Na cena de um crime, encontramos vida e sentimento sob o entulho da ignorância
Diante de tanta crueldade, uma cena nos chamou atenção
Na chamada policial, a denúncia: uma pessoa acabava de ser carbonizada em uma rua aparentemente deserta no Jardim Seminário. A cena do crime é um lugar imundo, cheio de lixo, com restos de comida, objetos velhos e outros entulhos. Mas diante da crueldade, uma cena chama atenção. O fotógrafo registra um cantinho feito para animais abandonados daquela área. É a prova de que, apesar de tanto abandono, há pessoas de bom coração em todo lugar.
Sobre o crime, uma testemunha presenciou a ação de dois homens contra a vida do engenheiro agrônomo, Sebastião Mauro Fenerich em um trecho da Rua Missão Salesiana, onde não há casas e nem sinal de outros moradores. O motivo, ainda ninguém sabe.
A ironia na cena de violência extrema é que alguém, usando isopor, resto de telha e tijolos, havia feito uma casa pequena para proteger animais que sobrevivem por ali, de maneira que ninguém os atrapalhasse. Tem cobertura com pedras para sustentar o 'barraco' e até flores artificiais para colorir o espaço que já pode ser chamado de lixão.
Escrito a mão em um pedaço de madeira, surge o recado que soa como poesia: ''Cuidado aqui tem vida'', como coisa de quem está cansado de ver tanta ignorância, sofrimento e o risco presente de agressão ou mais despejo de lixo sobre os hóspedes daquele lugar inóspito.
Em Campo Grande é incontável o número de animais domésticos soltos por aí e fica quase impossível não refletir sobre o cantinho dos gatos erguido no meio do nada. Pela manhã, a reportagem voltou ao local, mas nem sinal de gente ou bichos pela rua.
No lugar, além de lixo, o que restou foram as cinzas do carro queimado para não deixar pistas dos assassinos. Mas como quem procura acha, descobrimos que em qualquer estrada pode surgir outro tipo de desova, a de muitas histórias. Além de sofá, televisão, máquina de lavar...uma pilha de papéis também chama atenção.
Sem nenhum receio de revirar o lixo, encontramos fotografias, revistas, documentos antigos e um livro. Colorido e intacto, ficou ali uma curiosa declaração de amor, de alegria entre duas mulheres.
Na contracapa, a dedicatória é expressiva no livro que Marilda recebeu de presente da Marli: "O destino nos tornou irmãs e o coração nos transformou amigas. Com muito amor, carinho, respeito e dedicação", dedica.
Em uma das páginas, a revelação. "Você lembra que lá na casa quadrada, às vezes, usei sua roupa sem permissão e estraguei... Contudo, você continua gostando de mim, mas eu gosto ainda mais de você", declara Marli.
É uma pena não saber mais da história de Marilda e Marli, nem o motivo do livro ter parado no lixo. Também é frustrante não encontrar o arquiteto do improviso, que decidiu proteger os gatos da chuva.
Mas seja qual for o motivo, as histórias de quem amou de verdade uma amiga ou pensou nos animais daquela região, provam que a partir das coisas simples se pode caminhar para um cenário melhor, transportando a gente para longe do abandono e do mal.
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