Na história da cidade, Maria conseguiu juntar aviamento e baile para ser feliz
Na semana em que um dos nomes que mais fez e ainda faz história na cidade completa aniversário, o Lado B foi visitar a fundadora do Bazar São Gonçalo e a dona do Clube da Amizade
Caçula de 12 filhos, órfã de mãe aos 3 anos de idade, oito lares na infância. Cada um dos irmãos que cuidava do pai, levava Maria junto, porque a pequena não desgrudava. Na semana em que um dos nomes que mais fez e ainda faz história na cidade completa aniversário, o Lado B foi visitar Maria Almeida Metello, a fundadora do Bazar São Gonçalo e a dona do Clube da Amizade.
Sem papas na língua, dona Maria é uma figura e explica, logo de cara, porque não vai rir. Há duas semanas, teve uma paralisia facial e vaidosa como sempre foi, não quer deixar tão em evidência. Só não sabemos como vai ser para ela segurar o riso na festa. Os 84 anos serão comemorados com baile no Clube da Amizade e entrada, a R$ 20,00.
"Sabe que eu mesma me admiro? Não preciso que ninguém goste ou me admire. Eu vejo muita gente que não se esforça para ser alguma coisa na vida e olha que tem tudo para ser feliz, mas não se esforça", dá o recado.
O Bazar São Gonçalo, administrado desde a década de 80 pelo filho, que é inquilino dela, surgiu numa pequenina casa de madeira, de duas peças, no mesmo endereço, na Maracaju. "Eu era costureira, comecei porque meu marido teve hepatite e estava muito ruim, a gente era muito pobre, só tinha aquilo", recorda.
Dentro de casa, ela costurava e atendia clientes, enquanto seu Gonçalo Metello era vendedor. De formação, o marido tinha a Contabilidade no currículo, mas nunca exerceu. Numa época de vacas magras mesmo, uma carta da irmã de Maria chegou. Ela estava comprando tecido por quilo em São Paulo e revendendo em Santos.
"Aí eu escrevi se ela me emprestava 100 mil réis, que logo que eu vendesse, eu pagava para ela. Assim que começou o bazar, com uma hepatite e naquele dia eu virei turca. Tripliquei o preço, ligava para as clientes e falava: 'olha, chegou tecido de São Paulo que ninguém tem em Campo Grande'", lembra aos risos. Os cortes ocupavam uma cômoda da casa mesmo e a pedido da clientela, dona Maria foi trazendo aviamento para as gavetas.
O nome "São Gonçalo" não é homenagem ao marido, como parece e fala muito mais sobre uma Maria apaixonada pela história.
"Fui para Cuiabá conhecer a família do meu marido e fui à igreja onde ele foi batizado. Todo católico, quando vai numa igreja pela primeira vez, pode fazer três pedidos. Eu pedi que se ele me ajudasse a fazer um salão de material, eu colocaria o nome dele. E todo mundo pensava que o nome da loja era por causa do marido, não é?", brinca dona Maria. O pedido feito a São Gonçalo, foi atendido e a promessa dela, cumprida.
As peças foram aumentando da casinha de madeira a medida que os filhos nasceram. No total, são quatro. De surpresa, seu Gonçalo morreu a deixando viúva nova de tudo, com 48 anos, em 1981 e é aí que os aviamentos encontram o dançar no salão.
Como sempre foi de dançar, dona Maria conheceu o marido assim, no Rádio Clube. Quando casados, se tornaram sócios de todos os clubes da época. Seu Gonçalo morreu de infarto, numa cirurgia e dona Maria atribui ao medo e nervosismo que ele estava da operação.
Dois anos depois de ficar viúva, Maria quis sair para dançar. Reservou uma mesa no Rádio e voltou para casa frustrada. "Ninguém tira para dançar uma solitária. Se você tem marido, você dança, senão tem..."
Por tempos começou a questionar as amigas. "O que você faz para dançar?" E ouviu como resposta: "A gente não dança Maria". "Você chegar na viuvez assim? Eu levei um choque, porque foi uma coisa que ninguém nunca conversou antes. Em casa, eu fazia aniversário, amanhecia dançando toda vez", compara.
E assim, Maria resolveu fazer dentro de casa o próprio clube e no começo, confessa que "roubava" clientes dos outros. "Você não sabe o que eu já aprontei. Vou até te falar... Minhas amigas convidavam colegas homens e eu passava na frente dos clubes e voltava com o carro cheio. Naquela época, quando inventei o clube, só tinha mulher... Olha, essa é uma história que tem que ser contada" e cai na gargalhada.
Desde então, já se passaram 33 anos de clube. "Se eu sou feliz? Demais, porque eu vivo, porque eu financeiramente não preciso dos meus filhos. Uma velhinha sem dinheiro ninguém quer", brinca.
E na despedida, ela fala para a gente. "O que eu sonhei, eu fiz. E olha, mesmo quando a gente fica viúva, não é para ficar em casa, pensando na solidão, na tristeza. Tem que partir para a luta, viver, que a vida continua... Já faz 33 anos e eu já vivi tanta coisa boa".
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