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Comportamento

No dia em que pistoleiro matou médico, psicóloga viu arma falhar na hora dela

Paula Maciulevicius | 22/09/2016 06:05
Sueli ao fundo, com a filha Beatriz e o filho Pedro Henrique, hoje, nove anos após tudo acontecer. (Fotos: Arquivo Pessoal)
Sueli ao fundo, com a filha Beatriz e o filho Pedro Henrique, hoje, nove anos após tudo acontecer. (Fotos: Arquivo Pessoal)

Sueli hoje tem 44 anos e há 9 viu sua vida mudar para sempre. Os detalhes dão a impressão de que os 3 minutos do assassinato que ela testemunhou foram uma eternidade. Cenas que ela se recorda como se tivesse vivido ontem. 

"Me lembro exatamente como foi, tudo o que aconteceu aquele dia e não foi só ali, aquele momento. A partir daquilo, se fez uma transformação na minha vida. Até a forma de agir e pensar", conta.

Sueli Lopes Pinheiro é psicóloga e no dia 21 de março de 2007 pegou carona ao lado da colega, enfermeira Amanda, com o médico Ademir Pimenta dos Reis. Os três saíram do plantão na cidade de Taquarussu e quando iam para Nova Andradina, foram abordados por pistoleiros que atiraram contra Ademir e Amanda. A emboscada foi armada para matar o médico. Na vez de Sueli, a arma falhou e os golpes foram dados pelo cabo da espingarda.  

"Eu era uma pessoa que não tinha medo de nada. Tive poliomielite quando era pequena, então sempre tive um histórico de ter que sobressair em tudo. Sempre fui muito forte", define Sueli. E quando tudo aconteceu, o controle que ela sempre acreditou ter, se foi, junto com o chão. 

Cada vez que um episódio de violência ou morte repentina toma os noticiários, volta tudo de novo à mente de Sueli.
Cada vez que um episódio de violência ou morte repentina toma os noticiários, volta tudo de novo à mente de Sueli.

"A gente estava voltando do trabalho, engraçado, que eu não voltava com o Ademir, mas naquele dia, como eu coordenava uns programas do SUS, tive que ficar e pedi carona ele. Mas não era um hábito", recorda.

Ela e a enfermeira Amanda ficariam na cidade de Nova Andradina e no caminho, enquanto conversavam e riam descontraidamente, os pistoleiros vestidos com roupas da polícia ambiental, pararam o carro.

"Eu acho que o Ademir, não sei se desconfiou ou reconheceu, porque o médico assassino, o mandante do crime, estava em cima da ponte. Quando bateram no vidro pedindo para abaixar, o Ademir pediu as credenciais do policial", lembra Sueli.

Como resposta, ouviu "desce ou morre". A dupla desceu do carro, enquanto Amanda que ocupava o banco de trás, ficou. "Achei que era só aquela coisa de policial arrogante, mas foi uma coisa de segundos... A gente estava um do lado do outro. Ele já atirou e eu lembro que eu só gritava 'pelo amor de Deus, não me mata que eu tenho uma filha'".

O primeiro tiro, saiu de uma 12, e atingiu a cabeça do médico. Os estilhaços acertaram Sueli no rosto e chegaram até a quebrar o osso da mandíbula. "Quando ele foi atirar novamente, em mim, o cartucho travou. Tenho certeza que ali era uma segunda chance", acredita.

Os filhos deram força. Beatriz tinha 3 anos e Pedro Henrique, hoje com 2, nem estava nos planos.
Os filhos deram força. Beatriz tinha 3 anos e Pedro Henrique, hoje com 2, nem estava nos planos.

O outro pistoleiro, que portava um revólver 38, atirou na enfermeira, que no susto, tentou sair do carro para correr. "Como eu tinha visto, ele viu que precisava me matar, então pegou o cabo da 12 e começou a bater no meu rosto, na minha cabeça. Um dente meu saiu com raiz e tudo e ficou grudado no cabo", detalha.

O trecho era movimentado e com o barulho de carros se aproximando, o bando fugiu. A enfermeira que tinha ficado no banco conseguiu pular - mesmo com o veículo em movimento - e ficou na estrada.

"Eles não conseguiram completar o serviço. Senão eu e ela também estaríamos mortas. Nós ficamos jogados no chão, as pessoas que passaram que socorreram", conta.

Quando parou o primeiro carro, os dois foram colocados na caçamba de uma caminhonete. "Colocaram o Ademir deitado e me colocaram ao lado dele, eu estava com o rosto inchado, um cara segurava a minha cabeça e eu pedia para não ver ele morrer. Eu vi aquilo e é muito difícil. Teu colega de trabalho, teu amigo, morrendo caído, é tudo muito difícil". Eles foram levados para o hospital de Nova Andradina, onde Ademir morreu.

"As pessoas falam: 'nossa, mas faz tanto tempo'... Viver de frente com a morte, que foi o que aconteceu comigo e com a Amanda... A gente conseguiu sobreviver, mas eu tive uma série de sequelas", contabiliza.

Foram cirurgias plásticas no rosto e um trauma que até na hora de lavar o cabelo, os olhos não se fecham. "A primeira lembrança que eu tenho sempre é da arma na minha cabeça. Eu passei anos da minha vida que quando ia lavar o cabelo, não fechava os olhos. Até hoje eu tenho essa coisa muito forte, do medo", diz.

Hoje o sentimento é o de gratidão à vida, por ter tido uma segunda chance.
Hoje o sentimento é o de gratidão à vida, por ter tido uma segunda chance.

E a cada vez que um episódio de violência ou morte repentina toma os noticiários, volta tudo de novo. "É muito louco isso, volta toda a sua dor, o sofrimento. Parece que você está revivendo aquilo. Eu me coloco no lugar da pessoa, quem está de fora, não sente a dimensão", diz.

A filha criança, por quem Sueli implorou para não morrer, hoje tem 13 anos e o caçula, 2. Depois do assassinato, Sueli foi tirar carteira de habilitação. De quem não dirigia, ela passou a ser a pessoa que nunca mais aceitou caronas. E um lado se mostrou mais forte, o de desconfiar de absolutamente tudo.

"Eu sempre lidei muito bem com as pessoas e de repente, passei a ver que o mundo é perigoso e eu que não sabia. Você perde a inocência da criança, a partir daquele dia, mudei infinitamente as minhas atitudes", afirma.

Durante anos, Sueli não saía nem no quintal depois que escurecia e também não ficava sozinha com nenhum desconhecido, por achar que em algum momento, tal pessoa teria uma reação similar ao que ela viveu.

A psicóloga só foi saber depois que a emboscada havia sido armada para o colega médico, mas acredita que não estava ali por acaso. "Tudo tem um motivo, a gente participou de tudo isso. É difícil. A Amanda tem os mesmos sentimentos que o meu e todo dia eu tento superar isso, porque volta e meia vem aquela imagem de que alguém vai te agredir, te matar, porque é uma imagem que não sai".

Hoje o sentimento é o de gratidão à vida, por ter tido uma segunda chance. "Eu tenho uma forma de levar a vida, faço tudo o que tenho vontade e parei de pensar no futuro, me dou esse direito. Eu tenho que viver, eu mereço isso. 

Deus sempre me ajudou em tudo, todas as dificuldades que passei e ele me ajuda de novo. Porque é muito difícil você sair viva numa situação em que a pessoa viu que você viu, ela tem que te matar, mesmo não sendo com você. E a pessoa que te espanca e não consegue te matar? É porque tem algo superiu que te ajudou naquele momento". 

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