Nas mãos de professora e aluno, mundo de baratas ganhou tradução para libras
Inciativa levou a dupla a conhecer a autora de exemplar utilizado em sala de aula
Para reler um livro, basta ter o exemplar à mão. Com as inovações tecnológicas tal expressão já não precisa ser levada tão ao pé da letra. Diferentes suportes proporcionam inúmeras formas de acessar o prazer ou a obrigação da leitura. Para professora e aluno, as novas possibilidades permitiram superar os limites da inclusão de pessoas com deficiências. A metáfora das baratas, utilizada para debater o uso das drogas em livro com crianças no ensino básico, ganhou tradução em libras produzida dentro da escola pública.
À frente desta empreitada estavam a professora, Mayara Rocha, 27 anos, e o aluno surdo Luigi Fuchs, de 11 anos, além da intérprete de libras Luana Rodrigues Pereira, 28 anos. Gravado em sala de aula, com o barulho das outras crianças ao fundo da classe, o vídeo da tradução do livro o “O Barato das Baratas” chegou até a autora do livro, a escritora Ariadne Cantú, e proporcionou o seu encontro com os protagonistas da gravação na tarde desta sexta-feira, na Escola Municipal Antônio José Paniago, no Jardim Itamaracá, em Campo Grande.
A parceria entre Mayara e Luigi vem de anos. Antes mesmo da sala de aula. A irmã dela, também surda, foi babá do estudante quando ele ainda tinha apenas 4 anos de idade. O tempo passou e os dois se cruzaram também na sala de aula.
A familiaridade um com o outro, além do fato da professora conhecer a linguagem de sinais desde os dez anos de idade, permitiu a adoção propostas pedagógicas mais ousadas, criativas e com potencial de superar desafios relacionados à inclusão de crianças com necessidades educacionais especiais.
Conforme Mayara, material paradidático existe no mercado, mas nem sempre acompanha todos os títulos recomendados como material de ensino. “Com libras eu trabalho desde antes de me formar, como intérprete. Eu sei que é muito importante trazer os livros sinalizados em libras. A gente tenta ter mais esse acervo de materiais, mas nem sempre é possível”.
Para Luigi não ficar de fora da leitura, recomendada para toda turma do 6° ano, a professora utilizou os recursos que tinha a sua disposição. Ela e a intérprete de libras, destinada para atender as necessidades do aluno, traduziram página por página da história para a língua materna da criança, já que a leitura em português ainda não é fluente.
A revisão da história demandou mais tempo que a leitura dos outros alunos. Quando Luigi já sabia a narrativa de cor, o vídeo da contação feita pelas suas mãos foi gravado. No encontro com a autora, a episódio mais emocionante da história foi uma das curiosidades. “Minha parte preferida é o começo, quando tem uma explosão”, revelou o estudante.
O livro procura debater o uso das drogas a partir de um mundo dominado pelas baratas que vivem como seres humanos. Neste cenário, as baratas adolescentes são aventureiras e vivenciam muitas descobertas, dentre elas uma que mudaria o futuro daquela sociedade para sempre: uma substância escondida entre escombros que traz sensações totalmente adversas às que eles já tinham presenciado, mas que acaba tornando-os dependentes.
Ao deparar-se com o vídeo de Luigi traduzindo a narrativa e permitindo que a história fosse ainda mais além, Ariadne viu a realidade superar a própria imaginação utilizada sem parcimônia na produção do livro. “Eu fiquei muito emocionada quando vi o vídeo. É uma alegria que eu não imaginava viver. A impressão que tive é de que meu livro foi feito para todos”, descreveu.
Colocar outras crianças da escola de Luigi como testemunha deste agradável encontro, também serviu como instrumento para multiplicar o interesse pela leitura e o estímulo pela leitura. A autora foi sabatinada pelos outros alunos, auxiliou com dicas de escrita de ficção e até distribuiu autógrafo em camiseta da rede municipal de ensino. A escritora tornou-se celebridade na escola da periferia da Capital.
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Assista ao vídeo de Luigi: