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Comportamento

Nem mãe que acabou de perder um filho escapa da turma que adora julgar

Bella partiu, mas ensinou à mãe como recomeçar e a lidar com a falta de sensibilidade quando o assunto é luto

Thailla Torres | 17/06/2019 07:12
Tayná precisou recomeçar a vida depois de perder a filha Bella, que partiu ainda dentro da barriga. (Foto: Arquivo Pessoal)
Tayná precisou recomeçar a vida depois de perder a filha Bella, que partiu ainda dentro da barriga. (Foto: Arquivo Pessoal)

“Depois que tudo aconteceu, Bella transformou a minha vida”, diz a médica Tayná Sanches Santiago, de 30 anos, com brilho nos olhos de quem nunca vai esquecer como a filha mudou tudo. Ela viveu oito meses, mas conseguiu ensinar à mãe ainda dentro da barriga, para que pudesse lidar com as dificuldades depois de sua partida.

Bella descansou no dia 13 de abril de 2019, ainda na barriga da mãe. Tayná é medica e lembra que teve uma gestação tranquila. Mas acredita que a filha partiu no tempo dela, por isso, hoje, suas palavras fogem da lamúria. A mãe recorda o lado mais especial de Bella, que a ensinou lidar até com a falta de sensibilidade humana que não poupa quem acabou de perder um filho.

“Como pode uma médica perder um bebê?”, “Você não se cuidou?”, “Deus sabe o que faz, vai que ela tinha algum problema ou deficiência”, “Pensa que seria pior se você tivesse convivido com ela”. As frases parecem cruéis e realmente são, mas foram ditas à mãe logo depois de perder a filha.

Théo, sempre com olhar apaixonado para a barriga de Tayná. (Foto: Arquivo Pessoal)
Théo, sempre com olhar apaixonado para a barriga de Tayná. (Foto: Arquivo Pessoal)

No processo de encarar uma dor diária, de deixar as lágrimas caírem e lembrar de tudo o que Bella ensinou, Tayná precisou respirar fundo toda vez que a maldade ou falta de sensibilidade humana falou mais alto. Eu tive um encontro de perdas gestacionais e isso foi um ponto muito comum. Ainda mais por eu ser médica, no ambiente médica, a perda da Bella foi muito comentada, o tempo todo as pessoas querendo saber quem errou. Mas pra mim não teve erro, ela cumpriu a missão dela e precisou partir”.

Longe da competição de tragédias, Tayná optou por se reerguer com amor e encarou o luto de frente sem medo e decidiu abrir o coração para saber como tem lidado com esse processo, embora haja dificuldades e falta de sensibilidade.

O primeiro passo, segundo ela, foi reconhecer Bella como sua primeira filha. “Os filhos que morreram eles tem que ser reconhecidos. A Bella sempre vai ser reconhecida como a minha primeira filha. Os meus outros filhos vão saber que eles têm uma irmã mais velha. É importante esse reconhecimento e integração da família”, explica.

Como médica, o processo que só parece fácil é ainda mais doloroso quando acontece com quem se ama. “Eu li muita coisa, mas o luto é muito difícil porque ninguém te ensina sobre isso. Na faculdade de Medicina, pouco se fala sobre o luto, você aprende como comunicar um óbito, mas não tem empatia com a pessoa. Hoje, eu olho como outros olhos essa relação”.

Mas tudo só aconteceu graças ao brilho de Bella, que mudou a vida da família durante os oito meses que viveu. “Minha filha muito desejada, apesar de ter quatro meses de namoro quando descobri que estava grávida, ela conseguiu unir as duas famílias de uma forma surpreendente”.

O falecimento foi há dois meses, cientificamente por causa de uma trombose umbilical. Tayná lembra do dia que passou a sentir que Bella estava quietinha dentro da barriga. “A data provável do parto era 8 de maio, ela faleceu dia 13 de abril quando simplesmente parou de mexer”.

Naquela semana, Tayná acredita que foi preparada para receber a notícia da morte da filha. “Foi numa segunda-feira a primeira vez que ela não mexeu. Eu balançava a barriga, mas não a sentia. Estava de plantão à tarde no hospital e decidi escutar o batimento cardíaco dela, mas estava tudo bem. Durante a semana fui na minha médica e continuava tudo bem. Mas na sexta-feira ela parou de mexer”.

Ao lado do noivo, primeira filha do casal foi muito amada. (Foto: Arquivo Pessoal)
Ao lado do noivo, primeira filha do casal foi muito amada. (Foto: Arquivo Pessoal)
"Bella sempre vai ser a minha primeira filha", diz Tayná.
(Foto: Arquivo Pessoal)
"Bella sempre vai ser a minha primeira filha", diz Tayná. (Foto: Arquivo Pessoal)

Naquele dia Tayná diz que teve uma sensação ruim e preferiu ficar em casa descansando. Mas, no sábado, decidiu voltar ao hospital para escutar Bella. “Quando colocamos o aparelho, não escutamos mais ela. E quando você balança a barriga grávida, há um tônus, mas quando mexi, senti apenas um leve bater e ali já achei estranho. Liguei então para minha médica e avisei que estava subindo para fazer ultrassom”.

Ao chegar na sala de ultrassom, como médica, Tayná nem precisou ouvir da especialista o resultado. “Quando colocaram em mim o aparelho eu vi que não tinha mais o batimento cardíaco. Eu já sabia o que estava acontecendo. Chamei o meu noivo Daniel e recebemos a notícia que Bella não estava mais viva”.

No momento mais difícil, Tayná encontrou forças que não sabia que existiam dentro de si. “Fomos para maternidade para fazer a cirurgia de retirada da Bella e quando ela saiu, eu fiz questão de pegá-la no colo. Ela nasceu linda, cabeluda e com a boca rosinha. Ficou 15 minutos comigo e depois a levaram”.

No outro dia, Tayná provou da força e união familiar que a filha ensinou. “Decidimos batizar a Bella antes do velório e sepultamento. Esse momento foi muito importante para o reconhecimento da minha filha e de toda família”.

O instante parece difícil para quem está de fora, mas para Tayná foi muito significativo. “No batizado fiquei o tempo todo com ela no colo. Foi o momento que eu pude me sentir mãe da Bella, ter cuidado com a milha filha”.

A despedida foi no mesmo dia, com a roupinha amarela preferida de Tayná e um amor distribuído entre a família. “Eu vejo que Bella tinha uma missão a cumprir e ela cumpriu. Ela não só me fez ser mãe, como nos ensinou o significado do amor, da vida e da família. Antes dela eu vivia para o trabalho, não dava valor a momentos simples, mas ela nos ensinou o quanto é importante viver e se dedicar ao outro com mais simplicidade”.

Se Tayná soubesse, lá atrás, tudo o que viria pela frente, não ia sobrar dúvidas de que daria os mesmos passos. “Eu não me arrependo de nada, não culpo ninguém, eu só agradeço. Bella viveu, partiu e me ensinou. Se tivesse uma chance com ela novamente, faria tudo igual e agradeceria o tempo que ela escolheu ficar conosco. Quanto a falta de sensibilidade dos outros, ela também me ensinou a responder tudo com amor. É disso que o nosso universo precisa”, finaliza.

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