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Comportamento

Muro da gentileza reflete trajetória de quem nunca deixou de ajudar

Marina é idealizadora do muro que é só uma das diversas formas que encontrou para prestar auxílio

Jéssica Fernandes | 17/06/2023 07:18
No Bairro Pioneiros, muro solidário é abençoado por Marina. (Foto: Jéssica Fernandes)
No Bairro Pioneiros, muro solidário é abençoado por Marina. (Foto: Jéssica Fernandes)

O muro da gentileza é só uma das diversas formas que Marina Ribeiro encontrou para ajudar o próximo. A mulher que passou dos 70 anos tem a filosofia de vida baseada na solidariedade. Marina ajuda sem esperar nada em troca e acredita que qualquer um que puder deve fazer o mesmo.

No Bairro Pioneiros, a casa dela se tornou referência na região. O muro verde colorido ganhou ramos de árvores e o desenho de um tucano. A ilustração feita por um amigo traz a frase: ‘Quem precisa pegue. Quem não precisa deixe. Para completar, a ilustração apresenta o nome da idealizadora na frase: ‘Abençoado por dona Marina’.

Há cerca de dez anos, ela começou a fazer doações no bairro após retornar de  uma viagem. Marina conta que continuou doando, pois a iniciativa solidária deu certo. “Eu viajei pra Bahia e quando voltei vi tanta pobreza que falei: ‘Meu senhor, meu guarda-roupa cheio e muitas vezes as pessoas nem tem o que vestir’. Eu pintei ele (muro) e ficou muito bonito. Peguei meu guarda-roupa e tirei tudo que não usava, foi vestido, calça e blusa. Foi sucesso e continuei com as coisas”, afirma.

Na varanda, caixa está cheia de peças masculinas e femininas. (Foto: Jéssica Fernandes)
Na varanda, caixa está cheia de peças masculinas e femininas. (Foto: Jéssica Fernandes)

Além das roupas, Marina também conseguia reunir outros bens que poderiam ser úteis para alguém. “Era a cama, colchão, coberta e eu colocava aí. Muita gente falava: ‘É pra vender?’ e eu: ‘Não, filha, é pra pegar. Pode levar à vontade. Vem gente humilde e até gente que pode pega”, diz.

Depois da conversa na calçada, a moradora convida para entrar na residência, que fica aos fundos do terreno. Próximo ao portão, ela reúne caixas de papelão e garrafas que são dadas para uma mulher que vende os recicláveis. “Isso aqui eu cato pra uma senhora que há dois anos ficou internada, perdeu o marido, filho, aí eu vou juntando aí pra ela levar”, explica.

Enquanto caminhava, Marina aproveitava para falar um pouco do que faz ou já fez. Antes de ter um serviço no lar de idosos, ela trabalhava no Auxiliadora com freiras. Apesar do trabalho ter o apelo solidário, Marina garante que na infância já socorria quem precisava. “Desde de criança eu gostava de ajudar as pessoas. Isso é um dom que vem de berço", ressalta.

Blazer preto é uma das diversas roupas que moradora juntou em casa. (Foto: Jéssica Fernandes)
Blazer preto é uma das diversas roupas que moradora juntou em casa. (Foto: Jéssica Fernandes)

Na varanda de casa, ela tem uma grande caixa cheia de roupas. Devido ao tempo chuvoso, as peças não foram deixadas como de costume no caixote de madeira. Ao mostrar as peças, a moradora faz questão de apontar os detalhes e indicar que todas estão em bom estado para uso. “É tudo roupa boa, não gosto de colocar roupa velha, rasgada. Aí as roupas estão todas bonitinhas”, destaca.

Na caixa tinham shorts jeans, blazer, blusas, tops, vestidos e vários outros modelos masculinos e femininos. Embora estivessem montadas na caixa, as peças estavam todas limpas e bem conservadas. Se Marina quisesse poderia vender para qualquer brechó, porém essa não é uma possibilidade.  “Eu não vendo nada não, eu não preciso graças a Deus”, pontua.

Com apoio de outras pessoas, ela consegue juntar as peças que quando são colocadas no muro solidário saem rapidamente. Nos dias chuvosos, a moradora recebe as pessoas na varanda. Ali, elas olham as peças e depois levam embora.

Marina mostra um dos macacões que estão para doação. (Foto: Jéssica Fernandes)
Marina mostra um dos macacões que estão para doação. (Foto: Jéssica Fernandes)

A generosidade de Marina é retribuída através de palavras e até presentes que mesmo simples tem grande significado para a benfeitora. “Tem gente que traz um sabão feito em casa por gratidão, outros chegam com alguma coisinha, um limão”, conta.

No caminho da solidariedade, Marina conheceu pessoas que por diferentes razões precisavam de ajuda. Há 20 anos, ela guarda na carteira o bilhete deixado por uma amiga que faleceu de HIV. Na semana passada, ela estava lendo o recado e depois de alguns minutos procurando na carteira encontra o papel que exige cuidado no manuseio.

O bilhete foi escrito por alguém enquanto Denise, que era uma moça loira de olhos claros, ditava a mensagem que desde então acompanha Marina. “A Denise só escutava eu, ela chegava na escola e eu atendia ela. Nunca esqueci dela, a Denise me marcou muito. Ela só respeitava e ouvia eu”, comenta.

Há 20 anos bilhete escrito por Denise é guardado na carteira. (Foto: Jéssica Fernandes)
Há 20 anos bilhete escrito por Denise é guardado na carteira. (Foto: Jéssica Fernandes)

Marina é uma senhora de baixa estatura com cabelo curto cortado na altura da nuca. Os olhos claros ficam um pouco marejados depois de lembrar da amiga. Quando fala sobre quem pode ajudar, seja no passado ou no presente, não faz isso se vangloriando. No final da conversa, fica a lição que aprendeu sem que ninguém precisasse ensinar.

“A gente nunca é tão pobre para não ajudar uma pessoa. Eu gosto de tratar bem as pessoas não importa o que ela quer ou quem seja. A gente não sabe o dia de amanhã. Nunca passe indiferente por ninguém”, reforça.

Na calçada caixote de madeira com desenhos é ponto de doação. (Foto: Jéssica Fernandes)
Na calçada caixote de madeira com desenhos é ponto de doação. (Foto: Jéssica Fernandes)

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