempo ou correria com o trabalho, os idosos acabam ficando sozinhos, de lado, sem ninguém para conversar ou dividir o tempo. E isso é muito necessário para quem alcança a maturidade. A vida desse idoso não pode simplesmente ser deixada de lado, ele continua necessitando de amor e de carinho. Afinal, eles já deram muito, já doaram muito, agora, os papeis devem se invertem”.
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